Admira-me a independência que nossos sentimentos têm da nossa razão. Posso ter uma ideia clara em minha mente, um raciocínio lógico-matemático construído perfeitamente e meu corpo dizer e sentir o contrário. As marcas emocionais são eternas e cumulativas. Aprendemos a conviver com elas, as educamos, mas não as apagamos. Às vezes elas retornam para nos avisar que estão ali latentes, a espreita de um espaço para aflorar.
A vida é um jogo. Cada dia é uma partida. Ora se ganha ora se perde. E assim seguimos. Nossos adversários nem sempre seguem as mesmas regras e o juiz nem sempre consegue ver tudo. Enquanto escrevo veio-me à mente a única imagem interativa que tive com meu avô paterno: uma partida de dama aos sete anos. Ele mal falava, pois havia sofrido dois derrames. Como eu não o compreendia e tinha medo de sua severidade, nunca conversamos, exceto esta vez em que ele me convidou para uma partida de dama. Era um tabuleiro pequeno de papel, mas foi o jogo da minha vida. Ele ganhou todas as partidas. Sorria por me ganhar. Quando terminamos não me senti frustrada, eu o admirei. Meu avô era o melhor jogador de dama do mundo - pensei. Eu não havia conseguido ganhar nenhuma vez.
Esta experiência me fez pensar que eu precisaria aprender muito para chegar a ser igual a meu avô. No fundo esta partida norteou a minha postura no jogo da vida. Dali em diante sempre joguei baralho, figurinha, bola, fubeca, peão e até pedrinhas. Se eu perdesse, depois treinava até a exaustão e na próxima vez só entrava para jogar desde que apostássemos tudo o que tínhamos. Algumas vezes ganhei e outras perdi, mas nunca voltei para casa reclamando por ter perdido, uma competição honesta dava gosto perder.
Eu tinha amigos cujos pais quando jogavam os deixavam ganhar, então pensavam que eram os melhores do mundo. Quando de fato jogavam comigo, uma igual, perdiam, o que resultava em choradeira e briga. Não aceitavam a derrota, chamavam um irmão mais velho ou a mãe para brigar com a gente e reaver os seus bens. Acostumados a "ganhar" dos adultos, viam-se soberanos.
Estas pessoas são hoje aquelas que pisam em seus colegas no trabalho. Que sofrem inveja doentia da competência dos mesmos, pois apenas desenvolveram a competitividade. São pessoas que adoram semear a discórdia e causar atritos. Estas pessoas magoam, machucam, pois jogam sujo. Produzem suas próprias regras e manipulam os outros.
Eu agradeço ao meu avô por ter me ensinado uma única lição, mas que servira para toda a minha vida. Agora preciso aprender novas estratégias neste jogo da vida. Estratégias para afinar minha mente ao coração, pois quando descompassam, a minha melodia desafina e adoeço.
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