Quem sou eu

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Gosto de compartilhar pensamentos e vivências, porque ao retirá-los de mim posso enxergá-los melhor.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O afeto

        Desde ontem tenho minhas emoções à flor da pele, uma intensa vontade de chorar, de sentir aquela água quente libertadora escorrer pela face, mas algo não permite. Será que não me deixo mais afetar? Será que endureci e deixei de ter sentimentos? Após uma intensa sessão que girou em torno de minha dificuldade em aceitar um abraço prolongado, perguntei à minha terapeuta - sim porque todos os sentimentais devem ter terapeutas:
        - Será que eu tenho conserto? - ri desesperadamente.
        Ela em sua postura clinicamente correta, afirmou:
        - Tem sim, mas vou ter que te dar uma lição de casa.
        - Pode dizer - disse quase implorando.
        Ela me ditou uma tarefa simples que me reservo o direito de não contar, pois precisamos ter alguns segredos. Não que a tarefa seja tão complicada, chega a ser ridiculamente simples, mas para quem tem dificuldades afetivas, se torna um grande desafio.
        Afeto é uma das minhas dificuldades e ao mesmo tempo o que mais desejo, mais do que dinheiro, fama, sucesso, sexo, marido, carro do ano e joias. Porque o afeto é o mais puro dos sentimentos, é o sentimento dos anjos. O afeto é o toque sem malícia, sem interesse. É o toque que não retira nada do outro, mas entrega. Não invade, acolhe. Não estimula, acalma. Afeto é o sentimento dos cúmplices. Porque pode-se manifestá-lo somente pelo olhar, por um simples toque de dedo ou num abraço demorado.
        Alguns casais se tocam o tempo todo, mas não manifestam afeto, apenas desejam consumir um ao outro. Buscam cavar emoções em prazer próprio. Sugam o outro para sentirem fortes emoções, mas não se entregam.
        Sempre acreditei no afeto desta maneira e movi minhas atitudes para vivê-lo. Até que a vida obrigou-me a guardá-lo para que eu pudesse sobreviver e conduzir-me. Autopreservação pela sobrevivência básica. Queria manter minha razão, pois com ela poderia conduzir minha própria vida e, quem sabe um dia, abrir as portas que havia trancado.
        A porta está velha, a fechadura enferrujada e a quantidade de teias de aranha é enorme. Quem se atreveria a abri-las? Cheguei a pensar que nunca conseguiria, já que os adultos geralmente têm medo de abrir estas portas. Convivem bem com portas trancadas. As crianças não. Elas são curiosas e mesmo com algum friozinho na barriga se arriscam a tentar ver o que tem dentro. E para a minha graça e salvação, a minha criança apareceu, gratuitamente, e aos poucos, pois é uma criança esperta mas prudente, tem me ajudado nesta tarefa.

domingo, 26 de agosto de 2012

O pássaro

        Cheguei em casa esta semana após uma intensa rotina de trabalho, cujo desejo e liberdade do outro influi diretamente na existência ou não de um descanso básico para mim. Abri o portão e logo vi um pássaro - rolhinha - no chão com a cabeça voltada para a parede. Guardei o carro e voltei para fechar o portão. Observei que não se movia, então deduzi que estivesse doente ou morto. Aproximei-me, abaixei-me bem devagar e com movimentos leves consegui segurá-lo nas mãos.

        O pássaro - um forte e belo pássaro - tinha o olho esquerdo machucado e a cabecinha bicada. O fato de não enxergar fez com que não fugisse de mim. Levei-o rapidamente para dentro de casa deixando as portas do carro abertas. Ele mal se movia. Peguei uma seringa e um comprimido de anti-inflamatório. Raspei o comprimido o tanto que pensei ser suficiente para seu tamanho, dilui em água e com a seringa fi-lo beber.

