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quarta-feira, 30 de maio de 2012

O canário do reino

          Trabalhava dia e noite no campo, desejava ter o seu lugarzinho ao sol pelo reconhecimento de seus esforços. Mas aprendera com a vida que nem tudo dependia de si, precisava de um milagre que aumentasse suas posses para que investisse e comprasse seu espaço e milagres nem sempre aconteciam.

          Como sua profissão exigia mudanças não ficava muito tempo no mesmo lugar, neste campo estava há poucos anos. Era um campo muito grande e vistoso, com árvores antigas, frondosas e galhos amplos. Não havia quem não o admirasse. Por ser um campo tão bem cuidado, se perguntava o que fazia ali já que excelentes profissionais haviam feito um admirável trabalho. Aos poucos descobriu que sua principal tarefa era podar as árvores para que elas voltassem a florescer e se renovassem. Precisava separar os galhos que se entrelaçavam uns nos galhos das outras para que voltassem a se reconhecer individualmente.

        Não. Esta não seria uma tarefa fácil. De modo algum teria forças para fazer isto. Eram galhos maiores do que si. Desejou desistir várias vezes. Seria uma loucura e seu cansaço pelos anos de trabalho era um fator importante a se considerar.

        Numa destas manhãs pensativas onde tudo parecia justificar sua ida, ouviu ao longe o canto de um canário ainda filhote aprendendo a cantar. Como um flash, cenas voltaram à sua mente. Cenas de sua adolescência e de tudo o que sonhara para sua vida naquela época. Aos treze anos ganhara um casal de canários. A fêmea era toda amarela e o macho amarelo com tons marrons. Eram lindos e cantavam maravilhosamente bem. A fêmea chegara a botar ovinhos, dos quais nunca nasceram filhotes. Precisou retirá-los do ninho para que a passarinha não morresse de inanição. Na época havia se sentido tão egoísta por mantê-los numa gaiola para seu deleite próprio e, teve tanta pena daquele pobre casal sem filhotes, que resolveu soltá-los. Sua ingenuidade não levou em conta o fato deles nascerem em cativeiros e não saberem viver livremente. Mas, em sua ânsia de remissão, soltou-os impulsionando-os aos céus.

        E agora, num momento tão decisivo, ouvia aquele canto gratuito e sincero. Desejando ouvi-lo novamente, permaneceu. Considerou por bem iniciar as podas pelos galhos mais finos e flexíveis, deixando para outro momento, ou até quem sabe, para outra pessoa, a poda dos galhos maiores.

        Aquele treino de canto alegrava tanto sua vida e trabalho que desejava que a manhã seguinte chegasse logo, só para ouvi-lo. Quem teria o privilégio de observar o desabrochar de um pássaro como o canário? E ainda assim, livremente?! Aos poucos o pássaro acostumou-se com sua presença e foi chegando cada vez mais perto, ao ponto de pousar em seu ombro e cantar em seu ouvido. As pessoas ficavam encantadas com aquela cena e sempre comentavam.
         
        Com o passar do tempo percebeu que o pássaro lhe indicava qual galho podar, facilitando seu discernimento e criando um laço de cumplicidade entre duas criaturas tão distintas. Algo que poucos poderiam entender. Se falasse para alguém poderiam considerar loucura: "O pássaro orienta o teu trabalho?!" - perguntariam às gargalhadas. "Em que mundo você vive?" Sabia que era verdade e isto bastava.

        Numa bela manhã de outono, se deu conta de que faltavam poucos galhos finos e que o canário não ficaria ali para sempre. Estava deixando de ser filhote. Em pouco tempo teria que cantar em outras terras. Passou a lutar com o pior dos sentimentos. A posse. Sim, precisava filtrar constantemente suas atitudes. Até onde elas revelavam o sentimento de posse? O desejo de recolher para si aquele pássaro e colocá-lo em sua gaiola, em sua medida e peso? Tê-lo cantando só para si? Amava-o tanto.

       Era tradição festas anual no campo. E a mais popular delas se aproximava. Nesta festa os camponeses apresentavam suas produções. E como acontecia numa parte bastante florida era comum que muitos pássaros aparecerem também, de forma que havia uma mistura de cantos e vozes humanas ao entardecer da festa. Fascinante para quem não estava acostumado. Era realmente um evento muito comentado. Sabia que seu pássaro estaria ali em meio aos outros. Foi quando percebeu estar diante de um grande desafio e a possibilidade de uma pequena grande prova de amor e gratidão.

      Nesta festa acontecia um tipo de premiação que elevava significativamente o status do vencedor. Era a oportunidade que muitos desejavam para sair do anonimato e conquistar seu lugar ao sol. Sabia que suas chances de ganhar, naquele ano, eram grandes. Se o pássaro que alegrava suas manhãs, aproximando-se e cantando em seu ombro, fizesse o mesmo diante de todos. Ah! Com toda certeza ganharia, porque aquele não era um pássaro nascido em cativeiro, não estava acostumado a seu dono e com as asas cortadas para não voar. Era um pássaro livre, espontâneo, que de alguma maneira acreditava e não temia o ser humano.

       Por várias vezes se imaginou em meio àquela multidão eufórica. Sua presença segura e firme no centro e sem ninguém saber de onde, surgiria aquela belíssima criatura, cheia de vida, que pousaria em seu ombro e cantaria o melhor de seus cantos. Todos os corações seriam tocados, as pessoas se arrepiariam e lágrimas involuntárias rolariam pelas faces. Admiração! Sim! Mais do que reconhecimento desejava admiração. Mas o pássaro era livre e poderia não aparecer. Talvez nem se importasse com esta festa. Talvez sua preocupação primeira fosse cantar para ser feliz e terminar de crescer para poder voar e cantar em outros campos. Por isto, precisaria ter certeza de que o pássaro se apresentaria na festa, e esta certeza só seria concreta se o capturasse e o levasse em uma gaiola.

       Lutou com seus sentimentos dia e noite. Perguntou-se porque necessitaria do reconhecimento de tantos outros, além de seu próprio? Olhou-se profundamente no espelho e interrogou sua alma. Por que precisaria da admiração de outros, apenas por um dia,  por algo extraordinário se já vivia o extraordinário todos os dias? Que lugar ao sol seria este além do que já conquistara pelos espaços abertos dos galhos podados? Não. Não queria ver novamente um pássaro na gaiola, e muito menos um canário do reino.

        Esperou pela festa como quem espera por uma diversão, porque o milagre já havia acontecido. 
      

      

     

      

segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Abelha-Princesa


             O desânimo de Abelha-Princesa era tal que despertou a atenção de Abelha-Pensante.

“O que te passa minha Princesa?”

Envolta em seus pensamentos, a princesinha assustou-se ao perceber aquela voz tão conhecida.

“Coisas do reino. Só estou um pouco preocupada”.

               Ajeitando melhor as asas, Abelha-Pensante questionou:

“O quê de tão grave apaga o brilho de uma princesa?”

Com os olhos baixos e falando quase para si mesma, respondeu:

“Acho que não sou a melhor indicada para ser rainha”.

