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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A hora e a vez

        Estava louca por um banho. Meu suor se havia misturado com o cheiro da terra e dos cachorros. Enquanto me preparava para deleitar-me em meu grandioso chuveiro, me veio à mente um curso que fiz em outro momento de minha vida, mais ou menos parecido a este. Eu estava buscando minha identidade e correndo atrás de realizar alguns sonhos da adolescência, após sair do convento - isso mesmo - eu já vivi num convento, mas isto é outra história. Enfim, estava eu em busca de viver o que não havia vivido e me matriculei num curso de formação de ator, com a atriz Marlene Fortuna como professora. E por uma semana me vi mergulhada na disciplina de Apolo e no bacanal de Dionísio.
 
        Na verdade eu queria fazer curso de teatro e este me introduziria. O que me recordei exatamente hoje, foi o momento em que ela nos mostrou seu álbum fotográfico com recortes de jornais e revistas das peças de sua carreira. Uma das peças me chamou a atenção, foi A hora e a vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Fora a que ela contracenou com o falecido ator Raul Cortez, interpretando a Mãe Quitéria. Ela nos contou que fora uma peça conflitante, pois o ator em questão gostava de ter toda a luz sobre si, e que sua personagem era de difícil interpretação, além do fato de ter que permanecer numa posição desconfortável no palco, inclusive alterar sua cor de pele e tom de voz. Então, para não perdê-la entre uma semana e outra de apresentação, ela não lavava o figurino, de modo que, ao vesti-lo sentia seu cheiro e a "incorporava".
 
        Acho que me recordei disto por perceber que voltei a incorporar a "jardineira", bastando apenas colocar minhas velhas roupas e meu boné preto do Hopi Hari. Tudo aquilo que estava adormecido há meses voltou e, aos poucos - bem aos poucos - tenho voltado a ter prazer em cuidar de meu jardim, que agora não é só meu, mas que pude constatar que ainda tem o meu tom, o meu toque e quizá o meu cheiro.   
 
        E é sobre isto que tenho pensado, sobre os diversos personagens que já incorporei, sobre os que realmente me identifiquei e que me deram alegrias e, sobre aqueles que me torturaram, por exigirem de mim mais do que eu podia dar, mesmo sem nunca ter feito aulas de teatro. E sobre quais papéis quero assumir e viver daqui em diante, das faces de mim mesma que desejo descobrir e revelar. Das muitas que fui e ainda desejo ser, pois minha essência é movimento, mudança e aprendizagem.
 
 
 
(Cinco minutos de A hora e a vez de Augusto Matraga)
 
 
 
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Bendita la luz

 
        Hoje não tenho forças para escrever, minhas ideias são muitas, mas meu ânimo está abatido e diante de Deus estou com os joelhos dobrados, rogando-lhe que tudo seja para o nosso bem. Amém.

Meu cão-menino

        "Por que o Lui está assim?", "Assim como?" - perguntei. "Arredio". "Porque ele está triste e ressentido". Lui é o meu cachorro, o meu primeiro cachorro, aquele que eu pude decidir sozinha tê-lo e assumi-lo. Costumo dizer que nós nos salvamos do abandono. Desde pequeno ele se acostumou a ficar alegre com a minha chegada, a brincar de morder a minha mão, a subir no meu colo quando eu me sentava pelo quintal, a se deixar coçá-lo todo, receber massagem e me lamber como gesto de carinho mútuo. Mas desde que minha irmã veio morar aqui e trouxe seus dois cachorros, as coisas mudaram.
 
        No começo ele ainda ocupou seu espaço, mas aos poucos foi se excluindo. Quando chego do trabalho ele tenta vir ao meu encontro e para no meio do caminho, me olha nos olhos e depois volta para onde estava. Não sai mais atrás de mim pelo quintal e fica o tempo todo sozinho dentro da casinha, numa espécie de depressão.
 
        Minha outra cachorra, a Luna, ficou nervosa no começo, mas agora está super ambientada e descobriu um aliado para suas corridas pelo quintal - o Biscrok. A Tchuca é sua submissa e a segue por todos os lados.
 
        Sinto-me triste e culpada pelo estado depressivo do Lui e fico sem saber o que fazer. Hoje tive uma luz no fim do túnel. As pessoas dizem que os cachorros se parecem com os donos. Eu creio que como animais sensíveis e amorosos, eles captam facilmente as energias de seus donos e as canalizam em si mesmos. O Lui tem agido como eu estou agindo.
 
        Amo minha irmã e gosto do meu cunhado, mas desde que eles se mudaram para cá, tenho permanecido mais dentro de casa no meu quarto do que no meu quintal. Muito do meu espaço já não é mais meu e tenho que lutar para que sua personalidade não se imponha sobre mim da mesma maneira que o Biscrok se impôs ao Lui.
 