        Preocupava-me se estaria com fome. Pensei em sua dificuldade para encontrar comida com apenas um olho. Levei-o para meu quarto e deixei-o dentro de uma caixa de papelão. Após uma hora pude perceber que seus movimentos estavam melhores. Então, fiz uma espécie de papinha de feijão e com a seringa o alimentei.

        Emprestaram-me uma gaiola. Relutei. Nunca gostei de gaiolas, contudo, pensei em sua dificuldade. Eu poderia alimentá-lo até que aprendesse a comer e beber sozinho, ele me faria companhia e em troca teria uma casa e um grande quintal. Carinhosamente coloquei-o na gaiola, cortei uma fruta macia em fatias e deixei próximo a si na esperança de que aos poucos voltasse a comer.

        Fiquei imaginando o que haveria acontecido. Teria ele ou ela apanhado porque defendia seu ninho? Ou seus filhotes? Nunca saberei, porque os pássaros possuem seu processo pessoal de transformação. Entre viver cego e renascer, a liberdade fala mais alto. Penso que os pássaros têm a certeza de que a morte é apenas uma passagem para um lugar onde não há limitações.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Inferno Astral

        Eu sinceramente pensava que os anjos de guarda estivessem isentos dos sentimentos humanos, mas descobri que não. 
        Estava eu passeando pelos caminhos tortuosos da vida quando reencontrei meu anjo:
        - Por onde você andava - me perguntou com uma das sobrancelhas em pé.
        - Eu estava por ai - respondi sem muitos detalhes.
        - E onde a senhorita pensa que vai agora?
        Vi seus enormes olhos questionarem os meus, num mudo imperativo, e sem saber direito o que dizer, balbuciei:
        - Vou dar uma volta e depois comer alguma coisa.
        - Então vamos e não demore - disse-me contundentemente.
        Não hesitei em obedecer, anjos de guarda devem ser respeitados e obedecidos. Chegamos ao lugar que eu elegera para minha refeição principal, fiz meu pedido e sentei-me. Enquanto esperávamos, meu anjo levantou-se e novamente com aqueles olhos, ordenou:
        - Você nem ouse sair daí.
        Ali permaneci até que voltou e me serviram a comida. Numa destas poucas frases, o anjo me revelou que em uma semana completaria 17000 anos e pouco lhe agradava a ideia de crescer, porque os anjos também crescem e quando crescem recebem outras missões. Naquele momento desejei ser eu, esta simples mortal, o seu anjo para consolá-lo. E foi então que compreendi que anjos também sofrem de inferno astral mesmo vivendo no paraíso.
  

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O Senhor

        Resolvi seriamente ter uma conversa com o Senhor. Passar uma vida inteira tentando observar e compreender os fatos, as vivências, sempre sem nenhuma resposta, sem um face a face, não daria mais. Eu queria uma audiência com o Todo Poderoso.

        - Por favor, o Senhor está?

        - Da parte de quem? Perguntou-me um ancião de óculos na ponta do nariz, enquanto olhava uma prancheta.

        - Da minha mesmo - respondi um pouco secamente.

        - E você quem é? - perguntou mecanicamente, ainda sem levantar os olhos.

        A pergunta irritou-me. Quem era eu? Boa pergunta! Aliás havia quarenta anos que eu me fazia a mesma pergunta. Olhei firmemente aquele ancião mais preocupado com sua prancheta do que em atender aos pobres diabos como eu e respondi quase que grosseiramente:

        - Não sou ninguém, não senhor. Não sou rainha, presidenta, madre superiora...não sou ninguém!

        - Ah! Sim - finalmente resolvera mirar-me - o Senhor está mesmo à sua espera. Venha, me acompanhe.

        O Senhor estava à minha espera?! Que conversa era aquela? Eu acabara de dizer que não era ninguém, e aquele velhinho de orelhas compridas me dizia que o Senhor estava à minha espera. Esperei que se distanciasse uns três passos, até que se virou e disse gesticulando: "Venha, o Senhor está à tua espera mas não tem o dia todo". Instintivamente o segui.

