A luz me incomodou um pouco. "Vai dormir na cama", escutei. "Não", respondi balbuciando. Não era possível, minha cama estava repleta de objetos. Meu quarto estava passando por um processo de transformação. Por sete anos suas paredes permaneceram verdes. Eu precisava mudá-las, meu quarto ainda era o único lugar não alterado desde meu divórcio.
"O quarto é o lugar do afeto", me disse uma vez minha terapeuta. Eu havia reformado todos os cômodos, até o poço, mas meu quarto continuava da mesma maneira. Há meses eu pensava no porquê desta negligência, já que o afeto era o que eu mais precisava mudar. A rotina me havia engolido numa espiral de compromissos de trabalho e meu quarto se transformara num depósito, depósito daquilo que eu deixava para depois. As paredes começaram a reclamar reforma, a cortina já não as ocultava mais.
Chegou o dia, pensei. E foi justamente após o baile. Levantei-me disposta a enfrentar esta mudança, comecei pela área de trabalho e pela parede com buracos, logo abaixo da janela. Descasquei-a sem medo, retirando toda a sujeira e areia solta. Preparei uma massa e com uma colher de pedreiro cobri os buracos. As paredes de meu quarto não são tratadas com massa fina, são rústicas e para os padrões atuais de construção são feias. Mas elas têm história, mais história do que qualquer parede nova.
Não é possível pintá-las com rolo, é preciso usar um pincel, o que demanda mais trabalho e dedicação. Escolhi a cor laranja, eu havia ganhado dois presentes com esta cor, pensei ser a cor do meu momento de vida. Primeiro lixei-as, passei uma demão de branco e depois duas de laranja. Ficou agradável e alegre.
Faltam duas paredes e é preciso mover alguns móveis pesados para pintá-las, por isto é possível ver no mesmo ambiente o novo e o velho. É possível apreciar a transformação. Creio que assim somos nós quando desejamos mudar. É pouco a pouco, movendo tudo o que temos e construimos em nossa alma, reorganizando, atribuindo novos sentidos, reestruturando. Eu não acredito em mudanças radicais, em pessoas que se dizem outra da noite para o dia. A mudança radical só é possível para quem está vazio e não tem nada para mover.
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