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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

18. Quem entrará com o vaso?



Elisabete e Paulo Afonso chegaram juntos à sala de espera. João Pedro estava inquieto, roendo as unhas. As crianças ansiosas querendo saber quando terminaria o exame. Ao verem os dois chegando logo perguntaram:

- Acabou o exame? Podemos ver o vovô?   

- E aí Afonso, como está o papai? – perguntou Pedro.

- Vamos dar uma volta Pedro.

Impetuosamente Carolina se colocou à frente do tio e exigiu:

- Tio, você não respondeu. Como está o vovô? Já podemos entrar?

Paulo Afonso com os olhos ainda vermelhos não conseguiu mentir à sobrinha. Segurou-a pelos braços enquanto todos olhavam em silêncio. Tomou fôlego e finalmente esclareceu aos sobrinhos a verdade:

- Carol, acontece que o vovô Antônio está dormindo profundamente.

- Ele morreu?! – questionou aflita.

- Não. Ele não morreu. Não sabemos direito porque, mas ele adormeceu, está em coma. Num sono profundo e nós não sabemos quando vai acordar.

Tiago, André e Vanessa acompanhavam atentamente a explicação do tio. Cada um sentiu dentro de si uma coisa estranha. Tiago ficou perplexo, como se de uma ora para outra sua cabeça ficasse vazia, seu corpo mole, sem controle dos movimentos. André sentiu um frio na barriga, uma pontada na cabeça, um medo terrível de não sei o quê. Vanessa sentou no sofá, colocou as mãos no rosto e começou a chorar convulsivamente. Elisabete abraçou-a enquanto Pedro passava as mãos pela cabeça sem saber direito o que fazer. Carolina fez um gesto como se estivesse engolindo todos os sentimentos que surgiram de repente.

A esta altura o vaso com Cenotita e Cenorramaria estava esquecido, quando Carolina, num gesto de profundo amor, pegou-o e disse:

- Se meu avô está num sono profundo, ele vai acordar. E, quando ele acordar verá perto de si o que sempre gostou. Aquilo que lhe deu tanta alegria. Podemos deixar o vaso no quarto?

- Pode Carol – respondeu Elisabete. – O doutor Aloísio permitiu. Só que você não pode entrar no quarto, tem que ser um dos adultos.

Vanessa parou de chorar, levantou-se do sofá, foi ao encontro da prima, pediu o vaso e voltando-se para o pai pediu:

- Papai, leva o vaso para o vovô. Diz pra ele que nós estamos esperando que ele acorde logo. Ele ainda tem que me ensinar a colocar minhoca no anzol.

Pedro olhava a filha com olhos arregalados. Procurou ajuda no olhar dos irmãos. Viu-se diante de si mesmo, diante da mais pura realidade, enfrentar de frente o pai agora inconsciente, sem ter a certeza de estar sendo compreendido. Pegou o vaso, olhou-o como se estivesse pedindo ajuda. Cenotita e Cenorramaria sentiram a angústia de Pedro, também estavam aflitas. Dirigiu-se ao quarto e por sorte, o doutor já havia avisado a enfermeira que não impediu a entrada de Pedro.

Entrou, avistou o pai e num relance se lembrou da mãe sendo velada. Apertou o vaso contra o peito e como se estivesse em câmera lenta foi se aproximando. Seus olhos buscavam algum movimento no corpo do pai estendido sobre a cama. Uma fresta de sol parecia querer chegar ao rosto do enfermo. Tubos, máquinas, ..., o que estaria ele sentindo? Onde estaria sua consciência agora? Num outro mundo? Ali mesmo? Por que não acordava?

Quando deu por si estava perto o bastante para ver o rosto pálido e envelhecido daquele homem que tantas vezes fora ofendido por seu jeito simples de ser. Quantas vezes desejou ter um pai de terno e gravata e não um caipira de galocha e chapéu de palha. Quantas vezes impediu que suas namoradas conhecem o pai feio, sem modos galantes, que falava errado. Quantas vezes desejou crescer logo para sair daquela casa cheia de enxadas, bichos e mal arrumada.

Se pelo menos tivesse a certeza de que o pai o ouvia, seria este o momento de pedir perdão. Seria este o momento para dizer que nenhum lugar no mundo é tão quente de calor quanto a velha casa de Céu Azul. Que nenhuma mulher faz um café tão cheiroso quanto aquele passado às 4h00 da madrugada pelas mãos cheias de calos do velho pai. Nenhum colo é tão macio quanto o do ultrapassado pai. Ah, se pelo menos ele o estivesse ouvindo.

Sem perceber Pedro falava baixinho tudo o que estava pensando. Cenotita e Cenorramaria ouviam-no e emocionadas choravam. Em seus coraçõezinhos elas refletiam, por que as pessoas só criam coragem para serem elas mesmas diante de uma situação muito grave? Por que não falam sempre o que sentem e pensam?  Por que elas têm tanto medo de serem criticadas, ridicularizadas? Por que passam a vida toda escondendo os sentimentos mais belos? Quantas pessoas morrem sem um dia terem dito ao outro o quanto o amava. Os humanos são estranhos mesmo.

Pedro não sabia direito como ficar. Sentava, ficava em pé. Como era difícil ficar olhando aquele corpo com vida apenas aparente. Quantas vezes teve o ímpeto, a vontade de abraçar aquele corpo, mas por insegurança, por medo de rejeição, não o fez. Quantas vezes abriu a boca para pedir àquele corpo um beijo, um chamego, e não pediu, por medo de rirem de sua necessidade. E se Antônio morresse? Levaria para o túmulo o calor que Pedro tanto precisava. Ah, Deus, ele daria tudo para que o pai voltasse.

Quando deu por si estava ao lado da cama, olhando para o rosto do pai. Quantas semelhanças os dois possuíam: o nariz, a boca com lábios grossos, a falha das sobrancelhas. Como é infinitamente maravilhoso perceber que se é uma parte do outro. Um é parte do outro e todos somos parte de Deus. Como pôde viver tanto tempo sob seu próprio cabresto? Como pode temer ser rejeitado afetivamente. Se o pai o rejeitasse, estaria rejeitando a uma parte de si mesmo.

Pedro embriagado por seus sentimentos nem percebeu que falava em voz sussurrada tudo o que se passava por sua cabeça.

Como com Paulo Afonso, a enfermeira veio e pediu para que saísse. O paciente deveria ficar só. Precisava ser avaliado e medicado. Pedro balançando a cabeça em sinal afirmativo quando saiu do quarto.

(Continua...)

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