        Caminhamos por um corredor luminoso e sem quaisquer adornos, apenas as cores do reflexo da luz nas paredes e no chão. Eu permanecia intrigada e disposta a correr a qualquer momento. Aquela conversa de que o Senhor me esperava parecia mais conversa de doido. Estaria eu num hospício e não sabia? Aquele velhinho seria apenas um enfermeiro me conduzindo a um quarto solitário onde eu receberia eletrochoques até voltar à plena consciência sobre mim mesma? Claro! Só poderia ser. Eu estava doida varrida e aquele enfermeiro, experiente, não contrariava doidos. Parei novamente e deixei que se distanciasse de mim enquanto pensava num plano de fuga. Ele percebeu minha desistência em acompanhá-lo e voltou-se sorridente:

        - Ah, você prefere esta sala? Pode ser. O Senhor te espera aí mesmo.

        Voltei meus olhos para onde ele apontava e vi logo a minha direita uma porta que antes não havia visto. Sem que eu nada fizesse a porta se abriu e a luz que de ali projetou foi tão forte de mal pude proteger os olhos com as mãos.





       




segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O pão

        Quando viajamos costumamos observar o sabor dos alimentos e o modo como as culturas os manuseiam. Pouco se diferenciam os ingredientes, mas o sabor e a maneira de prepará-los guardam consigo um pouco da identidade de cada povo, cultura ou geração.

        O pão é praticamente um alimento universal. Pelos menos na cultura européia e latino-americana ele está firmemente presente. Seja salgado ou doce, ele ali está. Um pouco mais duro ou mais macio; um pouco menor ou maior; mais claro ou mais escuro, etc, etc, etc. Para os cristãos o pão representa o corpo de Cristo e sua simbologia é altamente sagrada. Para os judeus também, exceto a parte do Cristo. Os povos mais antigos, como os romanos por exemplo, o tinham como principal fonte de alimento.

        Quem já preparou pão sabe que o segredo da sua maciez e crescimento está no fato de sová-lo ao máximo. Sovar significa amassá-lo, golpeá-lo muitas e muitas vezes. O pão que não é sovado e tem crescimento estimulado por elementos químicos se torna um pão oco e esfarelento. É realmente bonito por fora, mas ao cortá-lo ele se desintegra na mão.

        Pensar no pão me ocorreu após ser tão fortemente "sovada" pela vida, seja no sentido metafórico, seja no sentido literal. Não sei se todas as pessoas nascem com vocação para pão, ou precisem ser tão intensamente golpeadas para crescer, mas, vitupérios à parte, creio que este seja meu mais autêntico processo. Se a proporção do crescimento e da maciez estiver correta, logo logo serei muito mais humana, afetuosa e dócil. 

        Sinto uma profunda vontade de não fazer com o outro o que fazem comigo. Não sei se isto me torna mais fraca, mais humana ou mais alienada e submissa. Mas sei que interiormente não quero que ninguém sinta as dores que sinto. Ou passe pelas humilhações que já passei.

        Por outro lado não sei se este sentimento é na verdade um endurecimento emocional, pois não consigo chorar ou apiedar-me, nem revoltar-me contra quem me cuspiu na face, literalmente. É como se fosse um refresco por lutar e defender meus valores mais profundos. Às vezes sinto-me como se eu estivesse numa escola preparatória, para algo que me exigirá uma postura ao mesmo tempo firme e terna.

        Que venham os golpes sovadores, pois como me disse meu anjo de guarda: "Se você o levou foi porque todo o universo acreditou que você aguentaria". Não que meus sentimentos concordem de primeira mão, mas não posso negar que me estimulou à releitura.   


terça-feira, 7 de agosto de 2012

A Acrópole

        Após uma calorosa discussão precisava percorrer o caminho sozinha, no meu ritmo, com o meu olhar. O mapa me ajudava pouco, já que sou analfabeta geográfica. Mas as placas e os grupos de turistas que apareciam de alguma esquina indicavam que eu estava na direção certa.

