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terça-feira, 10 de abril de 2012

Minhas aulas de espiritualidade



Estava eu ajoelhada no gramado, retirando as tiriricas que nascem em meio à grama e outros matos quando uma pessoa passou e me disse: “É por isto que eu não tenho um gramado, dá muito trabalho. Nem pensar em ficar ajoelhada por horas retirando mato com a mão; depois chove e cresce tudo de novo. Prefiro deixar tudo crescer e jogar veneno”.

Sem parar de trabalhar respondi: “Eu gosto de fazer isto, para mim não é trabalhoso, eu só sinto não ter mais tempo. E se eu jogar veneno no mato apenas terei um terreno limpo e infértil”. O que ouvi como resposta foi: “Ah, eu é que não vou ter todo este trabalho”.

Eu não sabia ao certo porque me sentia bem fazendo um trabalho tão absurdo aos olhos de outros, e sem que eu buscasse, uma lembrança voltou à minha mente naquele momento.

“Há dois anos tínhamos aulas de espiritualidade no convento dos frades franciscanos capuchinhos. Levantávamos, fazíamos nossas orações, algumas atividades domésticas e como duas ovelhas que já conheciam o caminho do curral, silenciosas, íamos de uma cidade à outra para aprender sobre espiritualidade com Frei H. Chegávamos um pouco antes do almoço que era servido religiosamente ao meio-dia. Trocávamos algumas palavras sem importância com a cozinheira, uma senhora alegre e falante. Sentávamo-nos à mesa, nos lugares reservados às visitas e após uma breve e triste oração começávamos a comer.

A comida era sempre abundante e as conversas quase monólogos. Eu não sabia muito bem o que conversar com pessoas santas e temia dizer algo inadequado. Quase sempre quem falava era frei H. Com quase 80 anos, ainda usava hábito franciscano, cabelos e barba brancos, sua aparência era a de um bom velhinho. Mas suas conversas eram quase sempre lamentos. Lamento da infância perdida, da ausência e saudade dos pais que o internaram num convento por serem muito pobres, da faculdade de medicina que nunca cursara... O alimento quase sempre me descia pesado e amargo, por mais saboroso que estivesse. Por que nunca saíra do convento? Por que nunca deixara de usar aquele hábito? Que triste era chegar a tal ponto da vida e lamentar o que vivera. Seria comigo também assim?

Tudo deveria acontecer dentro do horário, então ao meio-dia e meia nos levantávamos e frei H. se retirava para a siesta, numa sala que não podíamos entrar e que mais tarde descobri que havia uma televisão e sua siesta, consistia em assistir ao programa Chaves, um programa mexicano transmitido durante muitos anos na televisão brasileira. No qual o personagem principal é um menino de rua que vive num barril no meio de um cortiço. Talvez frei H. se visse naquele menino de calças curtas e suspensório.

Como visitas educadas que éramos nós enxugávamos e guardávamos a louça, e a uma em ponto nos dirigíamos à sala de estudos. Era um lugar lúgubre, com uma mesa de madeira de lei, cristaleiras, livros e num canto um arcanjo também de madeira sempre me olhando com uma lança na mão. Sentávamo-nos sempre no mesmo lugar e então frei H. abria um livro que não me recordo o nome e começava um interrogatório que eu nunca sabia como explicar. Queria ele saber como vivíamos, como nos relacionávamos na fraternidade, como resolvíamos nossos conflitos e etc. Sempre respondíamos da melhor maneira possível, com a visão de duas jovens de 19 anos, cheias de sonhos e fantasias sobre fazer o bem ao próximo, viver como irmãos, amar a Deus sobre todas as coisas etc e tal. Ouvia-nos com um sorriso no canto da boca e então nos dizia: “Isto não existe. Não há comunidades perfeitas”. O que para mim era tentador comentar, ou pelo menos questionar, mas o medo de revelar-me incrédula e descrente me calava. O medo de parecer mais frágil do que minha colega me calava. E o medo das consequências me emudecia.

Passava-se então uma hora e meia de palavras e explicações às quais não me recordo nem sequer uma frase. Éramos convidadas a tomar um café com rosquinhas e podíamos dar uma volta pelo quintal. E foi numa destas voltas que vi frei B., tão velho quanto frei H., mas sem hábito, agachado diante de uma horta, com uma lata ao seu lado. Pacientemente ele retirava uma por uma das tiriricas e às lançava na lata. Como eu nunca sabia o que dizer, apenas olhava quando minha colega comentou: “Que trabalheira frei B., retirar uma por uma das tiriricas”. E sem parar de trabalhar respondeu: “Não faz sentido ter uma horta e deixar as tiriricas. É preciso cavar fundo e retirar até a última batatinha, jogar na lata e colocar fogo. Se você não fizer assim, elas crescem de tal maneira que você nunca mais consegue se livrar delas, precisará desfazer a horta e começar tudo novamente”. Eu me perguntei se valia a pena todo aquele trabalho só por umas verduras, afinal de contas as tiriricas sempre voltariam”.

Hoje eu entendo que vale a pena todo este trabalho só para ter um gramado e uma flor no meu jardim.


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