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Gosto de compartilhar pensamentos e vivências, porque ao retirá-los de mim posso enxergá-los melhor.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O café

        Aprender a trabalhar nossos fracassos é algo constante e diário. Fazemos planos, sonhamos com a situação, elaboramos posturas e de repente tudo se modifica. Alguns sinais nos acompanham, ainda mais para pessoas como eu que deseja vê-los em todos os lugares.
 
        Passei a manhã ansiosa pelo resultado de uma prova, olhando no site a cada quinze minutos. Quando finalmente a resultado saiu, derrubei café nas teclas do computador e meus planos, assim como o café, esparramaram pela mesa. É possível que eu tenha perdido duas coisas: a vaga e o computador. E o que aprender desta situação? Ainda não sei, mas pretendo descobrir. O que me resta é não cair em desânimo e deixar minha autoestima também derramar.
 
        Por outro lado, ao buscar um pano na cozinha para limpar o estrago, recebi um abrazo da pessoa mais brava do recinto, a dona da cozinha. Durante muitos anos lhe agradeci o fato de preparar o café e nos servir no trabalho, ela sempre muito séria, mal respondia. Foram anos semeando, tentando realmente mostrar-lhe que aquele gesto que correspondia ao seu trabalho, era para mim um grande gesto de carinho, já que algo tão singelo me faltara em casa.
 
        Ela lavou o pano e me entregou com ternura. Limpei minha sujeira. E agora luto para limpar este sentimento de fracasso e de não merecimento que me aflige.

domingo, 26 de maio de 2013

Abraços conhecidos

        "Sinto falta de abraços conhecidos", me disse após delicada conversa. Eu podia ver em seus olhos o misto de receios, o medo de perder, seus gritos internos para que eu parasse o carro e lhe abraçasse longamente, esquecesse o tempo e ficasse até que sua sede de afeto fosse saciada. Aos poucos conseguiu falar, não necessariamente como desejava porque nestas horas as palavras não dão conta e passamos a desejar que o outro nos decifre e nos dê o que não temos coragem de pedir. Damos voltas com histórias, metáforas e dicas.
        "Você vai continuar gostando de mim, mesmo daqui a alguns anos?", esta pergunta me pareceu inadequada, eu é quem deveria fazer a pergunta e não a faço por medo da resposta que o tempo se encarregará de trazer. "Você faz parte da minha vida", respondi. E pela primeira vez pude lhe sentir mais leve, mais livre para falar de si, de seus incômodos, de seus questionamentos, sem precisar usar a máscara da perfeição. "Sinto nossa amizade mais concreta", avaliou. Tentei visualizar uma amizade abstrata, havíamos passado por tantas coisas e tudo fora abstrato? Mas depois entendi que se referia ao nosso encontro de almas, ao sagrado que nos unia, e que agora desejava meu profano tão presente entre amigos. As risadas soltas, as palavras livres, o toque natural, o cochicho das fofocas e segredos, a roupa emprestada, as gozações e até quem sabe, as brigas.
        Estamos saindo de patamares diferentes, livrando-nos das escalas hierárquicas que mantínhamos para nos igualar na busca por dias melhores e felizes. Estamos nos permitindo conhecer o mais humano de nós, de nossas fraquezas, de nossos medos, de nossos fantasmas. Por isso, por mais que recebamos afeto, temos uma vontade imensa do abraço conhecido, porque quando nos abraçamos, abraçamos tudo o que já vivemos, tudo o que sabemos de nós, por isto o abraço fica imenso e muito mais do que nossos corpos, abraçamos nossa história.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Silenciosamente

        De repente quem você nunca imaginou, nem sequer esperava se aproxima e diz: "Hoje é teu aniversário, não é?" e te dá um abraço cheio de sinceridade. Com certeza isto já aconteceu com noventa por cento das pessoas. O que não deixa de ser interessante pensar e tentar compreender o que tal atitude representa.
 
