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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cinco anos

        Dia 17 deste mês eu conversava ao telefone com uma amiga muito querida que não vejo há alguns meses e ela me pedia alguns conselhos amorosos. Isto me angustia deveras, já que no quesito relacionamentos fui dramaticamente reprovada. Até os primeiros vinte minutos da conversa tudo fluía bem, quando de repente, olhando para o canto da tela do computador, me dei conta de que completava cinco anos de divorciada. Por uns instantes perdi o fio da conversa.
        Após algumas elucubrações minha amiga decidiu que eu era melhor conselheira que sua psicóloga, agradeceu-me e desligou toda feliz, ficando eu com as minhas mazelas dançando ao redor de mim. Sentada em minha poltrona giratória senti também o chão girar. Cinco anos se passaram e onde eu estive todo este tempo?
        Recordei-me do pavor que vivi na época, da ansiedade, da angústia, do desespero que me levava a olhar-me no espelho e não enxergar nada além de uma sombra. Eu não tinha identidade. Pela segunda vez eu não tinha identidade. Já havia passado por aquilo na juventude, mas agora era diferente. Era o fracasso acumulado, o segundo título de ex. Primeiro era ex-freira agora ex-esposa. Significava que eu fora e não era mais. Eu era o não-ser.
        Nesta época tornei minha casa meu casulo. Morando sozinha numa casa antiga e destruída iniciei meu processo de reconstrução. Era preciso estar só para encontrar-me já que me havia diluído no marido e na vida exemplar de mulher casada e fiel. Sozinha eu seria obrigada a conviver comigo mesma, me enxergar, me ouvir. E quantas foram as vezes que me ouvi chorar até dormir de cansaço. Quantas vezes me ouvi gritar sobre qual havia sido o meu erro. Quantas vezes me ouvi rir desesperadamente como se tivesse enlouquecido.
        Tudo ao meu redor adquiriu sentido simbólico. A casa e suas infiltrações, rachaduras, bolores, móveis velhos, quintal cheio de mato e nenhuma flor. Passei a reformar a casa ao mesmo tempo que reformava meu psiquismo. Iniciei o cultivo de um jardim para reeducar meus sentimentos. Aos poucos uma nova realidade foi tomando forma, e não faltaram desafios, os quais dariam outra história. Mas criei o hábito de imaginar como as coisas seriam depois de prontas. Coisas comuns, como poder comer num restaurante todos os dias, ter um carro, amar alguém.
        Lutei contra a maldita voz que com o dedo em riste me acusada de ter perdido tempo na vida, e me neguei a pensar que já não pudesse mais realizar meus sonhos. Eu queria meu espírito de volta, aquele da adolescência que me havia levado a buscar a felicidade. Eu queria sentir novamente, mas tinha medo e não sabia como.
        Depois das flores vieram os cachorros. Relutei ao máximo, não queria amar novamente. Sentia-me incapaz de amar. E mesmo com o Lui - meu primeiro cachorro - em casa, eu me sentia estranha. "Por que o trouxera" - me perguntei várias vezes. Hoje eu o amo tanto que chego a sentir dor no peito quando o vejo. Temos mais do que um vínculo de dona e cão, temos um pacto de vida. Nós nos salvamos do abandono.
        Mas os seres humanos ainda estavam longe do meu coração. Mesmo trabalhando diretamente com centenas deles, eu não os queria próximos ao meus sentimentos. Introduzi-me num grupo social interessante, o qual me respeitava e eu tinha com quem sair algumas vezes no ano. Porém, o afeto estava trancado e havia uma terrível formalidade em minhas atitudes. Apesar de desejar o contrário.
        Consegui manter firme minha barreira até que uma criaturinha morena, a mais frágil que se possa imaginar, minou as minhas defesas. Vi-me absurdamente envolta nos confusos sentimentos adolescentes que não me dei o direito de expressar na hora adequada. Quando menos percebi ela já estava instalada em meio aos meus conflitos, sempre mirando-me com ternura e uma intensidade que chega a doer. Ela é a minha menina interior. É como se Deus, por misericórdia de mim, tivesse feito sua alma com alguns elementos curativos da minha para que em algum momento nos encontrássemos.
        Toda a sua ternura derramada em mim como um bálsamo, aos poucos me tem acalmado e, por causa desta calma outros passaram a se sentir bem em minha companhia. E o amor romance que eu havia descartado e temia aconteceu. Porque Deus também pensou neste detalhe e colocou em minha vida alguém capaz de me ajudar a curar as feridas da mulher.
        Estive aí estes cinco anos. Nessa reconstrução e reforma constantes. Ora aparece uma rachadura aqui e concerto, ora aparece ali e remendo. A casa continua antiga, mas adquiriu um espírito jovem e acolhedor.
        Sinto-me mais feliz, porém mais frágil do que antes. Choro por saber que nos separaremos fisicamente em breve e não saber o que fazer com esta nova sensação. Assim como os adolescentes que se formam e se separam dos amigos, sinto-me eu. Uma adolescente prestes a se formar, mas a diferença é que a minha formatura será a formatura do afeto. Quem sabe no próximo ano eu consiga entrar na faculdade e me tornar uma especialista. Tive, sem dúvidas, uma excelente professora que será sempre a minha referência.  

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