Não é nada bonito dizer que se tratou mal a própria mãe. Somos educados para respeitá-la acima de tudo e amá-la mais que a qualquer pessoa. Nem sempre é assim, e as pessoas não nos contam isto. Descobrimos sozinhos, nos conflitos diários e vivemos intensos dramas de consciência.
Narrar minhas crises filiais não vem ao caso agora, os muitos anos de terapia me ajudam a conviver mais ou menos bem com elas. O que desejo é compartilhar uma das muitas descobertas que faço após terríveis e dolorosas discusões, onde a palavra fere mais do que ferro quente.
Tudo estava como sempre, mas uma frase me arrebatou como a tempos não acontecia: "Nossa, como está sujo detrás desta geladeira". Banal, muito banal. Não, para mim não foi banal. Foi como uma condenação pela minha incapacidade de ser boa em tudo: trabalhar, cuidar da casa, dos cachorros, do jardim, do namorado etc, etc, etc. Ela não limparia para mim, eu sabia; apenas não comentar, ajudaria. Meu estômago doeu na hora e uma avalanche de palavras saiu da minha boca como facas lançadas ao ar. Ela retrucou com palavras que não costumava dizer. Foi vulgar e como sempre fizera falou-me como se eu fosse sua amiga. "Não somos amigas, você não entende? Você é minha mãe e o que você fala tem muito peso pra mim, quando você vai entender isso?" Mães não devem ser amigas de suas filhas. A mãe que age como amiga perde o filho e o deixa à mercê de uma busca desesperada por uma mãe, se deixando seduzir por pessoas de má fé, que observam sua carência.
"Eu não gosto de vir aqui", disse-me nervosa. "Eu também não gosto de ir na tua casa", respondi sinceramente. "Eu te mostro meus artesanatos e você nem os comenta", afirmou. "Eu não gosto dos teus artesanatos, você invade a minha casa e o meu espaço com eles, eu nem posso escolher a toalha de mesa que quero, tudo aqui você fez e impôs. Além do mais eu não entendo de artesanato, não sei o que devo elogiar". Outros temas mais profundos fluiram e tentei consertar a situação, me recordei das instruções de minha terapeuta, avaliei sua capacidade de aprofundar aquela discussão e parei.
Ela voltou para a máquina de costura e eu comecei a passar mal. Um mal estar horrível, era como se alguém houvesse sugado minhas energias, meu corpo pedia para deitar e acordar dali a três dias. Lutei contra este sentimento e foi quando algo ficou claro em minha mente. "Eu não quero discutir mais", disse o mais calmamente possível. "Mas preciso te falar uma coisa. Inconscientemente eu faço com você exatamete o que você sempre fez comigo. Se lembra de quando eu te pedia para você olhar meus cadernos e se interessar pelas coisas que eu estudava? Então, você nunca me elogiou, nunca se interessou por olhar. Hoje eu entendo que você não olhava por vergonha de admitir que não sabia, não entendia das coisas que eu estudava. O mesmo faço eu com teus artesanatos, mas nunca duvidei de tua capacidade, só não entendo das tuas coisas".
Passei o fim de semana todo ao seu lado, cortando panos e costurando. Aprendi algo a mais, mas não posso dizer o mesmo dela.
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