        Passei a tarde cortando a grama e pensando em como administrar a única questão que ainda me tira o sono e remexe os meus ânimos - o cuidado de uma menina. Ao final da tarde resolvi prender os outros cachorros nos fundos e brincar com o Lui. Tive dificuldades em  levá-lo para frente, ele agora foge de mim com as orelhas baixas. Peguei-o no colo, me sentei e durante quinze minutos fiz massagem em sua cabecinha e costas. Durante os quinze minutos ele tremeu e ficou em pé, rígido.
 
        Aos poucos ele cedeu e quando eu parava ele colocava a cabeça embaixo da minha mão como que pedindo mais. Assim permanecemos como nos tempos de outrora. Então tive a ideia de ver se ele ainda gostava de brincar comigo e joguei um pedaço de vaso de plástico. Ele correu e agarrou-o, fiz que também o queria e tentei pegá-lo, fiz isto várias e várias vezes. Até que ele agarrou o plástico e a minha mão, segurou-nos tão fortemente que agachada comecei a chorar e percebi que meu cachorro estava ali, pronto para me amar novamente. Que seu afastamento era a incerteza de ainda ser amado. A personalidade impositiva e dominadora do Biscroik semeou em seu coração esta dúvida, o afastou de mim e de seu espaço por direito.
 
        Eu chorei como a tempos não chorava e ainda me comove ao escrever. Aos poucos ele soltou o plástico e tentou lamber minhas lágrimas e então eu percebi que ainda estava ali, pronta para ser amada por meu cão-menino.  
 
 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Janeiro

        Janeiro é um mês atípico, quase não me lembro das coisas que faço, o que é injusto pois é quando elaboro meus projetos e estabeleço metas para o ano, nem que seja entrar numa academia. Metade do meu janeiro deste ano se passou numa viagem, que juro ter sido mais viagem espiritual do que física. As pessoas costumam dizer que lá é um lugar mágico e tem energias incas pelo ar, eu não senti nada disso, mas agora, aos poucos, acho que é verdade, porque voltei diferente.
 
        Quando me perguntam: "Você gostou da viagem? É legal lá? Você me recomenda?" Fico sem saber o que dizer, porque a primeira frase que me vem à cabeça é: "Não gostei", mas não digo assim, na lata, começo a explicar sobre a pobreza, a comida, a altitude e, de repente a pergunta insiste: "Mas você gostou ou não?" Se eu disser que não, é como se eu fosse uma ingrata, mal agradecida; se disser que sim, estarei mentindo, o que não consigo fazer direito.
 
        Por mais racional que eu seja, minhas decisões mais importantes foram intuitivas e esta viagem não foi tão planejada, nem era um sonho fazê-la, eu simplesmente comprei a passagem e fui. Claro que consigo dar muitas justificativas lógicas como: vou fazer um curso e me aperfeiçoar, vou conhecer um pouco mais a América Latina e blá blá blá. O real motivo não sabia, digo que não sabia, porque acho que aos poucos estou descobrindo.
 
        Há viagens que não são viagens físicas, são espirituais, são psíquicas. São viagens ao encontro de si mesmo, de enfrentamento de medos, traumas, dramas, enfim, de nossas mazelas mais profundas. E ali me vi diante de muitos dos meus medos: o medo de terras desconhecidas, o medo de passar mal, o medo de me decepcionar, o medo de altura, o medo de perder o avião, o trem, o táxi. Estes elementos todos foram reais, mas podem ser compreendidos também como metáforas.
 
        Não sei se todas as pessoas assumem para si estas leituras de suas vidas e nem sei se isto me faz mais ou menos em relação aos outros, mas sei que não consigo viver sem encontrar sentido nas coisas, sem fazer releituras, sem mudar ou desejar mudar, ser melhor, ser mais feliz e vencer cada dia a mim mesma, aos meus dramas, aos meus traumas e caminhar, passo a passo devolta pra casa.
 
 
 
 
 
 

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Lima - a chegada

        Há três dias cheguei ao Perú e somente hoje começo a me familiarizar. Não sei se estou ficando velha, medrosa ou apenas cansada. Um dia antes da viagem senti tremores de medo, um mal estar, queria desistir; não poderia, muitas economias haviam sido investidas nesta aventura.
 
        Quando o avião pousou em Lima o céu estava cinza e assim permaneceu por dois dias. O táxi me cobrou uma fortuna e passeou comigo em lugares que tive medo. Não que minha realidade não seja também periférica, mas na periferia alheia somos desconhecidos. Pensei sobre o que eu estaria fazendo ali. Claro que a desculpa do curso ajuda, mas eu provavelmente não aprenderia muito mais do que já sabia.
 
