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sábado, 1 de setembro de 2012

A fúria

        Esperei intensamente pelo fim de semana para que eu pudesse deleitar-me no trabalho duro e suado da jardinagem. Durante a semana fico imaginando as coisas que farei, as plantas de podarei ou mudarei de lugar. Meu trabalho não se resume nisso, às vezes é preciso construir algo, então tenho que usar serrote, martelo, chave de fenda, furadeira etc. Minha força física não é lá essas coisas então demoro mais para realizar algumas tarefas. Tudo isto para depois de toda suja e suada deleitar os meus sentidos.
        Hoje estou particularmente furiosa, uma fúria positiva claro. Levantei-me bem cedo, apesar de ser sábado e fui para a labuta que havia planejado. Comecei pelo lado ainda em sobra, mas logo o sol chegou para derreter o que resta dos meus miolos. Até então sempre considerei os seres vegetais e minerais numa escala inferior à minha, e até os meus cachorros. Acontece que ouvi um diálogo entre duas flores e me dei conta do tão incompleto somos. Vou me explicar. O diálogo foi mais ou menos assim:
        - Olha! Lá vem ela com todo o seu arsenal: avental, luvas, boné e um monte de ferramentas.
        - Coitada, deixa ela ser feliz. Vai trabalhar o dia todo para depois se sentar uns minutinhos e ficar contemplando o que fez, beber algo e acabou. Continuará desejando mais.
        - Se ela soubesse como o Criador a fez talvez sofresse menos.
        - Ah! Mas esta espécie é incapaz de compreender estas coisas.
        - Que pena, não é mesmo? Você se lembra da criação? O Criador foi criando tudo o que existe. Fez os minerais, os vegetais e os animais.
        - Verdade. Eu me lembro de cada elemento químico, cada átomo e gotas de água do mar, o firmamento e as estrelas. Ele estava inspirado.
        - Sim, estava tão inspirado que resolveu abrir um buraco no chão. Jogou lá dentro um pouco de tudo o que havia criado e misturou para ver no que dava. Saíram estes tais de humanos. Tão incompletos. Desejam a plenitude, mas não compreendem que não a alcançarão. Daí desejam cada vez mais, conquistam cada vez mais e continuam sentindo-se incompletos, vazios de algo.
        - Eles não são como nós, plenos. Somos plenamente flor, a pedra é plenamente pedra e o cachorro é plenamente cachorro. Mas os humanos não são plenos, precisam trabalhar-se constantemente para descobrirem sua humanidade.
        - Tenho pena deles.
        - Eu também, mas enquanto eles não compreenderem esta verdade, nos usarão para se sentirem plenos.
        Quando terminaram a conversa, cai sentada atônita, sem palavras. Sai de meu transe com minha cachorra lambendo o meu rosto. Eu sou um pouco do todo. 

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