       Comemorar, ou marcar, ou lembrar o dia em que nascemos faz parte de nossa cultura. Eu, sinceramente, sempre pensei que o correto seria comemorar o dia de nossa concepção, mas aí já seria pedir demais aos nossos genitores. Saber o momento exato de nosso big bang, do encontro entre o óvulo e o espermatozóide, do momento da fusão, do clímax. Daquele que independe da ação humana, onde tudo acontece sem que ninguém possa intervir. Do momento em que o ele e ela deixaram de existir para que surgisse o eu.
 
        O dia de nosso nascimento pouco significa em nossa existência, já que está marcado por diversos fatores externos e vontades alheias. A escolha do hospital, a muita ou pouca experiência dos profissionais, o medo de nossa genitora, a insegurança de nosso genitor. Tudo está absurdamente dependente e nascer se torna um milagre maior do que a concepção. Tudo concorre para nossa morte. Não respeitar o tempo de nosso nascimento, não utilizar os intrumentos corretos etc. Já levei muitos tombos e nunca quebrei nenhum osso, enquanto que em meu parto deslocaram minha clavícula.
 
        Relembrar todos os anos nosso nascimento, em nossa cultura, pode ser algo aterrorizante, já que muitas expectativas são elaboradas. A situação perfeita é desejada envolvendo pessoas que julgamos importantes, necessárias e imprescindíveis em nossas vidas e que nem sempre podem estar conosco. Quando de repente, quem menos esperamos surge com o coração aberto e nos deseja coisas boas. O coração se enche de alegria, porque de alguma forma é como uma pequena amostra do momento de nossa concepção, por estar fora de nosso controle, acontece por uma força externa. E nos sentimos mais amados e passamos a olhar para outros lados e perceber que há outros que de forma tímida nos olham e nos acompanham silenciosamente.
 
 

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Aos 41 que chegam

        "Você teve muita dor de alma", ouvi hoje de minha terapeuta. Dor de alma, dor de alma, dor de alma, dói no corpo, tenho certeza. Mas não são de minhas dores de alma que quero falar hoje, porque "todo cambia". 

        Eu sei que "todo cambia", eu creio que toda dor termina. Eu sei que toda noite cambia em dia e todo dia cambia em noite. Eu sei que toda alegria cambia em pranto e todo pranto em alegria. Eu sei que todo amor cambia em ódio e todo ódio em amor. Eu sei que toda angústia cambia em libertação e toda libertação em angústia. Eu sei que todo cambia, às vezes tudo ao mesmo tempo, às vezes aos poucos, conforme a necessidade de nossa existência. Eu sei que toda vida cambia em morte e a morte em vida. Esquizofrênicos e infelizes os que pensam que a vida é linear. 

       Viva o meu hoje, o meu agora. Viva a fase crucial que passo, passo-a-passo. Viva os quarenta e um anos que se aproximam e que não os sinto, pois ora me sinto com dezessete, ora me sinto com oitenta. É difícil ser consciente de sua própria idade. Chega a ser cômico.

       Viva cada lágrima que derramei assistindo um filme, escutando uma música, brincando com meus cachorros, admirando uma pessoa. Viva cada sorriso que consegui dar naturalmente. Viva cada abraço que dei sem me importar a quem. Viva cada flor que plantei e nasceu. Viva cada lugar que conheci. Viva cada olhar intenso que troquei. 

       Viva a sede de algo mais que habita minha alma, viva cada busca, cada queda, cada encontro e desencontro. Viva meu espaço interno que não cabe no mundo. Viva minha fome de amor que me faz levantar e crer novamente. 

      Que venham os quarenta e um, dois, três...não me importa, pois minha alma é eterna, minha sede infinita e minha fome voraz. Eu posso ter nascido no outono, mas quero morrer na primavera. 


       http://letras.mus.br/mercedes-sosa/961408/

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O carro

        "Avanço, progresso, início de algo novo. Resumidamente a carta simboliza a vitória, a direção, controle, esforço, confiança, caminho. Na caminhada espiritual este Arcano representa o momento em que o viajante passou pela encruzilhada, tomou um rumo firme e está determinado a cumprir mais etapas evolutivas", disse-me a vidente. 