        Primeiro fui ao Templo de Zeus, ou o que restou dele. Confesso que tenho dificuldades em imaginar como eram as construções a partir de suas ruínas. Contudo, sempre há o fascínio pela exuberância do que restou. Colunas enormes, pedras imensas e o fato de estarem ali há milênios.

        Algumas voltas, um sol de quarenta graus sobre a cabeça com finos cabelos, e algumas dezenas de fotografias. O recurso quando se está sozinha é colocar a máquina no modo instantâneo em algum ponto alto e sair correndo para o foco. Esta estratégia chama a atenção de outros turistas que em seu próprio idioma se oferecem para bater uma foto sua.

        Com o ingresso de todas as atrações que eu nem sabia onde ficavam, segui em direção à Acrópole. Quando a vi no alto, no topo de uma montanha admirei-me mais uma vez da necessidade que os povos antigos tinham de construir suas representações de poder sempre na parte mais alta da cidade.

        Água gelada na bolsa e força nas pernas. A grande maioria são ruínas, indecifráveis ruínas aos olhos de uma amadora arqueológica. Mas o teatro de Dionísio estava ali, bem conservado, inclusive os assentos vips, digamos assim. Busquei um lugar onde não atrapalhasse as fotografias dos outros, o que é quase impossível num lugar destes, e sentei-me. Queria imaginar as pessoas ali, assistindo aos espetáculos e os atores na arena. O sol não me permitiu ficar muito tempo então subi rumo à Ágora.   

       Ao subir tem-se a sensação de extrema pequenez diante das enormes colunas e escadas e ao descer o sentimento é de segurança, imponência e poder. Fiquei imaginando quantas vezes Sócrates havia passado por ali com os jovens atrás dele atraídos por seu método maiêutico de filosofar. Pensei em sua morte, na condenação injusta e em seu discípulo Platão que dedicou a vida a filosofar sobre a educação dos cidadãos. 

        Pensei em minha profissão. Estava eu ali em sua origem, em seu berço ocidental. Certamente Sócrates havia se sentado embaixo daquelas oliveiras para instruir a seus discípulos. Não há nada melhor do que sentar-se ao lado de um aluno, embaixo de uma árvore e dialogar. Quisera eu viver esta realidade todos os dias.

        Do alto da Acrópole vi toda a área que corresponde ao templo de Zeus e me perguntei por que o construíram tão abaixo. Ocorreu-me que deveriam ter uma escala de importância: no topo a política e a educação, um pouco abaixo o teatro e por último a religião. Não que na Acrópole não houvesse templo, mas era dedicado a deusa Atena.

       Quantos professores tive e conheci de filosofia que nunca pisaram ali, sentiram aquele cheiro de oliveira, escutaram o barulho dos pedregulhos sob seus sapatos, sentiram a emoção de sair da ágora e sentir-se grande e poderoso. São apenas ruínas, pedras e aridez, praticamente um cemitério, mas guardam segredos que estão além das fotografias. 

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

A vida é uma viagem

        Não consigo viver sem metáforas. Creio que esta grande sacada dos gregos é incrível, já que não conseguimos falar da realidade em si, precisamos compará-la e exemplificá-la. Viagem é, sob meu ponto de vista, a melhor metáfora para vida. Ora estamos em um lugar, ora em outro. Planejamos, nos organizamos, imaginamos como será o lugar, mas, sempre há os contratempos, as decepções e os fascínios inesperados.

        Há quem tenha medo de viajar sozinho, mero engano, toda viagem é solitária, é individual, assim como a vida. Mesmo que estejamos em grupo ou com mais alguém, nossos olhos observam pontos diferentes. É engraçado ver grupos de pessoas viajando, elas andam na mesma direção, mas olham cada uma para um ponto. Às vezes vemos um braço tentando apontar algo para os outros, mas sempre tem alguém olhando em outra direção.