“E o que te faz pensar assim?”, insistiu Abelha-Pensante.

               “Por mais que eu me esforce, estou muito aquém do que a Rainha deseja” - disse tentando disfarçar o nó da garganta.

               Abelha-Pensante que conhecia um pouco dos pensamentos e atitudes das abelhas fez ainda mais uma pergunta para que seu juízo fosse o mais abrangente e justo possível:

               “O que te leva a crer nisto?”

               “Ontem foi o dia de apresentar à Rainha os vários sabores de mel que preparei ao longo dos meses. Segui fielmente as instruções dos mestres, dediquei-me a cada favo como se fosse o único. E, quando os submeti à sua aprovação, esperava um elogio, ou pelo menos uma palavra de admiração por meu esforço. Mas, ao contrário disso, ela não aprovou meu mel de flor de laranjeira, disse que por ser desta flor, deveria estar perfeito.”

               Abelha-Pensante então compreendeu que ali se tratava do velho dilema da busca das referências, da aceitação, do reconhecimento e do amor incondicional. Levantou-se e olhando aquela frágil princesinha, disse terna e firmemente:

               “Vamos voar um pouco”.

               “Obrigada Abelha-Pensante, mas não tenho vontade, preciso pensar”.

               Tocando o rosto da princesinha com suas asas calejadas, Abelha-Pensante disse:

               “Venha minha querida. Pensar compete a mim agora. Você precisa sentir, são os teus sentimentos que estão afetados e não tua razão. Você confia em mim?”

               Olhando nos olhos da velha abelha, princesinha não afirmou nem negou, apenas se colocou em pé dizendo:

               “Está bem, Pensante. Aonde vamos?”

               “Vamos ao centro do campo”.

               Voaram lado a lado sem dizerem uma palavra. Abelha-Princesa deixava-se levar. Quando Abelha-Pensante achou que já deveriam parar, pousou.

               “Aqui é um bom lugar, desça”.

               Princesa pousou e viu ao seu redor uma grande variedade de flores.

               “Agora vou precisar que você feche os olhos”.

               Não lhe interessava mais questionar, já que fora até ali não lhe custaria nada fechar os olhos.

               “Olhos fechados” – disse tentando imitar um tom de brincadeira.

               Abelha-Pensante conduziu-a pela asa até uma margarida e perguntou:

               “Prove o néctar e me diga de qual flor é”.

               “É uma margarida, provavelmente branca”.

               “Muito bem. E esta?”

               “É um lírio amarelo.”

               Abelha-Pensante conduziu a princesinha por uma boa extensão do campo, sempre lhe pedindo para beber do néctar e adivinhar a flor.

               Agora pode abrir os olhos. A abelhinha esfregou os olhos ofuscados pela luz e viu que estavam próximas a um riacho. Sem saber o que falar, esperou que a abelha mais velha se manifestasse.

               “Princesa, você seria capaz de me dizer de qual néctar ao fechar os olhos você se lembra?”

               A abelha pareceu um pouco confusa, havia provado tantos. Mas sim, um ficara em sua mente, porque ao bebê-lo sentiu que além de agradar ao seu paladar, acelerara seu coração.

               “Eu gostei de praticamente todos, mas o néctar do lírio branco foi mais forte. Eu senti uma reação diferente, meu coração acelerou um pouco”.

               Abelha-Pensante que mirava o riacho se voltou para a princesa cujos olhos agora brilhavam e disse:

               “Um dia você será a Rainha. Todas as flores do teu campo são reconhecidas por você. Qualquer mel você poderá preparar, mas o mel do lírio branco será a tua especialidade. Dele sairá o néctar que alimentará as tuas forças nos bons e nos maus momentos. Ele acenderá a chama da esperança em teu coração, todas às vezes que ela se apagar. Este néctar será o teu cedro. E um dia acontecerá de você desejar que ele também seja o néctar de tua princesa”.

               Princesinha então compreendeu que as Rainhas são rainhas porque conhecem cada palmo do seu campo, cada flor. E que podem preparar todo tipo de mel que desejar, mas que mesmo assim, não são capazes de abrir mão das próprias preferências e pontos de vista.

               “Quer dizer que eu não devo importar-me com sua observação sobre meu mel?”

               “Quer dizer que ao importar-se você demonstrou respeito e admiração, pois não se achou à sua altura. E isto é digno de uma princesa. Mas foi, principalmente por você se importar que pôde descobrir a si mesma como princesa”.

                 

              



                


sábado, 26 de maio de 2012

As pedras de Paraty


Num destes dias permiti que o espírito da Dita baixasse, porque confesso não ter muito prazer em incorporá-la, não que eu seja uma pessoa pouca limpa, mas defendo a ideia de manter tudo bem organizado, assim não parece que está sujo. Voltando ao espírito de Dita, permiti que ela me possuísse e saí limpando tudo. Minha escrivaninha sempre a deixo por último, já que não se restringe apenas à limpeza, mas a um verdadeiro ritual de desobsessão. Analiso cada papel, apontamento, sobras e quinquilharias. O mais interessante é que quase sempre não me lembro do motivo de haver guardado tais coisas. 

Estava quase terminando quando minha mão bateu contra algo, lançando-o ao chão. Pelo barulho que fez, temi haver quebrado. Não me lembrava de deixar qualquer coisa em cima da escrivaninha que pudesse quebrar. Agachei-me procurando o que seria. Ao olhar embaixo da estante de livros vi uma pequena pedra, e então, uma história adormecida despertou.

 Acabara de completar trinta e cinco anos. Estava num novo momento da minha vida, pois há apenas seis meses havia saído de um casamento mais ou menos longo. Tinha resolvido deixar o cabelo voltar a crescer, pois assim como as de Sansão, minhas forças cresceriam novamente. Um feriado se aproximava, em uma semana seria Corpus Christi. Evento que me remetia a outra vida passada e que também desejava deixar por lá. “Vamos à Paraty?” – motivou-me minha irmã. Sem dúvidas Paraty seria um bom lugar para passear, pelo que escutava aquele era um lugar mágico. Reservas feitas, passagens compradas e uma mochila nova nas costas. Presente de aniversário da irmãzinha.

Tudo o que vimos e vivemos naqueles três dias mágicos merecem cada um, sua própria história. Os casarões antigos, as ruas de pedra, o mar, as ilhas, os passeios de barco me faziam pensar em tantas vidas ali vividas, quantas histórias, quanto passado e presente. Há uma energia diferente naquelas ruas e pular de um barco no meio do mar era algo que eu sonhara tantas e tantas vezes.

No último dia resolvemos, pela manhã, conhecer uma ilha famosa da região. Famosa porque a única coisa que havia na ilha era um bar. Atravessamos numa pequena lancha muito agitada pelas ondas. Ao pisar na ilha avistamos as mesinhas do bar, nos sentamos e pedimos uma cerveja que fora servida em taças, balde de gelo e um preço exorbitante. Mas, valeria a pena, pois não voltaríamos ali, justificamos.

