Estava louca por um banho. Meu suor se havia misturado com o cheiro da terra e dos cachorros. Enquanto me preparava para deleitar-me em meu grandioso chuveiro, me veio à mente um curso que fiz em outro momento de minha vida, mais ou menos parecido a este. Eu estava buscando minha identidade e correndo atrás de realizar alguns sonhos da adolescência, após sair do convento - isso mesmo - eu já vivi num convento, mas isto é outra história. Enfim, estava eu em busca de viver o que não havia vivido e me matriculei num curso de formação de ator, com a atriz Marlene Fortuna como professora. E por uma semana me vi mergulhada na disciplina de Apolo e no bacanal de Dionísio.
Na verdade eu queria fazer curso de teatro e este me introduziria. O que me recordei exatamente hoje, foi o momento em que ela nos mostrou seu álbum fotográfico com recortes de jornais e revistas das peças de sua carreira. Uma das peças me chamou a atenção, foi A hora e a vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa. Fora a que ela contracenou com o falecido ator Raul Cortez, interpretando a Mãe Quitéria. Ela nos contou que fora uma peça conflitante, pois o ator em questão gostava de ter toda a luz sobre si, e que sua personagem era de difícil interpretação, além do fato de ter que permanecer numa posição desconfortável no palco, inclusive alterar sua cor de pele e tom de voz. Então, para não perdê-la entre uma semana e outra de apresentação, ela não lavava o figurino, de modo que, ao vesti-lo sentia seu cheiro e a "incorporava".
Acho que me recordei disto por perceber que voltei a incorporar a "jardineira", bastando apenas colocar minhas velhas roupas e meu boné preto do Hopi Hari. Tudo aquilo que estava adormecido há meses voltou e, aos poucos - bem aos poucos - tenho voltado a ter prazer em cuidar de meu jardim, que agora não é só meu, mas que pude constatar que ainda tem o meu tom, o meu toque e quizá o meu cheiro.
E é sobre isto que tenho pensado, sobre os diversos personagens que já incorporei, sobre os que realmente me identifiquei e que me deram alegrias e, sobre aqueles que me torturaram, por exigirem de mim mais do que eu podia dar, mesmo sem nunca ter feito aulas de teatro. E sobre quais papéis quero assumir e viver daqui em diante, das faces de mim mesma que desejo descobrir e revelar. Das muitas que fui e ainda desejo ser, pois minha essência é movimento, mudança e aprendizagem.
(Cinco minutos de A hora e a vez de Augusto Matraga)
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