        Assim é a vida, assim somos nós. Viajantes neste mundo igual e diferente. Cada um olhando para seus próprios pontos. E não creio que estejamos equivocados, não, apenas ampliamos. Neste percurso encontramos pessoas às quais, naquele momento seguem na mesma direção. Então nos aproximamos, nos conhecemos e caminhamos juntas por um tempo, até o próximo cruzamento, até o momento da próxima escolha. São tantos os momentos assim já vividos que às vezes encontro pessoas e nem sei exatamente em qual caminho nos enlaçamos.

        O idioma, a cultura, a idade, o padrão social e a etnia são apenas caracterísiticas externas e circunstanciais, irrelevantes na essência. O que e a quem buscamos são viajantes que compartilhem a estrada por um tempo, que nos conte suas experiências nos lugares que desejamos ir.

        Não há solidão nesta vida-viagem se conseguimos compreender que todos somos viajantes e que tudo o mais é circunstancial.  


sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A culpa move os sentidos

        A culpa é o maior motor das ações humanas, principalmente no que tange à cultura ocidental. Até porque na verdade nada sei da oriental. Mas para os cristãos miseráveis a culpa é o que mais sustenta as ações humanas. Por exemplo, pais que se sentem culpados em relação à educação de seus filhos costumam se submeter a eles, principalmente aqueles que trabalham fora e dispõem de pouco tempo de convívio.

        Pode até parecer simplória esta reflexão, mas para a pessoa que vive sob o julgo da culpa, não é tão simples assim. Até porque se fosse tão simples libertar-se dela, não haveria mais a necessidade de religiões. Foi preciso muitos anos e uma interessante viagem para que eu percebesse que minha culpa em relação à minha irmã tem sido o último dos jugos que me mantêm de cabeça baixa e subestimada.

        Por vários anos me culpei, inconscientemente, pelo abandono fraterno ao qual submeti minha irmã. Seu apego para comigo era muito grande e desde que voltei ela possui uma atitude rude, dominadora e opressora para comigo. Sempre que pode me humilha com frases do cotidiano e me olha com ferocidade pelo canto dos olhos.

        Quando me convidou para viajar com ela, eu sabia que não era porque ela gostasse de sair comigo. Nunca o faz, acima de tudo se está com seus amigos. Sempre teve um certo desconcerto quando eu estou por perto. Como se fosse uma espécie de vergonha camuflada. Eu sabia que seu convite era porque ela não tinha coragem de viajar sozinha e eu seria a mais indicada para acompanhá-la, uma porque poderia pagar a viagem e outra porque poderia tirar férias na época em que ela desejava viajar. Contudo, esta viagem também me seria conveniente e interessante. Aceitei.

        Durante vinte e cinco dias ela ordenou todos os meus passos. Corrigiu desde a minha maneira de subir as escadas rolantes no metrô até minhas posturas nas fotografias. Não consegui rir um único dia. Andava pelos museus como se andasse em brasas, nada admirava, nunca parava para fazer um comentário, fosse de admiração ou decepção. 

        Submeti-me como um cordeiro se submete ao seu pastor, mas isto não lhe foi suficiente. Jogou-me na face todas as preocupações que teve, os meses que levou para preparar a dita viagem. Lançou-me no rosto o fato de eu me apropriar de suas fotografias. De aproveitar-me da sua viagem! Acusou-me de ter perdido sua melissa e de não tomar a frente de nada.

