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Gosto de compartilhar pensamentos e vivências, porque ao retirá-los de mim posso enxergá-los melhor.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Minha flor

             Há dois anos descobri uma flor em meu jardim. Ela já estava ali a mais tempo, porém somente a percebi há pouco. Passei a me sentir como o Pequeno Príncipe e até o reli para encontrar-me nas entrelinhas de sua história. Assim como El Principito amava a sua rosa eu amo minha flor. Sua presença é tão cativante que não consigo deixar de olhá-la quando ando pelo jardim. Sagradamente, todas as manhãs, para que meu dia inicie bem preciso vê-la, sentir seu aroma.

             Esta flor bastante rara e que ainda permanece em botão propiciou-me um lento e saboroso desabrochar. Sim, eu que ainda não conhecia algumas partes de mim mesma, alguns sentimentos tão fraternamente maternais, descobri-me admirando-a, como numa espécie de reflexo do vir-a-ser. Não sei se me explico, mas é que as palavras não cabem, não dão conta.

            Pudera eu dizer que voltei a viver o passado que não tive. A adolescência feminina que não expressei. A essência mulher que deixara arquivada para um-dia-quem-sabe. Sorrir à toa, falar sozinha, emocionar-me com uma música ou um filme, ler várias vezes a mesma mensagem, olhar por minutos a fio uma fotografia, desejar abraçar e beijar a todos que encontrar. Estes são apenas alguns sintomas de seu efeito sobre mim.  

            Como o Pequeno Príncipe via sua rosa, a vejo também, tão forte e tão frágil ao mesmo tempo, à mesma hora, na mesma cena. Como se fosse duas. Esta dualidade típica da flor no ponto de desabrochar, me provoca a ser mais, a ampliar-me, a mover-me, a expandir-me. Meus horizontes cresceram, olho-me no espelho e me vejo, me reconheço e me interpreto. Ao vê-la aprendi e me ver de uma maneira nova, autêntica e sem medos ou receios.

           Está quase na hora de eu viajar e conhecer outros mundos. Terei que deixar minha flor em nosso planeta-jardim. Meu coração se amedronta, porque será a primeira vez que nos separaremos tão demoradamente. A deixarei por encargo de si mesma, sei que é forte o bastante para sobreviver aos ventos e tempestades desta época. Sei também que cultivará as lembranças das nossas manhãs. Mas não posso deixar de sentir, pois foi exatamente o que ela me fez: abriu o baú onde repousavam os meus mais nobres sentimentos.

         

          


segunda-feira, 18 de junho de 2012

A morte chegou de mansinho

              Pela primeira vez em quarenta anos quero agradecer à morte por sua leveza para comigo, por seu carinho. Pela primeira vez a recebo pacificamente, sem revoltas, sem perguntas, sem querer saber o que fizera eu para merecer tantas perdas brutas. Pela primeira vez deixo ir alguém que de forma tão especial marcou minha vida: minha bisavó.

              Partilhávamos o mesmo dia de aniversário e sempre tive uma ponta de orgulho por ser sua primeira bisneta, de tantas outras e outros. Sempre que posso conto sua história de haver tido por sogra uma escrava, a quem devo minhas canelas finas, minha bunda grande, meu fascínio pelos atabaques e, meu anseio por liberdade e justiça.

             Partilhávamos o sonho de morar no interior. Sem pensar duas vezes eu teria ido com ela. Quantas vezes dormimos na mesma cama e ela me contou histórias de saci-pererê, acreditava piamente nestas coisas. O gosto do seu feijão, o sonho, a maneira como segurava meu rosto e me beijava e que, hoje, timidamente tento reproduzir com os jovens que me cercam, porque esta é para mim sua maior referência: como beijar um jovem o mais maternal e amorosamente possível, sempre olhando em seus olhos. Não tenho seus lindos olhos claros, mas tento ter a sua mesma intensidade.