       É exatamente assim que eu me sinto, passando por uma encruzilhada, tendo que escolher percorrer um caminho, que ironicamente ainda não foi trilhado. Eu tentei trilhar o caminho das atitudes e posturas que me tornassem uma pessoa aceitável. "Você tem medo de ser rejeitada?", perguntou-me o doutor. E as lágrimas correram por meu rosto. 

        Eu sou feliz com o meu caráter, não o mudaria, mas mudaria a minha maneira de me expressar, me permitiria errar mais, me permitiria testar mais, me permitiria ser ridícula. Eu queria me despir e correr nu pela rua. Foi isso o que ele fez. Disse-me seu nome, seus sonhos, suas dores e desesperos e se despiu diante de meus olhos. Eu vi seu corpo, seus músculos bem definidos, suas linhas e formas bem delineadas, seu rosto doce, sua voz macia. E o que ele vê? Sua rejeição. Ele foi meu espelho, ele me mostrou como eu me sinto, como eu me vejo. 

        Eu vejo minha rejeição, mas ainda não sei se pelo que sou, ou pelo que pareço ser aos seus olhos. Creio que ela não tenha a dimensão do mal que me fez, por isto a perdoo. Eu desejo mais do que perdoá-la, eu desejo que ela saia de diante dos meus olhos, desejo que ela não me faça me sentir fazendo a coisa errada. Seus olhos são mais invasivos do que os olhos de Deus. Ela está em todos os lugares dizendo: "Não toque, é feio, não mande beijos, não diga eu te amo, não termine uma carta enviando abraços, você só tem o direito de amar a mim". E eu tenho uma vontade desesperadora de dizer, de gritar EU TE AMO! Tenho um desejo desesperado de abraçar, de olhar nos olhos, de colocar no colo, de mimar o outro. 

        Eu me sinto um animal castrado. Eu nasci intensa e fértil, mas ela me castrou porque não sabia como lidar com esta intensidade. Então eu me refugiei no único lugar onde eu poderia ser livre: o pensamento. Passei a viver um universo paralelo, nos meus sonhos e devaneios eu podia conversar, abraçar e amar a quem eu quisesse. E fui ficando cada vez mais só, vivendo no abismo entre o meu real e o meu imaginário. Mas o abismo não é lugar para se viver. 

        Não sei se a minha castração é definitiva ou temporária, mas sei que quero e vou sair deste lugar horrível e desolador que ela me colocou e que eu aceitei, só porque ela é minha mãe. "Você terá que ser a tua mãe e o teu pai", disse-me o doutor. Ainda não sei exatamente como fazer isso, mas vou descobrir, aos poucos, sem pressa, sem cobranças, sem desesperos, no ritmo dos batimentos do meu coração quando está tranquilo. 

       Sinto que comecei a me despir, sinto que alguém não me rejeitará ao conhecer minha nudez, alguém de coração puro que a vida colocou em meu caminho e, depois dela, outros virão, porque eu já não terei mais vergonha, e a minha áurea mudará de cor e, mesmo os que não creem, como eu, se sentirão atraídos pela intensidade das minhas cores e não terão medo de se aproximar, porque se sentirão acolhidos e não terão medo de mostrar-se. Eu não serei uma ameaça, por não saber quem eu sou.



 

domingo, 19 de maio de 2013

Conversa com o meu Anjo

Meu Anjo,

        Vamos conversar, pois eu gostaria de te explicar algumas coisas sobre ontem, o dia que você me apresentou o "Além" e o "Aquém".

        Modéstia à parte eu já conhecia o "Além", por algum tempo tivemos um caso amoroso, e digo mais, de minha parte uma paixão. Eu me entreguei de corpo e alma a ele, mas a sua superioridade, o seu jeito arrogante de ser, brincou com os meus sentimentos e quando eu já havia me transformado num farrapo humano, ele me jogou fora. O "Além" é exigente demais, tem um discurso encantador, mas nos faz sentirmo-nos como se nunca tivéssemos feito mais nada do que nossa obrigação. E aos poucos torna nosso caminho pesado demais e nos responsabiliza pelas dores do mundo.

