Hoje é dia das mães. Estes dias não deveriam existir, eles mais machucam do que curam, porque são baseados em padrões sociais utópicos e pouco libertadores.
O que significa ser dia das mães para quem já a enterrou? Apenas recordações boas ou más. Sofrimento e desgaste. Quando enterramos uma pessoa que amamos, sentimos falta de seu corpo, de sua presença física, mas de alguma forma ela continua presente. Podemos vê-la em pequenos detalhes, em situações e objetos das quais ela gostava. Eu sei disso porque posso sentir com a minha avó paterna, posso sentir com a minha tia paterna, com meu tio paterno. Neste momento de minha vida, após uma experiência pouco convencional, posso sentir também do meu pai. Qualquer mágoa ou rancor em relação àquele português cabeçudo está curado. Meu pai me pegou no colo e me pediu perdão, me disse que nunca havia me abandonado. Ele pagou um preço bem carro por sua imaturidade, pagou com a vida e com o fato de não poder ver os filhos crescerem e por não poder amadurecer e refazer as coisas. Ele morreu por amor, para defender o irmão. Sim, naquele momento ele amou mais o irmão do que a mim. Mas não posso fechar os olhos para isso, ele morreu por amor e pode ser que antes de fechar os olhos, agonizando em seu próprio sangue, ele tenha se arrependido e me pedido perdão. É nisso que eu quero acreditar, porque ele não pode voltar e me explicar, é por isso que eu preciso escolher com qual sentimento ficar.
O que significa ser dia das mães para quem a mãe foi embora? Apenas sofrimento, apenas a certeza de que não foi amado. É tudo uma grande bobagem. Eu queria ter recordações boas o suficiente para vibrar com este dia, mas não as tenho e seria muito falso qualquer manifestação convencional. Eu quero mais do que nunca me livrar destas convenções e ser fiel aos meus sentimentos. Passei por cima de todos eles a vida toda sempre para agradar alguém, na esperança de ser amada. E me sobrou quem? Minha irmã, minha amada irmã, que me ama do jeito que eu sou, que sempre está ao meu lado, que não me cobra, não me condena, não me abandona. Eu morreria por ela como meu pai morreu por seu irmão.
Minha mãe nunca viu em nós seus filhos a continuidade da vida de meu pai, nunca fomos o suficiente para que ela lutasse por nós. Para que visse em nossos olhos os olhos de nosso pai e conosco caminhasse, e nos abraçasse constantemente no desejo de abraçá-lo em nós. Que nos beijasse no desejo de beijá-lo em nós, que conversasse conosco no desejo de ouvi-lo em nós. Ela desenvolveu uma dinâmica que nos estimulou a tratá-la com agressividade, exatamente como ele a tratava algumas vezes. Foi dessa forma que ela o continuou em nós, para continuar vítima, para continuar uma dinâmica maldita que começou com ele.
Por que? Por que merecemos viver nesta dinâmica por tanto tempo? Nós pagamos pelos pecados de nosso pai. Fomos destituídos de um lar, nos separaram, confundiram nossas cabeças e nos puseram uns contra os outros. Por que? Por que nunca fomos dignos de um amor tranquilo, por que nunca fomos escolhidos e nos disseram em nossos olhos o quanto nos amavam?
Após tantos anos não posso acreditar que ela o amava. Quem ama deixa o outro ir quando não está feliz. Foi o que fizemos com ela. Nunca estava feliz ao nosso lado, sempre triste. Nossa presença nunca lhe dava prazer algum. Nossas vozes altas lhe incomodavam, então brigávamos uns com os outros para se calarem e nossas brigas a incomodavam ainda mais. Daí passamos a nos odiar, porque um culpava o outro de fazer a mãe sofrer mais do que ela já sofria. Nos perdemos. Hoje não somos mais irmãos, somos inimigos mortais.
Não vou destrinchar anos de abandono, solidão e rejeição que vivi, nem culpá-la por minhas péssimas escolhas na vida, porque hoje sou consciente de que posso mudar e decidir pelo que é melhor para mim. Só não posso mais me violentar por não dar a ela o que não aprendi com ela porque toda a sociedade diz que devemos amar as nossas mães. Não posso mais me martirizar porque não lhe dou afeto ou mais atenção. Eu mereço ser feliz e desejo que ela também seja, mas como ela me ensinou a fazer, que tanto ela como eu sejamos felizes por conta própria.