        Por que? Esta submissão só pode ser decorrente de um sentimento doentio de culpa. Tomei decisões infinitamente mais sérias do que sair do lado direito ou esquerdo de um trem. Vivi muito mais dificuldades. Sei que eu sou completamente capaz de fazer esta viagem sozinha. Então, após ser humilhada novamente, eu entendi que aqui, no berço do pensamento ocidental, em Atenas, eu deveria ser racional e tomar definitivamente as rédeas da minha vida e seguir o meu caminho. Encontrei uma igreja cristã ortodoxa e uma bela imagem de Nossa Senhora de Fátima para quem pedi discernimento e orientação. Amanhã farei o mesmo no templo de Zeus.  



quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os banheiros

        Praticamente uma semana para terminar a viagem e eu nem fiz um diário de bordo, é bem provável que me esqueça de muitos detalhes interessantes sobre a história e a arquitetura de todas as belezas do Velho Mundo que vi nestes quase trinta dias de viagem por quatro países e oito cidades. Mas o que certamente não me esquecerei são os banheiros. Sim. Os banheiros são uma história a parte e merece ser contada já que não aparece nas fotografias.

        Comecemos por Barcelona em nossa primeira hospedagem na casa da Teresa. Não, a Teresa não é minha parente e nem amiga, é apenas uma deconhecida que aluga um quarto com cama de casal em sua casa. Cama que tive que compartilhar com a minha irmã num calor de mais de trinta graus.

        Voltando ao banheiro. Na casa da Teresa ele ficava próximo ao quarto. Era um pequeno cubículo sem janela com um espaço para banho que mal cabiam meus pés. Ao redor uma cortina de plástico. Mas o pior é o chuveiro, na verdade não creio que eles conheçam o conceito de chuveiro. Usam uma duchinha que pode ser colocada acima de cabeça. E é claro que eu com tão pouco espaço e habilidade para manusear duchinhas, deixei que ela caisse inundando-o.

        Além da ducha dos diversos banheiros por onde passei, desde os aeroportos, os hostels, as casas e os trens, outro problema são as torneiras e as descargas. Onde ficam? Geralmente elas ficam um pouco acima do vaso sanitário e são apenas um botão, contudo, também encontrei aqueles antigos de cordinhas. E um, acho que no aeroporto de Lisboa, com sensor, você apenas passa a mão na frente dele. Já as torneiras também são diversas, a mais engraçada, sob o meu ponto de vista, foi a do Vaticano, depois de muito procurar percebi que havia uma espécie de pedal, então eu pisei e a água jorrou.

        Em Paris a água do chuveiro era regulada. Havia um botão para apertar e saia água por uns cinco segundos, depois parava. Em Roma mesmo fechando a porta era possível ver a pessoa dentro e as portas dos boxes eram totalmente transparentes. Nem consigo imaginar o que me espera na Grécia, já que ouvi dizer que o saneamento básico deles não é dos melhores. Quanto aos trens me reservo os comentários já que nem todos têm estômago forte para ler e imaginar o que vivi algumas noites.
       
       O fato mais engraçado e absurdo aconteceu em Barcelona. Já estávamos andando há muitas horas quando veio aquela súbita vontade de eliminar os litros de água que bebíamos no calor de trinta e seis graus. Qual o melhor lugar para usar o banheiro quando se está na rua? Isso mesmo, no shopping. Encontramos um que mais parecia uma galeria. Pequeno mas sofisticado. Fomos direto ao banheiro. Primeiro choque: unissex. Homem e mulher no mesmo banheiro público? Hummm. Coisas culturais, melhor não discutir. Segundo choque: os vidros das portas eram transparentes das que estavam abertas e escuros das que estavam fechadas. Tudo bem, coisas da cultura, vamos lá - pensei.

        Estava eu naquela situação aliviadora quando percebi que podia ver tudo o que acontecia do lado de fora, inclusive um homem que lavava as mãos. Achei estranho, mas pensei que as pessoas não pudessem me ver, afinal de contas conhecia vidros assim. De repente minha irmã surge na minha frente e grita meu nome. Eu que já estava praticamente vestida sai do banheiro e ríamos sem parar. Nada mais eu podia fazer senão perceber que outras pessoas também eram vistas, seja por não conseguirem fechar corretamente a porta para ativar os sensores que escurecem o vidro, seja por defeito do vidro. O que sei é que todas às vezes que me lembro do susto que levamos volto a rir.