        O "Além" nos manipula e diz que devemos realizar atos nesta vida para resgatar a vida passada e sermos melhores na vida futura. Aos meus olhos isto é perversidade, pois desta maneira nenhum ato meu será gratuito, apenas visará o meu bem, a minha felicidade, seja no passado ou no futuro. Eu acredito piamente que ninguém é gratuito, Sócrates já dizia que tudo o que fazemos objetiva nossa felicidade e não exatamente que desejemos fazer o mal ao outro, portanto, o mal é apenas um erro de cálculo. Pode ser uma visão romântica demais, mas eu creio nela. É melhor saber disto do que viver realizando coisas para si mesma e camuflando-as como gratuidades. 
 
        O "Além" diz que devemos praticar a caridade doando coisas aos necessitados. Isto para mim não é caridade e sim uma maneira de eu me sentir mais do que o outro, já que dando o que me sobra à alguém, conscientizo-me do quanto tenho e fico grata por não ser aquela pessoa que precisa. E ainda, ajudo a manter um governo injusto e corrupto, fazendo a parte que compete a ele.
 
        Fui casada com o "Além", dormimos na mesma cama, comemos da mesma panela, mas ele sempre foi superior, sempre deixou claro que eu nunca estava fazendo o suficiente. Que a obra precisava de mim para alcançar a todos. Ele me enlouqueceu, fazendo-me responsável pelo bem-estar de todos, acreditando que eu mais do que poderia, eu deveria estar ali, fazendo pelo outro, para o outro e, eu desapareci, deixei de existir. O "Além" me devorou, porque nunca era suficiente, precisava ser mais, fosse em doação de tempo, fosse em doação física. O "Além" nada me explicou ou explica, nada me diz, apenas manda, na tentativa de me prender pelo domínio do mistério, do suposto oculto de mim mesma.  
 
        Você, meu Anjo, ajudou-me a soltar as poucas amarras que havia entre mim e o "Além". Estou definitivamente divorciada dele. Eu não o quero mais, eu não o amo mais. Não quero mais ser possuída por ele. Já o "Aquém"...
 
        Você me apresentou o "Aquém" à noite, quase como contraponto do "Além", apresentado a mim de dia, sob o número 254 que em sua somatória resulta no número 11. O "Aquém" chegou sem rodeios e fui seu número 11 direito, sem mistérios. Ele parou ao meu lado me olhando intensamente, vendou os meus olhos e me conduziu por uma luz. Me abraçou quando eu menos esperava e me conduziu pelas pedras, pelos emaranhados, pela água, pela terra, deixou que eu o tocasse como quisesse, permitiu que eu sentisse seu coração bater aceleradamente. Desenhou as minhas dores, as minhas angústias, os meus conflitos, dançou comigo a dança louca da enfermidade, deixou que eu sentisse seu cheiro, seu suor, sua pele. Eu o teria beijado, eu teria feito amor com ele em nosso primeiro encontro.
 
        O "Aquém" me desafiou separar as coisas com as quais me identifico e as que busco. O "Aquém" se despiu na minha frente e me falou de suas dores, de seus medos, de suas inseguranças, e nós dois sabíamos que tudo fazia parte de um teatro, de que tanto ele como eu estávamos experimentando-nos, saboreando-nos sem que um se sentisse superior ao outro, ou mais especial, ou mais cheio de dádivas. Estávamos descalços sobre o mesmo palco.
 
        Eu entendi, e agora eu sei, sem dúvidas, meu Anjo, que a vida é um grande teatro. Que Deus é o espectador supremo e cheio de misericórdia que nos assiste admirado de nossa capacidade de atuar nos mais diversos papéis, nos respeitando em nossas escolhas de atuação, seja como mocinhos, seja como bandidos. Ele é o nosso espectador mais fiel, o que mesmo sozinho fica em pé para nos aplaudir e gritar: "bravo". Eu já não tenho medo e nem vergonha dos papéis que assumi, eles me tornaram uma atriz mais experiente, eu pude ser mais porque Ele me fez para isso, para atuar em todos os espaços. Se eu acreditasse em outra vida, acreditaria como uma possibilidade de atuar em outros papéis, fazer outras experiências, sem estar preocupada em resgatar ou refazer caminhos não feitos ou mal feitos, seria apenas para me divertir, para me ver em outros papéis e pisar em outros palcos.
 