Após alguns goles resolvi andar um pouco ao redor da ilha. Sentimentos de quem lera a Ilha Perdida no ensino fundamental. Cheguei a um ponto cheio de pedras, eram pedras lisas e porosas, muitas pedras. Sabia que não deveria levar nenhuma dali por uma questão ambiental. Peguei uma delas, senti sua textura, peso e temperatura. Seria justo levá-la? Aqui não estava mais em jogo o ambiente, mas o fato de retirar algo de seu habitat natural, separar de seus iguais. Ela poderia sentir-se deslocada, infeliz por deixar o mar que a cada cinco ou seis segundos a banhava para, em minha casa e por meu capricho, virar suporte de papel.

Permaneci por algum tempo lutando com meus sentimentos de deslocamento. Até que um raciocínio prevaleceu. Eu levaria duas pedras para que uma fizesse companhia à outra. Estas pedras e o sentimento de culpa que eu desenvolvera por havê-las retirado de sua origem me obrigariam a voltar em outro momento e devolvê-las. Seria uma espécie de compromisso. Como e onde estaria eu dali a alguns anos? Não havia eu também me deslocado a tantos outros lugares e voltado às minhas origens?

Recolhi uma grande e outra pequena, numa espécie de filiação, irmandade, forte e fraco, algo assim. Vieram aconchegadas em minha mochila nova. E desde então estão sobre minha escrivaninha. Já voltei à Paraty duas vezes após esta viagem e não tive coragem de levá-las. Pensava que não teria mais o direito de deslocá-las novamente, pois poderia acontecer de suas iguais não estarem mais lá, seja porque aos poucos as ondas do mar as conduziram a outras partes da ilha, seja porque o dono do bar resolvera expandir seu negócio.

Ao ver a pedra menor debaixo da minha estante de livros, compreendi que elas haviam me seduzido naquele dia, porque desejavam conhecer outros tipos de mares. E, agora eu tinha a obrigação de deslocá-las para que continuassem sua viagem e quando fosse o momento certo voltassem à sua origem, não necessariamente por minhas mãos. A menor deveria ir primeiro, não porque tivesse preferência, mas porque já sabia para onde queria ir.






quarta-feira, 23 de maio de 2012

O último banho


Acabei de tomar meu último banho. É engraçado pensar assim. Na verdade só me dei conta quando já estava debaixo do chuveiro. Não que isto seja tão relevante, mas a simbologia das datas afeta de algum modo nosso psiquismo. Vemo-nos movidos às releituras, resgates pessoais, somos impelidos às novas posturas, enfim, cremos que um novo ciclo termina e outro inicia.


Muitas datas nos remetem a tais contextos, Natal, Ano Novo, Páscoa, mas, o aniversário de nascimento é sui generis. Mesmo que outra pessoa faça aniversário no mesmo dia, consideramos nosso, apenas nosso aquele momento. O momento em que saímos do ventre, da bolha d’água, do seio materno e entramos para o mundo.


O ventre é como uma espécie de plataforma. Viemos de um lugar e agora esperamos para ir a outro. É o lugar do nada, da espera, do silêncio, da individualidade e da solidão. É o lugar perfeito para aprender a esperar. Esperamos que haja para nós um abrigo, leite, colo e sorrisos. Esperamos que nos ensinem a falar, a andar, a controlar nossas necessidades mais básicas. Esperamos que conversem conosco, que nos considerem nas conversas e que nos levem a passear. Esperamos que nos aceitem como surgimos e nos amem. Amem-nos da maneira mais intensa que puderem.


Não somos passivos na espera. Tudo em nós se transforma. Tudo surge. Cada órgão ao seu tempo. E sem que percebamos este ciclo se repete a cada dia, a cada ano, a cada decisão que tomamos. Cada vez que chega aquele dia, renovamos nossa espera. Espera de realizações que ainda não se realizaram. Espera de experiências que ainda não tivemos. De amores que ainda não vivemos.


            Não sei exatamente como devo me sentir, pois quase nunca consigo relacionar minha idade às convenções sociais. Por vezes sinto-me cansada, como se já houvera vivido oitenta anos. Por outras, sinto-me como se nunca houvesse saído da adolescência. Há certo conflito em mim.


Alguns trens já passaram e não voltarão. Já para outros não há garantias de que passarão por esta plataforma. Resta-me esperar. Assim como esperei no ventre materno. Esperar o que de fato importa e faz sentido.


Esperar o momento do reencontro, do vir a ser, da colheita de tudo o que se plantou, da surpresa agradável que nos muda de plataforma, dos contratempos, do inevitável, do acaso, da noite e do dia outra e outra vez.




segunda-feira, 21 de maio de 2012

O Anjo das Muitas Faces


 Lembro-me de meu aniversário de 23 anos. Era prática na fraternidade comemorar o aniversário das missionárias com uma longa oração, onde cada uma relacionava o evangelho do dia com a vida da aniversariante. Um dos poucos momentos onde recebíamos algum tipo de elogio. Contudo, se ainda não tivéssemos os votos definitivos éramos quase insignificantes. Isto servia como uma espécie de treino de humildade. Sendo o meu aniversário próximo ao de outra missionária de votos definitivos, o ritual era mais simples ainda, para não ofuscar o da outra e para que eu aprendesse o dom sublime da resignação.

Estávamos à mesa, após as orações, as quais na verdade nem me lembro do que rezei. Não ríamos muito, ao contrário do costume, aliás, eu estava bastante infeliz. Quando de repente ouvimos um grito de gato. Não tínhamos animais domésticos, apenas galinhas para o abate. O silêncio que reinava enquanto comíamos aquele bolo seco de sentimentos fez com que o grito fosse mais intensamente percebido. Aproveitando-se do meu imaginário produtivo, a superiora ferozmente, como se ela mesma assumisse a pele do gato, dirigiu-me seu olhar mais perturbador e disse:

- É você quem atrai estas coisas. – Como se aquele grito fosse um mau-augúrio.

Senti um frio na espinha e como em tantas outras vezes achei que minha falta de sorte era evidente. Sorri tristemente e baixei os olhos sem nada dizer. Havia naquela mulher algo de diabólico que, sem eu saber por que, refletia em mim. Seus olhos faiscavam quando me viam, seu pescoço ficava vermelho como o das galinhas quando mortas e penduradas de cabeça para baixo. Sua testa suava e com um esforço medonho, controlava seus instintos mais primitivos.

Ela exercia sobre mim um controle imaginário, já que eu, dada a escrever minhas fantasias, por vezes permitia que sua loucura me afetasse. Mas sem que eu me desse conta, o que lhe enraivecia era sua incapacidade de dominar e controlar os meus sonhos mais profundos de afeto, felicidade e esperança. Esperança de que um dia eu seria verdadeiramente feliz.

Os anos se passaram e além desta vida vivi outras, tão fielmente como um cão vira-lata embaixo da ponte junto ao seu dono bêbado. Tão intensamente quanto uma poetisa romântica e platônica. Até que minhas forças mais internas ruíram, restando-me a sobrevivência. Às vésperas de cumprir 40 anos, e vivendo a mais serena felicidade, volto àquele momento como expectadora e não mais como atriz. O que me permite fazer uma releitura mais fiel.

