Eu era cheia de certezas. Articulava bem as palavras e convencia todos à minha volta. Até convenci minha mãe de que eu deveria sair de casa. O que ninguém sabia é que eu tinha um medo enorme e milhares de dúvidas que eu teimava em esconder, como se ao sabê-las as pessoas me admirassem menos. É, admirassem, pois amada eu não me sentia.
Saí de casa com a cara e a falsa coragem. Precisaria um livro para narrar todos os sufocos que vivi. Todos os traumas que acumulei e, principalmente, todas as decepções que vivi. Um particularmente me corroía até ontem a noite. Os traumas precisam ter data para serem superados, senão eles vivem por nós.
Um belo dia fui designada a uma missão assustadora. Eu, pelo fato de saber dirigir recebi a terrível missão de buscar uma aspirante em sua casa. Aspirante era o nome dado às meninas que aspiravam entrar na vida religiosa. Eu deveria recolher suas malas e retirá-la do seio de sua família. Recordo-me que o local não era distante, mas a intensidade do ato parecia de outro mundo.
Não me lembro se disse algo - naquela época eu tinha medo até de falar - mas me lembro muito bem das expressões de sofrimento nos gritos de sua mãe que se lançava implorando que não se fosse. Até ontem vivi com a certeza de que eu era a pior das pessoas, a mais covarde, incapaz de dizer àquela menina: "Não vá. É tudo ilusão. Uma mentira. Você será mal tratada. Elas te sorrirão e como sereias cantarão docemente até que possam te levar para a região mais profunda e obscura do fundo do mar". Mas eu não podia. Vivia como se estivesse hipnotizada, pelo medo, pela certeza de que eu era fraca por isto fracassava tanto. Na certeza de que minha fé era pequena, por isto passava por tantas provocações. E num profundo gesto de covardia coloquei suas malas no carro e a levei, creio que sem dizer uma única palavra.
Quantos anos se passaram? Creio que uns vinte. Vinte longos anos de remorso arquivado, guardado na memória e que vez por outra saltava diante de mim e ria assustadoramente, me fazendo sentir-me pequena e acuada.
Como creio que os traumas têm data para acabar. Este ano a vida me deu de presente um reencontro, breve mas profundo. E eu pude ver a menina meiga, inteligente e educada que sequestrei, transformada numa grande mulher. Que na plenitude de sua vida fez escolhas e as assumiu. Sempre admirei sua inteligência, mas nada conhecia de seus sentimentos. Por isto a dúvida sobre como ela se sentira naquele dia, pairou sobre minha cabeça estes longos anos. E, como um presente, um mimo da vida, na noite de ontem ela me respondeu e me mostrou o lado da história que eu não conhecia; os seus sentimentos mais secretos, as suas dificuldades e angústias.
Não que as coisas tenham mudado dentro de mim como num passe de mágica, mas sei que agora elas mudarão. Pois o galho morto que pesava sobre o tronco foi podado. Posso dizer que me vi em muitas das suas angústias e é por isto que sei que as superará e encontrará respostas para todas. Passei a admirá-la ainda mais e se antes eu não tive a coragem de pedir-lhe desculpas, o faço agora, porque a única certeza que tenho hoje é de que o medo só pode ser positivo enquanto nos proteger do perigo, do contrário, deverá ser enfrentado antes que nos aprisione.
Não me lembro se disse algo - naquela época eu tinha medo até de falar - mas me lembro muito bem das expressões de sofrimento nos gritos de sua mãe que se lançava implorando que não se fosse. Até ontem vivi com a certeza de que eu era a pior das pessoas, a mais covarde, incapaz de dizer àquela menina: "Não vá. É tudo ilusão. Uma mentira. Você será mal tratada. Elas te sorrirão e como sereias cantarão docemente até que possam te levar para a região mais profunda e obscura do fundo do mar". Mas eu não podia. Vivia como se estivesse hipnotizada, pelo medo, pela certeza de que eu era fraca por isto fracassava tanto. Na certeza de que minha fé era pequena, por isto passava por tantas provocações. E num profundo gesto de covardia coloquei suas malas no carro e a levei, creio que sem dizer uma única palavra.
Quantos anos se passaram? Creio que uns vinte. Vinte longos anos de remorso arquivado, guardado na memória e que vez por outra saltava diante de mim e ria assustadoramente, me fazendo sentir-me pequena e acuada.
Como creio que os traumas têm data para acabar. Este ano a vida me deu de presente um reencontro, breve mas profundo. E eu pude ver a menina meiga, inteligente e educada que sequestrei, transformada numa grande mulher. Que na plenitude de sua vida fez escolhas e as assumiu. Sempre admirei sua inteligência, mas nada conhecia de seus sentimentos. Por isto a dúvida sobre como ela se sentira naquele dia, pairou sobre minha cabeça estes longos anos. E, como um presente, um mimo da vida, na noite de ontem ela me respondeu e me mostrou o lado da história que eu não conhecia; os seus sentimentos mais secretos, as suas dificuldades e angústias.
Não que as coisas tenham mudado dentro de mim como num passe de mágica, mas sei que agora elas mudarão. Pois o galho morto que pesava sobre o tronco foi podado. Posso dizer que me vi em muitas das suas angústias e é por isto que sei que as superará e encontrará respostas para todas. Passei a admirá-la ainda mais e se antes eu não tive a coragem de pedir-lhe desculpas, o faço agora, porque a única certeza que tenho hoje é de que o medo só pode ser positivo enquanto nos proteger do perigo, do contrário, deverá ser enfrentado antes que nos aprisione.
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