        Acredito que Deus nos fez para nos divertirmos e brincarmos neste espaço cênico terrestre, pois atuemos como quisermos, assumamos os papéis que quisermos, seremos tudo o que assumirmos, da mesma forma que não seremos nada do que assumirmos, pois nossa essência é divina e inviolável.
 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pensares

        Há mais ou menos cinco anos atrás fui visitar meu irmão em uma chácara que ele havia decidido morar no interior de São Paulo, era um lugar de difícil acesso e como sempre nosso convívio foi apenas suportável por alguns dias. Desta visita eu trouxe mudas de crisântemo rosa, eu ainda não tinha visto dessa cor, plantei em meu jardim e desde então todos os anos ele floresce exuberantemente. O interessante é que ele floresce apenas uma vez no ano, mas de forma tão intensa que parece durar o ano todo.
 
        Por motivos logísticos eu tive que replantá-lo em outro lugar, até pensei que tivesse morrido, mas hoje ao chegar em casa o vi novamente em sua explosão. Senti como se Deus estivesse me esperando chegar em casa e me explicasse que muitas vezes minha vida é exatamente assim. Hora parece que não existe, que morreu, hora aflora e se torna exuberante.
 
        Foram meses de extrema angústia, de desespero, de confusões. Não foi a primeira vez, nem sei se será a última, mas desejo firmemente que se houverem novos redemoinhos que sejam por outros ventos, ventos do sul, do leste ou do oeste, não mais do norte, quero ter o norte livre. Quero calçar o meu sapato, aquele que não aperta o meu pé, quero olhar no espelho e me ver, quero descobrir a pessoa que há em mim.
 
     Eu sei o quanto dói ter os sentimentos podados cruelmente, feridos e até banidos de se manifestarem, é por isso que brincar com os sentimentos alheios sempre esteve longe dos meus objetivos e próximo aos meus medos. De alguma forma eu aprendi a me ocultar e lamber as minhas feridas assim como fazem os cachorros, até me curar e voltar, porque nem sempre o outro sabe ou consegue saber como me ajudar e, sua angústia por não saber o que fazer por mim me gera nova angústia. E eu não sei o que pedir ao outro.
 
       Ouvir de um doutor, aos quarenta anos: "Você ainda não existe", exige muita força para não voltar para o poço e pedir que joguem terra até a boca. Mas de alguma maneira doida, a minha fé me diz que se eu existir por apenas um ano, ou um dia, ou mais quarenta anos, será tão bom que eu não sentirei falta dos anos em que não existi.
 
      Hoje minha chefe me disse: "Você é uma das minhas melhores profissionais, muitas pessoas precisam de você, tua luz não pode apagar". Seus olhos não mentiam e de alguma forma ela também se via nos meus.
 
      "Façamos o homem a nossa imagem e semelhança...". Amém.
 
 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Seremos amigos?

        Eu não sei de onde veio a minha alma e nem para onde ela vai. Algumas pessoas insistem em me dizer que nós escolhemos quem e o que queremos ser nesta terra, mas o engraçado é que depois elas querem nos mudar e nós queremos mudá-las. Se cada um é aquilo que desejou ser, então deveríamos apenas respeitar a maneira de cada um ser.
 
       Tenho buscado respostas para os meus traumas a mais tempo do que tenho vivido, e não as encontro, talvez porque não haja traumas, talvez porque eu seja somente um ser mais pensante e mais intensa. Acho constantemente que há algo de errado comigo e me martirizo tentando ser diferente. Ouço: "você tem muita mágoa, você precisa se abrir, você precisa buscar coisas novas, experiências novas, se arriscar mais". Então eu olho e tento entender o que seja se arriscar mais além de sair de casa aos dezoito anos, voltar aos vinte quatro sem trabalho, estudo ou dinheiro, reestruturar a vida, casar-se, depois de sete anos se separar e reestruturar a vida e conquistar uma nova carreira. E agora estar novamente às portas de uma grande mudança. Alguém aí poderia me explicar o que significa arriscar-se mais? 
 
