De
repente ocorreu-lhe que deveria fazer para si um casaco de lã, porque o inverno
se aproximava e neste ano ele seria rigoroso. Não sabia tricotear, apenas
acreditava que aprenderia facilmente, já que há tempos observava as tricoteadeiras.
Tentara começar só, mas alguém lhe explicara que tricotear era algo a ser feito
em conjunto. Sendo assim havia a necessidade da presença de uma tricoteadeira-experiente
para ensiná-la. Providenciou seu novelo azul celeste. Cheia de planos e
vislumbrando o casaco de lã que a protegeria das intempéries invernais, pôs-se
a aprender junto à sua mestra e às outras alunas.
Tinham cada qual seu novelo num único cesto, de
modo que, se a linha de alguém por algum motivo se rompesse, correria o risco
de perdê-lo em meio a tantos outros. Havia uma grande diversidade de cores no
cesto e eram muitos os pontos ensinados. Cada qual havia lançado seu novelo ao
cesto e agora apenas se preocupava em tricotear seu próprio ponto em seu
próprio casaco.
Na
noite em que os casacos estavam pela metade, um gato apareceu e de mansinho começou
a roçar-se nas pernas das tricoteadeiras. Brincou com o cesto, misturou as lãs
e dormiu tranquilamente. Como estavam tão concentradas na execução de seus
milhares de pontos e sentindo-se afagadas pelo felino, mal o perceberam no
cesto. Na manhã seguinte as tricoteadeiras ao se depararem com o cesto remexido
e suas lãs misturadas, puseram-se a esbravejar uma contra outra:
-
Este casaco não é o meu, o ponto que faço é mais largo!
-
Eu tricoteio pontos falsos, este é definido demais!
-
Eu nunca faria um casaco desta cor!
A
tricoteadeira-experiente chegou bem no auge da discussão. Abalada por ver seu trabalho
de ensinar ameaçado e pela possibilidade dos casacos não estarem prontos até a
chegada do inverno, enfureceu-se tanto que acabou ferindo-se nos olhos com as
agulhas. Impossibilitada de ver as coisas como elas realmente eram deixou-se
guiar pelas vozes para descobrir de quem fora a autoria de tamanha desordem.
Como haviam gostado do roçar do gato em suas pernas, nem sequer passou-lhes
pela cabeça que havia sido ele. Então alguém se lembrou de que faltava uma
tricoteadeira, alguém que não estava no momento da discussão e, como não estava
presente para se explicar, resolveram acusá-la. De imediato a tricoteadeira-experiente,
que não podia ver, mas que confiava em sua audição acatou a ideia. Seria mais
conveniente que encontrassem logo um culpado e justificassem o feito para que
voltasse a harmonia e tudo continuasse a ser como era antes.
Redistribuíram
como puderam seus casacos e separaram o mais incompleto deles para a acusada.
Afinal de contas ela não poderia reclamar o seu já que não estava presente para
identificá-lo.
Ao
chegar, a acusada percebeu o feito e sem poder argumentar, simplesmente recolheu
o casaco incompleto e passou a tricoteá-lo. Mantinha-se absorta em sua tarefa e
nas poucas vezes que parava para descansar, via em outras mãos o que havia sido
seu casaco. Percebia a dificuldade da tricoteadeira em continuá-lo, abaixava
sua cabeça e logo voltava aos seus pontos.
Na
última noite do outono todas deveriam desfilar seus casacos para a
tricoteadeira-mestra que ainda não voltara a enxergar. Uma das alunas estava
encarregada de narrar-lhe os fatos. Começaram então a desfilar e o que se via
eram casacos apertados ou largos demais, compridos ou curtos demais, coloridos
ou sem cores. Muitos eram os sons de espanto e interrogações. Até que entrou a
última tricoteadeira, a que lhe restara o casaco incompleto, e um silêncio
pairou.
-
Por que este silêncio? – perguntou a mestra.
-
Temos um casaco perfeito, senhora.
-
E de quem é? Fale-me para que eu possa felicitá-la.
O
silêncio de antes se tornara constrangedor, até que alguém disse:
-
É o casaco da tricoteadeira acusada.
Tateando,
a mestra aproximou-se e perguntou:
-
Como você conseguiu tal feito, minha querida?
Olhando
a todas de modo tranquilo e radiante, respondeu:
-
O meu casaco não era apenas um casaco, era o meu sonho. O sonho de não passar
frio, sonho de construir algo que me protegesse. Ele existiu primeiro em meu
coração e minha mente. Quando vocês me acusaram e me entregaram um casaco
incompleto, retiraram de mim algo que eu já havia construído, mas não retiraram
o meu sonho, a minha esperança. Entregar-me um casaco incompleto não foi um
mal, mas uma bênção naquela situação, pois eu pude continuar o meu sonho,
aquilo que ainda estava em minha mente e meu coração. Vocês não conseguiram
terminar seus casacos porque roubaram umas das outras àquilo que já estava
avançado, quase concluído. Vocês somente pensaram em suas próprias vantagens e
não conseguiram tornar realidade seus sonhos, tentaram adaptá-los ao que tinham
em mãos, não tiveram a coragem de desmanchar e começar novamente. E então os
olhos da tricoteadeira-mestra voltaram a enxergar.
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