O que realmente aconteceu naquele dia. Vejamos:

Minhas súplicas de felicidade foram elevadas a Deus, e Ele na sua infinita misericórdia, perguntou aos anjos de plantão, qual deles se encarregaria de mim. Houve ali uma pequena discussão, alguns já estavam ocupados cuidando de gente famosa como a Angélica, Márcio Garcia, Cláudia Abreu, Luciana Gimenez e outros tantos. Não queriam se ocupar de mim, uma pobre mortal nas garras de uma religiosa-diabólica, paradoxalmente falando. Até que um deles disse impulsivamente:

- Eu vou vai! Deixa comigo que eu cuido dela.

Admirados e desconfiados olharam-se pensando com seus botões celestiais: “Será que ele dá conta?” “Sei não...” “Deixa, vamos ver no que é que vai dar.” "Ainda é estagiário". Deus na sua infinita benevolência sorriu dos ciúmes que se estabelecera e voltando à sua onipotência ordenou: “Que seja você, Anjo das Muitas Faces!” Era chamado assim, porque tinha o hábito de brincar na arena celeste imitando as faces dos humanos.

Alegremente, Anjo das Muitas Faces disse:

- Obrigado, Senhor. Cuidarei dela com todas as minhas forças.

Deus, que admirava a disposição dos jovens anjos, gargalhou. Fazendo com que todo coro angelical o imitasse. Sentando-se ao lado do Anjo, abraçou-o contra seu peito e paternalmente disse:

- Meu querido Anjo, leve consigo o meu afeto, leve o quanto couber em seu coração angelical porque esta criatura que você cuidará estará com o coração ferido e desconsolado. Resistirá a ti muitas e muitas vezes, você precisará ter paciência, e como uma aranha que tece sua teia ao redor da presa, você terá que tecer a teia do afeto ao seu redor.

Lançando um olhar filial aos olhos de Deus, Anjo sorriu e perguntou:

- Senhor, eu não estava com medo, mas agora, ouvindo tuas palavras, vejo que esta missão pode estar além das minhas forças. Quanto tempo durará? E se eu falhar?

O Senhor que é também um Deus maternal envolveu Anjo em seus braços e amavelmente sussurrou em seu ouvido:

- Assim como a trindade você terá três anos. E não falhará meu amado Anjo.

- Como o Senhor pode ter tanta certeza se deu a estas criaturas o livre-arbítrio?
- Porque mesmo sem ter consciência, foi por você que ela pediu em suas preces mais íntimas, e principalmente, porque um coração, por mais ferido que esteja não resiste ao amor gratuito e teimoso de um anjo estagiário.  
















sábado, 19 de maio de 2012

A pipa

              Ele não era muito presente e em sua paternidade imatura lutava contra seus próprios fantasmas. Numa das raríssimas vezes, e por um motivo que somente ele sabia, concedeu-me um pouco de sua atenção e decidiu ajudar-me a fazer uma pipa.

              Sim, uma pipa, já que as bonecas e panelinhas não me atraiam nas brincadeiras. Se fosse para brincar de mamãe ou de casinha, o faria de adulta. Desejava divertir-me de verdade e me parecia que somente aos meninos lhes fora dado este direito.

             Comecei pela capucheta de jornal. Um horror. Corria de um lado a outro desesperadamente e quando conseguia olhar para trás lá estava ela esbodegada no chão. Eu queria mesmo uma pipa que voasse muito alto ao ponto de eu ter medo de não conseguir trazê-lo de volta. Por mais que tentasse não conseguia calcular bem o peso, a quantidade de cola, o tamanho da rabiola, a envergadura do estirante. Era muita engenharia para uma menina de sete anos.

            Então numa noite, decidiu me ajudar. Cortou as varetas e em pouco tempo eu via uma estrela. Fiquei fascinada com sua inteligência. Meu pai havia feito mais do que uma pipa, havia feito uma estrela! Nenhum dos meninos tinha igual. Isso mesmo, meninos! Porque as meninas me cansavam com seus gritinhos e puxões de cabelos. 

            Meu desejo em soltá-lo era tanto que se não fosse noite teria ido à rua imediatamente. Como eu poderia dormir? Tamanha era a ansiedade. Contudo, dormir seria a melhor maneira das horas passarem logo, o problema era conseguir desligar a minha mente que o imaginava no ar com aquela rabiola em forma de arco. E se ele não subisse? Subiria, meu pai era inteligente, não teria feito algo que não funcionasse.

          Já não me lembro da hora em que adormeci, mas recordo-me de no dia seguinte ir o mais depressa possível no bar comprar linha dez. Precisava ser uma linha adequada, forte, senão eu o perderia, pois o vento a romperia. Não, nem pensar em perder minha pipa, minha estrela! 

          Precisava agora encontrar uma lata que coubesse na minha mão para enrolar a linha. Por incrível que pareça era muito difícil encontrar uma lata. As únicas mais disponíveis eram de óleo, muito grande para as mãos de uma criança. Acho que usei uma de achocolatado.

          Toda a manhã se passara neste ritual preparatório. O almoço estava pronto, teria que comer mesmo sem fome, era a condição para poder sair e ver a minha estrela no céu. Eu tinha uma estrela!

         Finalmente tudo o que eu precisava estava à mão. Decidira ir à rua de cima, porque ali não passavam muitos carros. Caminhava orgulhosa sobre o pedregulho das ruas sem asfalto, ora batendo o dedão em pedras grandes, ora tendo que parar para arrumar a correia do chinelo que escapava. Fui até o final da rua, analisei o vento, soltei um pouco de linha e corri. Corri como se pisasse em nuvens. A pipa começou a subir, mais alto que as árvores, e eu, no meu êxtase não percebi que a rabiola havia enganchado numas folhas. A pipa então rodopiou e parou entre alguns galhos altos demais para que eu subisse. Tinha medo de altura.

         Sentei-me próxima ao tronco. Estava sozinha com minha angústia e decepção. Não adiantaria chamar minha mãe, ela não subiria na árvore. Meu pai chegaria à noite e certamente ficaria tão decepcionado com minha incapacidade de cuidar de algo que me fizera que nem se daria ao trabalho de resgatá-lo para mim.

        Desconsolada, quase chorando percebi uma presença, um jovem estava ao meu lado:

        - Esta pipa é tua? - perguntou num tom amigável.

       - É sim, mas eu não consigo pegá-lo.

       - Quer que eu pegue?

       - Quero sim - disse eu acreditando que meu fracasso não seria total. Alguém me ajudaria.

       Facilmente ele subiu na árvore e sem nenhum dano o retirou de entre os galhos. Meu coração batia nervosamente e eu acompanhava cada movimento seu. Quando baixou, eu estendi as mãos, mas ele sem nenhuma piedade ergueu os braços o mais alto que pôde e disse:

       - Agora ele é meu, porque fui eu quem o achou.