       Arrisquei meu conforto familiar, arrisquei minha juventude, arrisquei passar necessidades, arrisquei não ter mais trabalho. O que significa arriscar-se mais? Vamos, por favor, explique, mas explique como se tivesse falando à uma criança de cinco anos.
 
       A minha vida é um risco, arrisco perder a razão todos os dias tentando entender tudo o que se passa ao meu redor, tentando entender as dores e conflitos alheios, tentando entender os meus momentos. Arrisco a minha saúde e integridade física tentando em vão educar filhos alheios. O que eu tenho que arriscar mais?
 
      Sorrir sempre? "Estar con una sonrisa tonta permanente"? para agradar aos que me rodeiam? Para mostrar aos outros que meu mundo pode estar caindo que eu estou em pé? Para quê? Eu quero poder expressar o que estou sentindo seja onde for, quero entrar na minha casa e ficar de mau-humor, não falar com ninguém, deitar, cobrir a cabeça e chorar até molhar o travesseiro. Como dividir a vida com alguém num tempo em que as pessoas não nos permitem "ficar mal"? 
 
      Minha alma não se prende a corpos, mas sim a outras almas. É assim que sou. O corpo me satisfaz por pouco tempo, depois esvazia, fica sem graça, perde o tesão, ainda mais quando a alma é ferida, aos poucos, com pequenos gestos, com sutilezas. Eu sou assim, e quero o direito de ser assim! Chega de me sentir diferente e estranha.
 
      "Você está em infinita vantagem em relação à mim e a maioria das mulheres", me disseram hoje. "Por que?" - perguntei. Porque você não termina um relacionamento para colocar outro no lugar, você termina para ficar sozinha, nós, a grande maioria preferimos não terminar para não ficarmos sozinhas". Que ironia.
 
       Eu quero viver a minha juventude e ouço que não posso mais vivê-la, que o meu tempo já passou. Quero fazer experiências que nunca fiz, quero conhecer e estar com outras pessoas, nem que seja por uma noite apenas. Talvez a minha alma seja promíscua e eu a tenha educado a ferro e fogo. Talvez se eu a estivesse soltado mais teria magoado a muitos. Eu não me apego ao corpo, eu quero a alma das pessoas. Por vezes o corpo é a porta da alma, apenas uma passagem, um caminho.
 
        Acabamos sem discussões, eu sem conseguir me explicar, terrivelmente angustiada por conhecer as palavras e não conseguir usá-las devidamente. Mergulhada no redemoinho das muitas que sou. Acabada por me sentir culpada por repetir a cena. Mas se a cena se repete, não será porque este é o enredo que escolhi para mim? Então por que lutar contra?
 
       Seremos amigos? Espero sinceramente que sim, apesar dos outros não terem aceitado esta posição. Talvez seja por isto que nunca me tiveram de volta. Quem sabe, no dia em que alguém entender que preciso mais de um amigo do que de um homem, consiga verdadeiramente ganhar o meu coração. Até lá, quero viver minhas crises, afundar nos meus poços e me reerguer sozinha.  

domingo, 12 de maio de 2013

A borboleta azul

        A primeira vez que a vi eu estava trabalhando em meu jardim. Ela pousou numa madeira que sustenta a cerca que me separa de meu vizinho e fiquei fascinada com seu tamanho e cores, um azul turquesa lhe formava uma áurea. Círculos pretos artísticamente definidos mais lembravam olhos. Apesar de seu tamanho ela parecia nada pesar. Permaneci admirando-a por um tempo e delicadamente tentei me aproximar, mas ela voou. Aquela borboleta azul me fez pensar nas bailarinas e sua leveza, foi quando pensei na história da camponesa.
 
