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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A emulsão

        Quando fui à Bienal do Livro em São Paulo neste ano não desejava comprar nada. Das vezes anteriores precisei controlar minha compulsão e mesmo assim sai com sacolas de livros, muitos dos quais nunca cheguei a ler. Desta vez a quantidade de pessoas era absurda e da mesma forma a quantidade de títulos para vender. Um livro me chamou a atenção, apenas um livro que desde então permanece em minha cabeceira divertindo-me e provocando-me nestas noites de insônia e ansiedade.
        Rubem Alves em Ostra feliz não faz pérola abusa de seu direito literário adquirido e escreve sobre tudo. Acabo de ler algo que conta de sua infância e que eu, mesmo sem ter a sua idade, compartilho em partes. Ele conta que sentira saudades de algo ruim que se tornara bom. Explico. Em sua infância havia uma emulsão chamada "óleo de fígado de bacalhau", era uma espécie de fortificante. Um líquido branco e pastoso feito do fígado do bacalhau, de sabor horroroso e cheiro pior ainda. Ele diz que se lembrara de sua mãe dando-lhe uma colher da emulsão com a mão direita e na esquerda a parte de uma laranja para amenizar o cheiro e sabor.
        Do lugar que estou revivi a minha experiência com a emulsão, pois onde hoje é meu quarto, naquela época era nossa cozinha. A lembrança do armário que guardava o vidro comprido com a foto de um homem encurvado carregando um bacalhau do seu tamanho faz-me nausear. A minha cena é a seguinte: na mão direita de minha mãe a colher com o líquido pastoso e fedorento, na mão esquerda o chinelo pronto para atingir-me caso eu me negasse a bebê-lo. O argumento era: você deve beber porque faz bem à saúde.
        Eu não estava doente. Não tinha nenhuma enfermidade. Então para que tomar aquela coisa? Ninguém sabia explicar-me. A resposta era sempre a mesma: porque faz bem à saúde. Creio que tanto a mãe de Rubem Alves e a minha quisessem nosso bem. Mas há uma grande diferença entre as duas. Ao oferecer a laranja ao filho, sua mãe lhe ensinara a não fugir do que não gostasse por pior que lhe parecesse, porque sempre haveria uma maneira de amenizar as coisas. Enquanto a minha me ensinou a engolir o pior sem questionar para não correr o risco de receber algo pior ainda. E o mais irônico: "para o meu bem".  

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