      Confesso que por muitas vezes pensei em sua impiedade. E ainda hoje posso ver seu rosto escancaradamente divertindo-se de meu desespero. Considerei-o um ladrão e me culpei por ficar paralisada e não me jogar em cima dele tentando resgatar minha estrela, ou pelo menos, ter-lhe lançado uma pedra. Mas, hoje, creio que ninguém rouba nossa estrela, nós a perdemos por nossa imaturidade, medos, insegurança e ansiedade em vê-la brilhar.  



      






    








  
        











quinta-feira, 17 de maio de 2012

A Reprovação

              Ao pisar pela primeira vez naquela fortaleza, sentira-se tão pequena quanto uma formiga. À esquerda um grande painel com um homem sorrindo e crianças ao seu redor, à sua frente um pátio enorme e dois andares de salas. Mais tarde viera saber que aquele homem era Dom Bosco, quem durante a Segunda Guerra Mundial recolheu, cuidou e educou as crianças órfãs. Tão logo soubera de sua vida, passara a ler sua biografia e feitos santificados, considerando-o uma espécie de ídolo.

             O universo com o qual sonhara durante vários anos e que somente desfrutava pelo árduo sacrifício de sua família agora lhe oprimia. Não se reconhecia nas conversas nem das garotas e muito menos dos garotos. Os professores lhes intimidavam com seus métodos tradicionais e autoritários. Apesar das aulas de Literatura estimularem seus devaneios, precisava passar nas disciplinas de exatas. Muito atraentes eram as poucas aulas de psicologia e o condicionamento de Pavlov; mais atraente ainda eram os tristes olhos da professora. Não vira até então olhos tão tristes, superavam os de sua mãe.

             Conseguira fazer uma amizade feminina, com quem, as raríssimas vezes que tinha dinheiro, dividia uma coxinha, enquanto sentadas nas escadas vermelhas e reluzentes de cera debatiam o panorama social e seus interesses pela política de esquerda. Amizade masculina nem pensar. Os garotos eram propriedade de algumas que desfilavam pelos corredores como modelos.       

            As aulas de inglês lhe soavam como grego. Da professora nem a fisionomia, nem a voz e nem sequer o nome lhe sobrara na memória. Apenas o fato de que na França havia túmulos do ano mil. Sim, lhes contara a professora que todos os anos viajava à Europa. Um dia também viajaria e conheceria suas raízes, ativaria as memórias inconscientes de seus antepassados, mesmo que todos em casa rissem de seus sonhos e com um balde de água fria lhes gritassem: "Filho de pobre não viaja para estes lugares".   

           Não sabia ao certo se havia escolhido corretamente seu curso. A intolerância, a dureza e a falta de afeto norteavam a metodologia da professora principal e lhe bloqueava a mente. Quanto mais desejava aprender, menos aprendia. E uma espiral de fracasso escolar se instalara. Anos mais tarde, próximo ao lançamento de seu livro, desejara convidá-la, talvez, por um segundo, conseguisse fazê-la perceber que seu fracasso não fora total. Mas, ao entrar no colégio e procurá-la, encontrou um ser humano parado no tempo e seco como uma folha que se guarda dentro de um caderno. "Eu não me lembro de você" - disse rispidamente. "Você está atrapalhando o meu trabalho. Como você entrou aqui? Vá embora ou chamo a portaria". Se fosse um pouco menos romântica teria deduzido que esta seria sua recepção. Nestes acasos da vida ficara sabendo que a professora morrera de um câncer que a fizera sofrer terrivelmente.

           Um dia sua única amiga lhe revelara que estava grávida do namorado e, aos dezesseis anos não seria capaz de sustentar ou educar uma criança. Poucos dias depois desaparecera deixando-a mais solitária e deslocada. Sua fragilidade emocional atraiu alguém que se fizera passar por uma espécie de irmã. Coisas da adolescência. Caíra numa teia de compensações alheias e, quando percebera estava sendo medida, pesada e julgada.

          A punhalada final deu-se no concelho de classe. Por algum motivo acreditava que seus mestres enxergariam algo dentro dela que justificasse uma chance. Fosse sua postura sempre calada e assustada, ou mesmo os conflitos que a atormentara. Contudo, a sentença já estava definida e declarada.

    









quarta-feira, 16 de maio de 2012

O terço

          - Vamos? - dizia com um sotaque arrastado que ainda posso ouvir e me arrependo de nunca haver gravado.

         - Aonde, vó? - perguntava feliz.

        - Ao terço, vamos rezar o terço na casa da dona Rosa. Precisamos rezar - completava enquanto guardava os óculos e o terço na carteira. Tinha um jeito todo próprio. Ela o erguia, beijava a cruz e como se fosse areia o deixava escorrer.  

       Confesso que aos cinco anos o terço me assustava, principalmente aquela parte onde uníssonas as vozes diziam: "Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente aquelas que mais precisarem da vossa misericórdia". Uma cena medonha se formava em minha mente e eu me exprimia nas pernas de minha avó, praticamente embaixo do terço. Nunca aprendi a rezá-lo, mesmo vivendo no seio do catolicismo.

       As senhoras todas pareciam hipnotizadas e seus rostos se revezavam entre feições de dor, delírio e sono. O Pai-Nosso e a Ave-Maria eu acompanhava, mas a Salve-Rainha e o Credo me paralisavam. Havia na Salve-Rainha algo de terror: "(...) a vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas". Um vale de lágrimas? Quantas pessoas precisariam chorar ininterruptamente para enchê-lo? Seria o mundo um vale de lágrimas? Por que gememos? Não há felicidade no mundo? Talvez minhas perguntas não fossem tão elaboradas como as escrevo, mas as ideias eram estas.

      Quanto ao Credo duas passagens que intrigavam: "(...) foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos...". Haveria uma mansão para os mortos? Estaria ela embaixo da terra? Ou no inferno? Jesus passara pelo inferno?! As vozes reunidas faziam-me sentir puxada pelos pés, como se algo quisesse mostrar-me a tal mansão. Então, eu andava um pouco e logo minha avó me lançava um olhar para que eu permanecesse no mesmo lugar.

      A outra parte consistia na profissão de fé: "(...) creio na comunhão dos santos, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém". A ressurreição da carne me apavorava. Zumbis levantando-se dos túmulos eu via. E a vida eterna? Viver para sempre? Seria muito triste e cansativo, não, um dia eu quereria morrer.

     Ao término do transe todas beijavam seus terços e os depositavam na carteira. Passavam então a outro ritual que consistia em sentar-se, tomar café, comer um pedaço de bolo de fubá ou similar, o qual era insistentemente elogiado pelas rezadeiras e, outro falatório se iniciava agora desordenado, atropelado, ora com risadas, ora com exclamações de surpresa. Quanto à mim, estava sempre às voltas das curtas e arcadas pernas de minha avó, tentando espantar o povoamento indesejado que sem permissão habitava minha mente.





















domingo, 13 de maio de 2012

Generosidade

            Quando ganhamos um presente de quem amamos, sentimo-nos mais felizes, mais amados e considerados. E como devemos nos sentir quando ganhamos um imenso presente de quem não conhecemos, nunca vimos e nem sequer sabemos o nome?

