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domingo, 19 de maio de 2013

Conversa com o meu Anjo

Meu Anjo,

        Vamos conversar, pois eu gostaria de te explicar algumas coisas sobre ontem, o dia que você me apresentou o "Além" e o "Aquém".

        Modéstia à parte eu já conhecia o "Além", por algum tempo tivemos um caso amoroso, e digo mais, de minha parte uma paixão. Eu me entreguei de corpo e alma a ele, mas a sua superioridade, o seu jeito arrogante de ser, brincou com os meus sentimentos e quando eu já havia me transformado num farrapo humano, ele me jogou fora. O "Além" é exigente demais, tem um discurso encantador, mas nos faz sentirmo-nos como se nunca tivéssemos feito mais nada do que nossa obrigação. E aos poucos torna nosso caminho pesado demais e nos responsabiliza pelas dores do mundo.

        O "Além" nos manipula e diz que devemos realizar atos nesta vida para resgatar a vida passada e sermos melhores na vida futura. Aos meus olhos isto é perversidade, pois desta maneira nenhum ato meu será gratuito, apenas visará o meu bem, a minha felicidade, seja no passado ou no futuro. Eu acredito piamente que ninguém é gratuito, Sócrates já dizia que tudo o que fazemos objetiva nossa felicidade e não exatamente que desejemos fazer o mal ao outro, portanto, o mal é apenas um erro de cálculo. Pode ser uma visão romântica demais, mas eu creio nela. É melhor saber disto do que viver realizando coisas para si mesma e camuflando-as como gratuidades. 
 
        O "Além" diz que devemos praticar a caridade doando coisas aos necessitados. Isto para mim não é caridade e sim uma maneira de eu me sentir mais do que o outro, já que dando o que me sobra à alguém, conscientizo-me do quanto tenho e fico grata por não ser aquela pessoa que precisa. E ainda, ajudo a manter um governo injusto e corrupto, fazendo a parte que compete a ele.
 
        Fui casada com o "Além", dormimos na mesma cama, comemos da mesma panela, mas ele sempre foi superior, sempre deixou claro que eu nunca estava fazendo o suficiente. Que a obra precisava de mim para alcançar a todos. Ele me enlouqueceu, fazendo-me responsável pelo bem-estar de todos, acreditando que eu mais do que poderia, eu deveria estar ali, fazendo pelo outro, para o outro e, eu desapareci, deixei de existir. O "Além" me devorou, porque nunca era suficiente, precisava ser mais, fosse em doação de tempo, fosse em doação física. O "Além" nada me explicou ou explica, nada me diz, apenas manda, na tentativa de me prender pelo domínio do mistério, do suposto oculto de mim mesma.  
 
        Você, meu Anjo, ajudou-me a soltar as poucas amarras que havia entre mim e o "Além". Estou definitivamente divorciada dele. Eu não o quero mais, eu não o amo mais. Não quero mais ser possuída por ele. Já o "Aquém"...
 
        Você me apresentou o "Aquém" à noite, quase como contraponto do "Além", apresentado a mim de dia, sob o número 254 que em sua somatória resulta no número 11. O "Aquém" chegou sem rodeios e fui seu número 11 direito, sem mistérios. Ele parou ao meu lado me olhando intensamente, vendou os meus olhos e me conduziu por uma luz. Me abraçou quando eu menos esperava e me conduziu pelas pedras, pelos emaranhados, pela água, pela terra, deixou que eu o tocasse como quisesse, permitiu que eu sentisse seu coração bater aceleradamente. Desenhou as minhas dores, as minhas angústias, os meus conflitos, dançou comigo a dança louca da enfermidade, deixou que eu sentisse seu cheiro, seu suor, sua pele. Eu o teria beijado, eu teria feito amor com ele em nosso primeiro encontro.
 
        O "Aquém" me desafiou separar as coisas com as quais me identifico e as que busco. O "Aquém" se despiu na minha frente e me falou de suas dores, de seus medos, de suas inseguranças, e nós dois sabíamos que tudo fazia parte de um teatro, de que tanto ele como eu estávamos experimentando-nos, saboreando-nos sem que um se sentisse superior ao outro, ou mais especial, ou mais cheio de dádivas. Estávamos descalços sobre o mesmo palco.
 
        Eu entendi, e agora eu sei, sem dúvidas, meu Anjo, que a vida é um grande teatro. Que Deus é o espectador supremo e cheio de misericórdia que nos assiste admirado de nossa capacidade de atuar nos mais diversos papéis, nos respeitando em nossas escolhas de atuação, seja como mocinhos, seja como bandidos. Ele é o nosso espectador mais fiel, o que mesmo sozinho fica em pé para nos aplaudir e gritar: "bravo". Eu já não tenho medo e nem vergonha dos papéis que assumi, eles me tornaram uma atriz mais experiente, eu pude ser mais porque Ele me fez para isso, para atuar em todos os espaços. Se eu acreditasse em outra vida, acreditaria como uma possibilidade de atuar em outros papéis, fazer outras experiências, sem estar preocupada em resgatar ou refazer caminhos não feitos ou mal feitos, seria apenas para me divertir, para me ver em outros papéis e pisar em outros palcos.
 
        Acredito que Deus nos fez para nos divertirmos e brincarmos neste espaço cênico terrestre, pois atuemos como quisermos, assumamos os papéis que quisermos, seremos tudo o que assumirmos, da mesma forma que não seremos nada do que assumirmos, pois nossa essência é divina e inviolável.
 

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