        Finalmente chegamos à Miraflores, um bom bairro, bem organizado, arborizado e tranquilo. Uma senhora com rosto indígena me recebeu, me dice tão rapidamente seu nome que sou incapaz de recordá-lo. Logo queria saber de onde eu vinha e quando lhe respondi que era de São Paulo - Brasil, suspirou fundo e disse: "Ainda bem, pensei que você fosse chilena, você tem jeito de chilena". Peruanos e chilenos se tratam como brasileiros e argentinos.
 
        Ela me mostrou todos os cômodos da casa e me deixou em meu quarto, um espaçoso quarto com duas camas, um guarda-roupa e duas mesinhas. Eu ficaria sozinha, logo pensei na aluna que não pôde me acompanhar, ela me teria feito companhia.
 
        Eu precisava comer e nem imaginava por onde começar a procurar por um restaurante. Como era domingo a rua estava deserta. Saí caminhando e cheguei a uma avenida onde pensei ter um restaurante, mas só havia comércio. Perguntei a um rapaz onde eu poderia encontrar um supermercado e ele me respondeu que eu teria que ir de ônibus. Andar de ônibus em Lima é arriscar a vida. São microônibus que eles chamam de "combi" tão antigos que não sei definir o ano. Nunca fui à Índia, mas pelos filmes que já vi, posso dizer que o trânsito aqui é como lá. Quase não há regras e o uso excessivo da buzina é enlouquecedor. Os carros são amassados e velhos, na maioria.
 
        Enfim, o rapaz me indicou um mercado umas duas quadras adiante. Fui e tive a sensação de estar no meu bairro. Era um local muito pobre e o mercado ao ar livre vendia desde comida, frutas, material de limpeza até roupas. Vi um prato de talharim com um molho verde, parecia muito apetitoso e o preço dava para o meu bolso. Tive medo, pensei que seria perigoso para meu estômago, mas eu estava com fome, havia levantado às três horas da manhã e ainda tinha o fuso horário de três horas de diferença. Arrisquei e pedi um prato de talharim com molho de espinafre e um bife.
 
        A quantidade era tanta que eu o  comeria por dois dias. Sem levantar a cabeça para os lados e rezando interiormente para que nada me fizesse mal, passei a comer demoradamente. De repente uma mão chegou próximo ao meu rosto. Era um senhor com apenas um braço que me servia um suco, certamente incluso no menú. Uma água amarela e rala que havia saído de um balde de roupa sem tampa de encima de uma cadeira. Quase entrei em pânico, eu não conseguia beber aquela água. Antigamente eu dizia ter estômago forte, mas a natureza me provou o contrário. Dei alguns pequenos goles, pois me lembrei que me haviam explicado que os peruanos se ofendem quando colocam comida no prato e você não come tudo. Talvez isto não sirva para estabelecimentos comerciais, mas eu não queria arriscar ser mal tratada no primeiro dia e naquele lugar. Comi tudo, mas não bebi todo o suco.
 
        Levantei-me e decidi andar bastante para fazer digestão. Comprei frutas, leite, bolacha, água e voltei para casa. Deitei por uma hora, coloquei uma roupa mais fresca e decidi ir até a frente da escola para saber onde ficava, assim não correria o risco de chegar atrasada no dia seguinte, ou ficar estressada. Com o mapa na mão coloquei-me a caminho e após trinta minutos encontrei a escola que me acolheria por duas semanas.
  

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Dois anos

        Dois anos sem ela. Dois anos em que definitivamente ela fechou os olhos e foi ao encontro de seus pais, irmãos, esposo e filhos. Deixou-nos quinze dias após o acidente vascular cerebral, que acontecera exatamente no aniversário de morte de seu esposo. São 365 dias no ano para acontecer algo assim. Será uma coincidência? Será um tipo de comunicação? Não sei, mas sei que coisas assim mexem com a gente.
 
        Minha querida avó, referência da minha vida. Símbolo de luta, de fé, de dedicação. Creio na ressurreição, assim como você cria. Creio que você tem hoje um corpo novo, cósmico e ilimitado, quem sabe mais jovem, assim como te vejo nas fotos que trouxera da Ilha. Sempre com um sorriso maroto no rosto, por pior que fosse a situação, por mais dores que você tivesse.
 
        Engraçado vó, não me lembro de que você tivesse dores no corpo ou doenças, mesmo depois de tão velhinha, com as perninhas arcadas pelo tempo. Mas quantas foram as dores de tua alma! Não sei se eu aguentaria. Nenhuma blasfêmia, nenhuma revolta, só um suspiro profundo e lágrimas discretas. Como você conseguia? De onde você está ensina-me. Um novo ano se inicia e eu preciso aprender a ser mais forte e a ter mais fé.
 
        Vou passear novamente, vó. E eu queria muito te contar isso. Fico imaginando aquele teu sorriso me escutando como se fosse o maior acontecimento. Sinto aquele beijo estalado e ouço teu tão sincero: "Vai com Deus". Eu vou, vó. E depois, mesmo sabendo que agora você irá comigo seja onde for, eu voltarei para te contar.