             A generosidade é algo tão esplêndido que põe à prova todas as nossas arrogâncias e posturas mesquinhas. Vou me explicar.

            Uma grande festa aconteceu neste fim de semana, aliás, muitas festas acontecem todos os finais de semana ainda mais de casamentos. Mas esta foi realmente especial, porque o que imperou foi a generosidade. Os noivos eram pessoas comuns e uma grande festa estava além das suas possibilidades financeiras. Na verdade já viviam juntos havia algum tempo, contudo, desejavam selar um compromisso, queriam que suas famílias testemunhassem seus votos e promessas de uma vida comum, fosse, na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença. Sonhavam com um momento em que muitos dos que por eles são considerados importantes celebrassem o amor e o início de uma nova família. 

            Foi então que desencadeou uma corrente invisível de generosidade. Trajes, maquiagens, cabelereiro, bolo, lembrancinhas, presentes, fotografias, filmagens e tantos outros simbolismos próprios desta celebração foram generosamente tomando forma. Até que todos estavam numa festa com mais ou menos duzentas pessoas. Comida e bebida farta, música ao vivo, muitas fotografias e filmagens profissionais. Amigos, parentes e conhecidos. Todos felizes.

            Não se sabe ao certo se muitos perceberam, mas nem tanto ao centro nem ao canto havia uma mesa com apenas duas pessoas sendo que uma delas estava sentada numa desconfortável cadeira de rodas. Um senhor com aspecto caboclo, trajes simples para os padrões de uma festa de casamento, perna direita amputada até quase o joelho e a esquerda extremamente ferida, típico de uma pessoa diabética. A outra pessoa era também um homem que parecia incumbido de lhe fazer companhia.

           Às vezes ele ficava sozinho, olhava a sua volta e acompanhava a letra da música com uma alegria serena no rosto. Sem que muitos notassem foi levado até a velha e enferrujada Kombi que o trouxera. Sua deficiência ficou ainda mais evidente quando carregado e colocado no banco do carro. Alguém que observava se levantou, foi até o carro e o homem sorrindo abaixou o vidro e apertou a mão que lhe fora estendida:

          - Eu sou a irmã do noivo e quero agradecer pelo o que o senhor fez.

         Olhando em seus olhos ele humildemente respondeu:

         - Não foi nada. É muito bom ver as pessoas felizes.

         - O senhor não tem ideia do bem que fez às nossas famílias - disse-lhe na tentativa de expressar a imensidão do alcance de seu gesto.

         - Obrigada por você ter vindo falar comigo - concluiu ainda mais sereno.

         Um nó se formou nas gargantas e ambos sorriram. Voltou, sentou-se ao lado de uma senhora e lhe disse ao pé do ouvido:

         - Vó, sabe aquele senhor na cadeira de rodas? Foi ele quem deu o porco que alimentou a todos nós nesta festa.



     









           

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Seu lugar no formigueiro

           Certo dia a formiga-mestra observou que uma de suas formigas-aluna estava um tanto preocupada. Como tinha muito afeto e preocupação por todas, mas em especial por aquela formiguinha que um dia lhe tocara o coração, aproximou-se e perguntou:

            - Tudo bem? Você me parece preocupada.

            - Tudo bem, só estou pensando em algumas coisas.

            - Algo que eu possa ajudar?

           - Não necessariamente. São coisas que eu mesma tenho que decidir.

          - Então está bem. Vou deixar você com teus pensamentos - e dizendo isto se virou para sair.

          - Espere mestra - disse quase num murmúrio.

          Voltando-se para a tão estimada aluna disse:

          - Sim?

         - Como você sabia o que queria ser quando tinha a minha idade?

         A formiga-mestra então entendeu do que se tratava sua angústia. Aproximava-se o momento da escolha; a  escolha do seu lugar no formigueiro, e sabia muito bem o quão difícil era aquela decisão. Ternamente sorriu, ofereceu seu braço à aluna e juntas saíram para um passeio.

        - Minha querida, o tempo da decisão se aproxima e o formigueiro logo te cobrará uma resposta.

        - Eu sei, e é justamente isto que me aflige. Que resposta darei?

       - Aquela que mais atender aos anseios do teu coração e às tuas habilidades.

       A formiguinha parou, desviou o olhar para o alto e deixou escorrer uma lágrima. A mestra, que sempre carregava consigo os vidrinhos da sabedoria, colheu-lhe-as e disse:

       - Ao final de nossa conversa te direi o que fazer com as tuas lágrimas. Mas agora me responda, o quê ao fazê-lo aquece, alegra e dá paz ao teu coração?

        - O que alegra meu coração eu não posso fazer.

        - E o que de tão terrível é para que você não possa fazê-lo? - perguntou imitando assombro.

       Formiguinha esboçou um meio sorriso e voltando à caminhada disse:

       - Não é terrível, é apenas inútil, ou pelo menos desnecessário. Eu gosto de fazer as pessoas sonharem, imaginarem coisas e sentirem emoções novas. Gosto de fazê-las viajarem em seus pensamentos para formigueiros e situações imaginárias. Mas, muitos me dizem que o importante no formigueiro é saber construir, coletar e armazenar os alimentos e não fazer formigas sonharem.

       Como fazia calor e o calor altera os sentimentos e as emoções, não permitindo que os pensamentos fluam bem, mestra apontou uma sombra onde se sentaram uma de frente para a outra.

        - Você se sente bem aqui? - perguntou a formiga-mestra.

        - Sim, aqui é mais fresco.

       - Isso mesmo minha querida. O calor são as nossas ocupações diárias que constantes e somadas mais do que aquecem, inflamam nossas emoções, levando-nos às decisões impulsivas, muitas vezes equivocadas e até prejudiciais a nós mesmos e aos outros. Não está errado o que dizem sobre os construtores e coletores. Porque construir, coletar e armazenar são habilidades valiosas para os nossos corpos e a manutenção da nossa vida. Devemos ser gratos a todas as formigas que incessantemente desenvolvem este trabalho.

       A formiguinha-aluna que escutava com muita atenção, baixou a cabeça e perguntou:

      - Você também está de acordo com todos?

      Formiga-mestra levantou a cabeça da aluna até a altura de seus olhos e, no tom mais fraterno que possuía, respondeu:

     - Eu te trouxe aqui, nesta sombra, para que você percebesse a importância da tua habilidade. Quando não aguentamos mais o calor diário das nossas obrigações e elas se tornam opressoras de nossos corpos, precisamos de uma sombra que nos refresque e nos liberte desta opressão. Precisamos ser lembrados de que sempre há uma sombra que nos acolhe e nos relembre que temos emoções, que sentimos e podemos sentir e pensar por ângulos diferentes.

      Formiguinha lhe olhava com os olhos brilhantes, mas ainda indecisos.

