Cheguei em casa decidida a encontrar o meu caderno vermelho. Sim eu queria reler a minha adolescência. O caderno vermelho era onde eu registrava meus sentimentos. Coisas de 20, 25 anos atrás. Procurei, procurei e quando já começava a angustiar-me o encontrei. Sentei com as pernas dobradas na cama e folheei as dezenas de páginas amarelas. Não tive paciência para ler tudo, algumas coisas ali já não me diziam respeito. Mas encontrei algo que me fez rir e pensar em por que eu não escrevera mais assim. É a descrição de uma destes dias em que temos prova e deixamos para estudar de última hora...
DESAFIO
"Hoje tenho prova de química, vou sair mais cedo e estudar no ônibus, afinal são quarenta minutos de viagem. Cá estou. O ônibus parou. Calma, calma todos vão subir. Ai! não empurra, será que me sobrará um lugar no cantinho? Não senta aí moça, pensei comigo. Ufa! Sentei.
Como sempre, rotineiramente, o motorista faz seu caminho. Pá! Xii...Rom-Rom... . Passageiros: ficaremos por aqui, o ônibus quebrou. Eu mal saí de minha vila. Nem sequer peguei o caderno; e agora? Vou chegar atrasada e o pior: não estudei.
Lá vem o outro ônibus lotado. Pára e logo o aglomerado se forma. Todos querendo subir ao mesmo tempo. Pareço uma barata tonta, mas e a prova? Eu tinha que confiar no estudo de última hora, que merda. Ai, pera aí! Como está apertado! Fiquei com dó das sardinhas, como aguentam ficar tão apertadas? Ai meu pé! Eu não abria a boca, somente pensava com uma vontade louca de gritar e sair correndo. Um homem gordo se esfregava em mim. Por que você não se encosta em sua santa mãe? Sai, desencosta! Não aperta.
Um banco é desocupado. Empurrões, atropelos, sentaram... E eu aqui em pé, me apertando nesses ferros do banco. Uma curva, não sei onde seguro. Vai tombar, vou morrer, ai... Passou.
Triimmm....
Alguém quer descer, mas como? A porta de entrada está bloqueada. Fecha a porta de trás. Desesperadamente grita a cobradora.
Gentilmente o rapaz segura a minha bolsa. Que alívio! Ela estava tão pesada. Mas que horas são? Tenho prova de química, a matéria é pouca, mas não estudei. Como sou burra!!! Homem, pelo amor de Deus saia de cima de mim. Quero respirar. Um macaco! Não! Espere! Não quero respirar um macaco, mas eu vi um macaco. Na casa a minha frente em plena avenida Dom Pedro I. Ah, prova de química...
Droga! Já são seis horas e cinquenta minutos no relógio da padaria e ainda estou a vinte minutos de meu objetivo.
O ônibus está esvaziando aos poucos, mas não me livro do aperto. É nessas horas que eu queria ter um carro; um excort ou um santana... um fusquinha serviria. Dona Maria deixa eu passar, por favor? Vou descer no próximo. Motorista espera um pouco. Seu idiota olha onde pisa. Sai da frente que eu vou passar. Cobradora cadê o meu troco? Quer que eu segure sua bolsa? Não obrigada, já vou descer. Vai direto motorista, já está cheio. Sai da porta moleque...
Vou enlouquecer. Cheguei. Que alívio; nem sequer olhei para trás. Peguei o caderno enquanto subia a escada. Puxa vida. Eu deveria ter estudado. A porta está fechada, será que o professor já entrou? Lentamente abri a porta. Caramba! Que bom! Ele ainda não veio. Sentei-me logo e já estava diante de meu desafio".
(07/11/1989)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Quer compartilhar tua opinião?