           Foram 101 anos! Muitos devem ter sido os seus pecados, mas engraçado, por mais que eu os soubesse, nunca alteraram meus sentimentos e minhas lembranças. Não que eu fosse uma bisneta presente, principalmente nos últimos anos. Não sei se devo me arrepender de não tê-la visitado neste último aniversário. Seria fácil jogar a culpa nos compromissos, na falta de tempo, mas a verdade é que eu tinha medo. Medo de que ela não me reconhecesse, mas, principalmente, medo dela me reconhecer e sorrir largamente e segurar meu rosto e beijá-lo várias vezes como sempre fazia. Eu me sentiria pequena demais, inútil demais...

          Siga em paz vó. E por favor, junte-se a todos os outros e outras que olham por mim. Ainda hoje, eu disse a uma garotinha muito especial que nossa única certeza é a de que vamos morrer. Eu gostaria muito de ter mais uma certeza: a de que um dia voltaremos a nos encontrar.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O sonho

        Outro dia tive um sonho. No imaginário popular sonhos são revelações divinas, o meio pelo qual Deus se comunica. Sendo eu tão exigentemente racional, não levei a questão para este viés, mas não posso negar que tenha sido um tanto revelador.

         Sonhei que era um feto dentro de um grande ventre e que me movia livremente, nadava naquela bolsa d´agua quente e aconchegante. Dormia quando queria, acordava quando achava por bem, me alimentava e me sentia confortável. De repente, sem que eu me desse conta, senti algo me puxar. Não era uma força qualquer, era forte e por mais que eu lutasse contra, não podia resistir. Um clarão ofuscou meus olhos e eu acordei. Era a luz do radio relógio me avisando que havia terminado meu tempo de descanso.

         Como sou lenta para levantar, coloquei uma mão sobre os olhos para acender a luz. Estiquei a outra para trás buscando o interruptor que, todas as manhãs, insiste em se esconder detrás da cabeceira da cama. Finalmente acendi a luz. Virei-me de lado, desliguei o radio relógio, que gritava alguma desgraça alheia e retirei os cobertores de cima de meu corpo ainda cansado; sentei-me na cama admirando as portas fora de prumo de meu guarda-roupa e lembrei-me de que havia sonhado algo. Não sabia exatamente o quê, mas havia sido um sonho um tanto estranho.

        Calcei os chinelos velhos e macios e quando buscava forças para impulsionar meu corpo para a saída final, ao deslocar o olhar, os vi sentados aos pés da cama, uma criança e um ancião. A paz e o amor que emanavam de seus olhos eram tanta que não tive medo e nem qualquer tipo de reação. Sentia-me como se os conhecesse de outra vida, como se fizessem parte de minha família, como se sempre estivessem ali.

        Ficamos assim, olhando-nos. Eles a mim e eu a eles. Esbocei um sorriso, daqueles que misturam alegria contida com admiração. Ambos com seus sorrisos largos levantaram-se, estenderam-me a mão e disseram: "Estamos aqui para te ensinar  a andar". Levantei-me quase como num gesto reflexivo e tentei dar um passo, foi então que compreendi: havia nascido de novo.

       

         

sexta-feira, 8 de junho de 2012

O vagalume

           Realmente acho engraçado quando minha avó pergunta indignada: "Por que os bichos falavam no tempo em que Deus andava pela terra e agora não falam mais?" Sinceramente nunca sei o que dizer. Apenas a olho fixamente tentando decifrar o que se passa em sua mente.

          De certa forma também acredito que os animais falem, não com voz humana, mas com a voz da metáfora que só o ouvido do coração pode escutar.

         Estava eu sentada em meu sofá próximo à janela quando percebi uma luzinha verde piscar. Um vagalume! Há quanto tempo não via um. Pensava até que havia desaparecido da natureza. O vagalume tem o poder de provocar nossos sentidos, pois nos seduz para nos aproximarmos e assim que nos achegamos, ele pisca em outro lugar, motivando-nos a mudar de direção.