     - Conversando assim, meu coração se sente mais seguro para decidir e me sinto protegida por tuas palavras. Mas o que farei se no meu caminho eu tiver dúvidas e me sentir insegura de minha decisão?

     Entregando-lhe o vidrinho da sabedoria com suas lágrimas, respondeu:

     - Reviva este momento.

































             






















terça-feira, 8 de maio de 2012

O conselho

         Muito triste pelo que lhe havia acontecido e sentindo-se injustiçada, decidiu buscar ajuda e visitou sua antiga, porém mais nova, conselheira, a Feiticeira Aluap.
         
         - Posso consultar-me com você? - perguntou angustiadamente.

         Aluap nem sequer precisava olhar em seus olhos, pois já a conhecia pelo modo de falar. Respondeu:

        - Pode.

       Reorganizou mentalmente as ideias, desejando ser o mais objetiva possível, pois sabia que Aluap gostava de objetividades. Respirou fundo e narrou-lhe o último acontecimento que a fizera sentir-se diminuída. Após uma sequência sofrida de palavras, pausas e respiros, percebeu que Aluap se preparara para pronunciar o grande conselho. Corrigiu sua postura e atentamente ouviu:

      "Às vezes acontecem coisas em nossas vidas que fogem totalmente do nosso entendimento, muitas vezes ficamos tentados em dizer, e quase sempre dizemos: "Eu não mereço isso!!!" Mas por mais que a boca diga, e o coração sinta, no fundo a nossa cabeça sabe que não é bem por aí, e por pior que seja, na grande maioria das vezes, salvo algumas exceções, nós merecemos... Mas merecemos por quê??? Afinal de contas não somos pessoas ruins, não desejamos o mal "a  quase ninguém", não falamos de boca cheia, nem tão pouco roubamos lugar na fila... Neste instante, como uma espécie de surto, a nossa cabeça é invadida de consciência (é essa a melhor parte), ficando totalmente claro, o que de fato, nos aconteceu, foi porque permitimos!!! Afinal, se você não entrar na água, provavelmente não se afogará, se você não colocar a não na boca do cachorro, ou pisar em seu rabo, dificilmente será mordido; afinal de contas, só é traído quem confia no traidor. Verdade, eu falei em melhor parte, é sim a melhor, não porque percebemos que se algo ruim aconteceu conosco foi porque permitimos, mais sim porque, podemos ter consciência de que tudo que acontece no fundo é por nossa vontade, então cada vez que algo não der certo, levamos um tombo ou nos decepcionamos com alguém, faz com que a gente se lembre que felicidade é uma questão de permissão, sim é, permitir-se ser feliz. É tão simples, se eu como ser humano posso permitir que algo me faça mal, imagina a infinidade de coisas boas que posso permitir a minha vida!!! Agora, falando sobre "salvo algumas exceções", é naqueles casos, que algo ruim acontece, que por mais consciente que estejamos não conseguimos lembrar o momento em que permitimos que aquilo acontecesse, nessa hora, é uma força divina, que nos ama tanto, que acaba tirando algo de nós de maneira brusca, mas é só para nos preservar de algo bem pior, que certamente iria nos acontecer no futuro. E isso é tão claro, que logo adiante, assim que você reergue a cabeça, consegue ver que por mais difícil que tenha sido pra você naquele momento, foi a melhor coisa que poderia ter ocorrido, evitou que você no futuro, permitisse que algo realmente ruim acontecesse a você!!! Assim é a vida, assim somos nós, os únicos que podem se permitir a FELICIDADE!".

 
      E depois de falar deixou-me para voltar às suas bruxarias.             


(Texto "emprestado" da Feiticeira Aluap)

segunda-feira, 7 de maio de 2012

O ritual

          Estavam todos muito nervosos, a discussão parecia não ter fim. Cada um defendia sua própria natureza e à sua maneira pareciam todos corretos. O tempo avançava e a floresta continuava morta, já que não havia consenso, nada era feito.

          A cada geração o ritual acontecia. Os seres vivos da floresta deveriam discutir seus papéis e importância. Para que houvesse harmonia entre os seres e a floresta continuasse viva, cada um precisava saber seu papel e relevância. Como o tempo costuma confundir os seres, o ritual se fazia necessário para que cada um voltasse à sua origem.

         O Espírito dos seres mortos da floresta era convidado a observar as discussões.  Consideravam-no mais avançado, já que havia passado pelo ritual várias vezes e, agora que não pertencia mais àquela realidade, poderia discernir imparcialmente.

         As árvores se diziam necessárias aos pássaros, macacos, bichos-preguiça e outros seres que preferiam as alturas. Enquanto os rios defendiam sua soberania por abrigar muitos seres vegetais e animais. Todos necessários à sobrevivência da floresta, já que sem água não há vida.

         Os mamíferos queriam reinar. Viam-se como os mais desenvolvidos e preparados para viver em qualquer ambiente, por mais ríspido que fosse. Enquanto que os répteis se diziam invencíveis e mortais, capazes de eliminar o maior dos mamíferos em minutos. E, as aves queriam seu lugar especial como os donos do céu e portadores dos grandes acontecimentos da floresta.

       Espírito pairava sobre as discussões e acompanhava atentamente. Quando lhe pareceu oportuno, tocou a trombeta que encerrava a discussão.  Um silêncio sepulcral reinou e atentos escutaram:

        - Seres vivos da floresta  - entoou Espírito. - É chegada a hora de ouvir aquele que já viveu e que poderá orientá-los na busca de suas próprias identidades. Isto mesmo que ouviram, este ritual nada mais é do que a busca de suas próprias identidades nesta floresta. E todos, de uma maneira ou outra conseguiram fazê-lo. Não ouvi pássaros desejando nadar e nem mamíferos desejando voar. Pois bem, a discussão desviou-se para caminhos conhecidos pelo desejo do poder, comum nos seres vivos que pensam que o poder lhes dará felicidade. Eu lhes digo que se há seres que podem reividicar para si importância maior, estes seres são as pedras.

        Ao dizer isto, ouviu-se uma explosão de revoltas:

       - Como as pedras? - gritaram alguns.

       - Elas não servem para nada - esbravejavam outros.

       - As pedras são duras e nos tratam friamente, não são suaves como as aves.

       - Isto mesmo!!! São pouco desenvolvidas em relação aos mamíferos.

      - Não servem nem para os rios. Não sabem nadar como os peixes.

      - É mesmo. São imóveis, nunca mudam.

      Espírito permitiu que todos manifestassem seus incômodos. Quando lhe pareceu o momento certo, tocou novamente a trombeta e o silêncio voltou.

     - Seres vivos da floresta - disse brandamente - Todos os seus argumentos contra as pedras são na verdade argumentos a  seu favor. As pedras sustentam tudo o que vocês podem ser. Os peixes podem nadar porque as pedras represam as águas. Os mamíferos podem andar livremente porque as pedras sustentam a terra. E os pássaros podem voar tranquilamente porque quando precisarem terão uma alta rocha para descansar e se sentirão protegidos.