       Um considerável tempo se passou desde aquele dia. Desde então ela sempre voltou ao meu jardim e por um período nos víamos todos os dias. Aos poucos nos aproximamos e aprendemos a estar juntas, aprendemos a confiar-nos e hoje ela pousa em meu ombro e eu permaneço quietinha para que ela não se assuste com meus movimentos. Sinto-me agraciada, sinto que ela confia em minha alma, em minhas intenções mais profundas de não machucá-la, por isso às vezes busca meu ombro.
 
       Assim tão próxima posso admirar seus círculos negros artisticamente desenhados nas asas e que mais parecem olhos, que dependendo do reflexo da luz expressam coisas diferentes. Por vezes é como se eles me olhassem de relance, às vezes eles são doces e infantis, às vezes tristes e sofridos, às vezes dissimulados tentando esconder o que realmente estão sentindo e algumas vezes sinto como se eles quisessem gritar algo, sinto como se quisessem me dizer algo e não sabem como, e eu não sei o que é. Talvez seja só reflexo da luz, talvez seja o meu ponto de vista, ou talvez, quem sabe, ela tenha medo de que ao dizer eu me mova de tal forma que ela não possa mais pousar em meu ombro.
 
      Queria poder lhe transmitir mais confiança para que além de pousar em meu ombro, pouse também em minha mão e se sinta segura, sem medos. Vou cuidar do meu jardim para que sempre haja para ela um lugar de acolhimento e repouso, afinal ela já pousou em meu coração, o ombro e as mãos são só consequências agora.
 
 
   

quinta-feira, 9 de maio de 2013

As borboletas

        Ao ver uma nova borboleta voando por meu jardim, fico feliz e me pergunto o que lhe trouxera à terras tão remotas. Pode ser que a falta de natureza na cidade as atraia a este recanto, ou seja o colorido das flores, ou o cheiro do mato, não sei ao certo. Mas acho que de certa forma elas se parecem com as pessoas.
 
     Algumas pessoas buscam novos jardins, novas flores, novos cheiros, novas paisagens simplesmente porque necessitam de algo novo, porque já se cansaram de suas buscas nos mesmos jardins. O que elas não percebem é que no fundo buscam sempre as mesmas coisas e que mudar o jardim nem sempre é a melhor opção.
 
     Uma nova borboleta resolveu visitar meu jardim, buscando aqui o que já buscou em outros, mas sua presença não é sutil, nem doce, nem gratuita. Ela se impõe sobre minhas flores maltratando-as com sua presença impositiva. É insegura e quando penso que poderei apreciá-la, ela voa deixando para trás seu pó sufocante e ameaçando não mais voltar. Então eu ignoro porque sei que no dia seguinte ela estará ali desejando interiormente que eu não a expulse.
 
     Mesmo sendo ela uma jovem borboleta, capaz de enfeitar meu jardim, terei que cercear seu voo, pois há nela uma terrível capacidade de confundir, de manipular e de controlar. Se eu não conhecesse a verdadeira leveza da borboleta que alegra meu coração me recordando de sua imagem pousada nos galhos de meu hibisco, eu me confundiria e me deixaria manipular por sua impulsividade.
 
    Trabalhei muito para que meu jardim ficasse pronto e as atraisse, mas hoje, não quero que todas pensem que podem vir, há flores em outros lugares. Eu espero e sonho que voltem quando desejarem aquelas que aqui se sentiram felizes para que eu possa revê-las e, se houver novas, que venham com docilidade, sutileza e coração puro.
 
 
 

domingo, 5 de maio de 2013

O desembaraço

      Quando eu via minha mãe fazer crochê duas cenas me chamavam a atenção. Uma era o fato de ela desfazer todo o trabalho caso não ficasse de seu gosto, ou errasse um ponto, e o outro era que ao desmanchá-lo a linha embaraçava, ela não se preocupava em enrolá-la.