          Decidi que o pegaria, simplesmente para vê-lo piscar entre meus dedos, não o machucaria. Então uma verdadeira maratona deu início. Primeiro tive que sair de minha zona de conforto, meu querido sofá. Sair para o quintal onde estava mais frio e andar cuidadosamente sem perder o foco da luzinha verde.

          Como estava escuro precisava redobrar a atenção, mesmo conhecendo o terreno, na escuridão as coisas ficam misteriosamente desconhecidas. Aproximei-me e abaixei, via-o piscar entre as orquídeas que agora estavam abertas e que pela correria do dia a dia não havia percebido. Estiquei vagarosamente minhas mãos em forma de concha e quando pensava estar próxima o suficiente, ele apagou, deixando-me desorientada. Olhei ao redor e o vi piscar em outro lugar.

         "Danadinho" - pensei. Vou até você. Levantei-me, executei alguns malabarismos para não escorregar na grama molhada pelo sereno da noite e com os olhos fixos naquela fascinante luz, retomei minha caçada. Desta vez o vagalume estava próximo  ao pé de maracujá, aliás, havia me esquecido de tê-lo plantado. Como estava vistoso e grandinho. Agora pegaria o danado. Estiquei as mãos vagarosamente e quando quase o alcançava, apagou, voltando a piscar mais ao longe. Assim passei, quem sabe, uma hora ou mais. Até que me rendi.

        Sentei-me e finalmente pude ouvir a sua voz enquanto piscava quase a meu lado. Dizia-me que luzes, sem importar a quantidade ou a intensidade, mesmo a de um vagalume, nos indicam caminhos, rotas novas. Obrigam-nos a ver mesmo sob a escuridão mais densa. Assim são algumas pessoas em nossas vidas. Não precisam ser candeeiros e nem holofotes, bastam ser um vagalume para nos retirar de nossa zona de conforto e nos revelar lugares e experiências novas.  

        

terça-feira, 5 de junho de 2012

Matrix

       Há tempos em que são tantas as palavras que perpassam nossa mente que nem sabemos exatamente quais expressá-las. É como o momento do estado de choque. Como quando algo está em movimento extremo, e a sensação que temos é de que está parado. Assim estou eu.

       Sem que eu esperasse, desejasse ou intuísse, o vendaval chegou. Assim como o sopro do lobo mau sobre a casa dos três porquinhos, o vento do mar soprou sobre mim, impiedosamente. Tentou novamente arrancar meu chão, ou melhor, o meu teto. Avaliou-me, mediu-me, julgou-me e condenou-me a iniciar esta nova fase da minha vida sob o jugo das histórias antigas, do passado amargo e sem perspectiva.

      Tentou vestir-me com as antigas vestes, do medo, da insegurança, do abandono, da culpa e da responsabilidade alheia. Tentou deixar-me sem teto, sem chão, sem eira, nem beira. Como o advogado do diabo, tentou confundir meus sentidos, meu discernimento e meu coração. Provocou e invocou a fera que existe em mim, pelo simples prazer de me ver sofrer para me controlar e manipular.

      Eu ri e chorei ao mesmo tempo, numa convulsão de sensações e iluminação. Sim! Finalmente havia compreendido, finalmente havia enxergado o que não tinha coragem de ver, o que teimava em não aceitar. Eu pude compreender sem rodeios, sem floreios. Assim como alguém arranca de uma vez a casca da ferida que precisa ser limpa; assim como quem puxa um esparadrapo largo de sobre seus pelos; assim como quem sai na luz após viver nas trevas.

      Minha vida se passou diante dos meus olhos como um raio e vi várias pessoas com a mesma face, a face do vento do mar. Apontando o dedo para mim e me condenando por existir, por não desistir, por teimar em não enlouquecer. Eram dedos que giravam ao meu redor, palavras que se transformavam em punhal e vinham em minha direção.

      Lembrei-me de minha amiga artista, que acredita que todos nós vivemos num mundo Matrix e cada um está num universo paralelo. Senti algo me puxar pelas costas como se quisesse sugar-me. Como se de agora em diante eu pertencesse a outro mundo.