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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Crenças

        Eu tinha dezessete anos. Estávamos em quatro amigos e decidimos passear pelo centro da cidade, mais especificamente pela praça ao lado da matriz. Demos umas voltas, compramos sorvetes e nos sentamos para conversar. Uma mulher com aspecto de prostituta se aproximou de mim e pediu um pedaço do meu sorvete, tive um enorme trabalho, mas quebrei um pedaço e coloquei em sua mão.
 
        Logo em seguida um morador de rua se aproximou e pediu um pedaço do meu sorvete e eu dei. Quando eu estava quase acabando, um garoto pedinte se aproximou e pediu um pedaço do meu sorvete, um pouco irritada entreguei com palito e tudo o que me sobrara. Eu estava irritada e confusa, pois meus colegas também chupavam sorvete, mas as três pessoas pediram somente a mim. Eles riam de minha confusão, e este fato contribuiu para as escolhas que fiz para chegar até aqui.
 
        Eu havia saído de uma internação de quase duas semanas por causa de uma pneumonia e chupava aquele sorvete como se fosse a primeira vez. Eu desejei ardentemente aquele sorvete e tive que dividi-lo com três outros desconhecidos. Na época eu buscava um sentido para a minha vida, desejava saber quem eu era e o que seria, por isto, fazia parte de um grupo de jovens da igreja católica. Ali recebia um tipo de orientação vocacional. Interpretei este fato como um chamado de Deus para eu dividir o que tinha de mais precioso com os pobres e necessitados. E o que eu tinha de mais precioso era a minha vida, então sai de casa e fui viver como missionária nos lugares pobres e com pessoas necessitadas.
 
        Hoje percebo que atribui ao sobrenatural o que era natural. Eu estava numa praça onde vários moradores de rua habitavam, e a vontade com que eu chupava o meu sorvete se fez notar, o que lhes despertou desejo. Certamente, pela capacidade de observação que estas pessoas têm, eles souberam que eu seria a mais susceptível, a mais impressionável, portanto, mais fácil de comover-se e doar o sorvete.
 
        Durante muitos anos, usei este fato como prova concreta do chamado de Deus para a vida que eu levava, pois eu tinha medo de dizer que não sabia como Deus chamava as pessoas, e que na verdade, aquela era uma decisão minha, eu queria ser missionária. A fantasia se impunha à razão, já que eu estava num ambiente "sagrado" que mantinha intimidade com o divino.
 
        Este fato estava completamente adormecido e de alguma forma, uma recente discussão o trouxe à tona. Quizá seja para que eu o releia e reafirme, que o ser mais divino se fez ser humano, para que eu não precise negar a minha humanidade e por ela me torne divina. Para que eu não precise buscar no sobrenatural aquilo que está no natural. Mas esta pode ser também uma nova resposta fantasiosa, já que este ser "divino" que se fez homem, fora um homem, natural e comum. É por isto, que vivo em minha solidão religiosa.  Gosto de ouvir as pessoas e suas crenças, apesar de muitas vezes elas pensarem que minha atenção significa também crença. E sofro por não poder compartilhar as minhas sem que o outro pense que quero destruir as suas.  

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