       Quando ela finalmente se satisfazia e chegava no ponto de onde desejava retomar, então decidia enrolar a linha. Acontecia de encontrar vários embaraços e sua principal atitude era quebrar a linha com as mãos, num gesto que me parecia bastante agressivo, e depois emendava-a com um nó. Nas vezes em que eu estive ao seu lado nesta cena, me oferecia para desenrolar os embaraços, e ela com pouca paciência dizia: "Quer desembaraçar? Desembaraça, porque eu não tenho paciência". Eu pensava que nenhum desembaraço pudesse ser impossível de desfazer, já que a origem da linha era ser constante e livre. Então eu me dedicava a analisar o que havia acontecido no processo e aos poucos a recolocava no novelo. Aquilo não lhe fazia nenhuma diferença, creio até que lhe atrasava o processo de retomada de seu trabalho, mas o fato de ver um trabalho pronto e cheio de nós ocultos me incomodava.

      Após tantos anos de lutas e desgastes, observo que essa é mais uma de nossas monstruosas diferenças. Eu sempre desejando e lutando por desembaraçar e ela apenas rompendo e depois remendando. Pode ser que no fundo desejemos apenas continuar e ver o trabalho pronto, cada uma a seu modo.

     Eu posso não conseguir mais desembaraçar nossos embaraços e tenha que seguir adiante com nossos milhares de nós, mas não quero perder ou sufocar minha dinâmica em buscar analisar os processos e aos poucos recolocar a minha linha no novelo.

    Eu estava tão sufocada e perdida que já nem fazia mais ideia do quanto isto é importante para mim, até que resolvi enfrentar meu último e mais cruel embaraço. Pode ser que eu nunca consiga com ela, mas não posso desistir com os outros, porque poder voltar ao meu eixo, poder voltar a ter meus sentimentos livres e direcionados é tão libertador que só me dá a certeza de que estou no caminho certo, pelo menos, de volta ao meu novelo para que a vida faça comigo um trabalho digno de ser apresentado.


quarta-feira, 1 de maio de 2013

1° de Maio

         Hoje é 1° de Maio e eu estou em casa, no conforto e na solidão de uma falsa realidade: a virtual. Tenho saudades dos primeiros de maio em que saíamos em passeata cantando nossos sonhos e desejos de sermos tratados como seres humanos e não como mera mão de obra barata. Queríamos fazer parte da história e estar ali me sentia fazendo parte. Hoje eu parabenizo o "deus mercado" que mostrou a todos que não é necessário sair às ruas e protestar, basta entrar no shopping e comprar nossos sonhos. Eu tenho saudades dos tempos de outrora.

        Eu tenho saudades de quando não existia celular e poucas eram as pessoas que tinham telefone, porque as relações tinham mais cheiro, mais sabor, mais calor. O amigo ou o parente ou o namorado vinham nos visitar sem que esperássemos, não precisavam nos enviar mensagem perguntando se estaríamos em casa e agendar um dia. Não nos sentíamos inconvenientes se visitávamos alguém sem avisar. Era uma alegria ouvir as palmas de alguém no portão, se a pessoa chegava era porque ela desejava nos ver. A recíproca era verdadeira, mesmo sem carro, levantávamos nos feriados e domingos e saíamos numa aventura, às vezes acontecia da pessoa vir à nossa casa enquanto íamos na sua. Mas não havia problema, o passeio de ônibus já valia.

        Tenho saudades do tempo em que sentávamos na calçada ou no quintal para conversar, tocar violão ou apenas ficar ali olhando o céu, sem que o outro verificasse o celular a cada cinco minutos como quem olha um relógio para ver se já está na hora de ir.

          O que aconteceu com a gente? O que aconteceu com as pessoas? Não vamos mais às ruas para gritar nossa insatisfação, porque hoje podemos entrar num restaurante e comer até nos sentirmos satisfeitos, podemos comprar um carro e andar a 200 km por hora e nos sentirmos livres, podemos dormir com quem queremos e no outro dia ir para casa sem nos sentirmos responsáveis pelos sentimentos do outro, podemos comprar drogas que nos façam sair da depressão.

            Como dizia o velho Raúl: "Pare o mundo que eu quero descer...".