     Serenamente concluiu:

     - Estimados seres, a imobilidade das pedras permite a todos os seres se moverem, porque se as pedras, as rochas e os rochedos decidirem mover-se, sua força será esmagadora. Não as condenem por sua frieza, porque na  solidão em que vivem em sua própria frieza, elas lhes impulsionam a buscarem entre si maior calor e afeto.
    
    E foi assim que cada um voltou ao seu papel e a floresta pôde viver novamente.
    


sábado, 5 de maio de 2012

O banco da praça

           O sol de outono que lhe aquecia naquele antigo banco de cimento numa praça interiorana, cujos nomes dos doadores eram os mesmos das lápides, não era suficiente para que desejasse abrir seu casaco. Com os braços cruzados e o queixo quase encostado no peito, observava os poucos transeuntes que se revezavam, ora velhos ora crianças. Jovens raramente.

           Havia naquele bucólico espaço o convite a um ritual que consistia em dar voltas e sentar-se. Para os idosos parecia ser uma espécie de exercício físico. Ou seria mental? Dar voltas na praça fortaleceria seus músculos ou suas memórias? Desejavam eles ter a certeza de que andavam em um lugar seguro e conhecido, ou andavam para relembrar os passos do passado? Talvez quando vivesse sua própria velhice compreendesse. Porém, se recordaria de que antes se fizera tais questionamentos?

          As crianças, por sua vez, também davam voltas, correndo uma atrás da outra, tentando saltar os obstáculos, desde uma pedra, um relevo na calçada ou mesmo uma planta que estivesse na sua rota de fuga.

           Quando se cansavam, se sentavam. As crianças praticamente se lançavam sobre eles da mesma maneira que se lançavam no colo dos pais. Alguns estavam mais corroídos do que outros. Suas inscrições figuravam a mesma data, então por que a diferença? Seria apenas um desgaste natural por força do tempo? Estariam os desgastes relacionados à quantidade de pessoas que os usaram? Ou estaria relacionado ao depósito que as pessoas lhes faziam? Depositavam, juntamente com seu peso, os seus sonhos, alegrias, angústias e tristezas.

           Quantas juras de amor, quantas separações, quantos segredos haviam sido depositados naqueles bancos. Decisões importantes haviam sido tomadas ali. Haveria naqueles amontoados de cimento alguma forma de vida que atraísse mais a uns do que a outros? Achou engraçado seu pensamento. O banco à esquerda atrairia casais em crise, o da direita às crianças e os bêbados, o do centro as velhas senhoras que lamentavam  a falta de amor e carinho de seus pares. O mais ao fundo atrairia os jovens que praticavam seus primeiros beijos. Aquele no canto convidaria as amigas para comentarem os beijos dados no mais ao fundo. E, por fim, o mais corroído convidaria os solitários e observadores.


quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Bruxa e a Menina


Houve um tempo em que havia tanta gente no mundo que decidiram fazer uma seleção. O critério seria manter apenas as mulheres e homens que tivessem filhos, os demais seriam enviados a um universo paralelo. E assim o fizeram.


               Fora mandada ao acaso para uma floresta com outras tantas mulheres. Sem saberem exatamente como sobreviver nestas condições, e também por sentirem-se infelizes, uma a uma foi ficando pelo caminho, restando apenas Bruxa. Assim a chamavam por resistir aos augúrios e conhecer um pouco de plantas, livrando-as de comer algo venenoso. Quando a última das mulheres desistiu e ficou pelo caminho, Bruxa encontrou uma caverna e ali se acomodou.


               Seu ânimo não era mais o mesmo e deixara-se abater. Passavam-se os dias, mal encontrava forças para caminhar e já pensava em ficar pelo caminho quando ouviu ao longe a voz de uma criança cantando uma cantiga de roda. Não poderia ser, estaria delirando, pensou, já que não comia direito há dias. Seria uma manifestação de seu inconsciente relembrando-lhe sua infância?  Ou, seria algum pássaro? Uma criança?! Estava em outra dimensão, não seria possível. Havia sido banida justamente por não ter uma criança e isto com certeza agitava sua mente. Aos poucos a voz foi sendo ouvida mais forte e já sentia uma presença.


               Quase em pânico, com a respiração ofegante e um medo que não conseguia descrever, imobilizou-se atrás de uma pedra, enquanto uma menina de olhos de jabuticaba, pele morena e cabelos longos como de uma índia, entrou saltitando:


               - Nossa, que lugar legal!


               Sua vozinha ecoou pela caverna e fez estremecer o coração de Bruxa que se encolhia cada vez mais. Muito curiosa começou a investigá-la, queria saber o que tinha em cada canto e divertiu-se com o eco de sua voz imitando bichos e tons. Sentindo que em algum momento seria encontrada, Bruxa fechou os olhos, permitindo-se somente sentir aquela presença. Quando ousou abri-los, se deu conta de que a menina em pé lhe olhava com um largo sorriso nos lábios:


               - Oi! Quem é você? - perguntou suavemente.


               Bruxa sentiu o corpo estremecer, era real, diante de si estava uma linda criança de cujo sorriso resplandecia uma profunda paz. Mal conseguia mover-se, e levantando lentamente a cabeça, respondeu com um fio trêmulo de voz:


               - Bruxa.


               Os olhinhos de jabuticaba da menina se abriram ainda mais, e quase num tom de euforia perguntou:


               - Bruxa? Você é uma bruxa? Onde está a tua vassoura? Por que você está escondida?


               Eram muitas perguntas ao mesmo tempo.


               - Não. Eu não sou uma bruxa, meu nome é Bruxa. Eu não tenho vassoura.


               Decepcionada, a menina sentou-se numa pedra, apoiou os cotovelos nos joelhos e resmungou:


               - Ah... que pena. Então como você voa?


               Percebendo que a menina não lhe causaria males, Bruxa lentamente saiu de detrás da pedra e sentou-se a sua frente.


               - Eu não voo, criança. Como é o teu nome? De onde você veio?


               Mais preocupada com o fato da bruxa não voar, a menina respondeu:


               - Eu me chamo Menina e vim de lá – disse apontando para o norte.


               Bruxa acompanhou com os olhos seu pequenino dedo indicador, mas não compreendeu de onde Menina viera. Insistiu:


               - De lá onde? Onde é a tua casa?


               - Lá do outro lado – pareceu que iria chorar.


               - Então você está perdida?


               - Não Bruxa, eu sempre venho brincar aqui, mas eu nunca tinha entrado na caverna. Nunca vi você.


Intrigada com o fato de Menina dizer que brincava ali todos os dias, questionou:


- Você vem aqui todos os dias? E a tua família deixa? Onde estão os teus pais?


- Eu já te disse. Eu vim dali – respondeu apontando.


- Leva-me até o lugar de onde você veio, porque eu não estou entendendo.


- Tá bom, vem – disse Menina um tanto orgulhosa por poder ensinar algo a uma bruxa.


Menina fez questão de segurar sua mão como querendo guia-la, e ambas saíram da caverna. O sol ofuscou os olhos de Bruxa que há tempos não se permitia aquecer pelo astro rei. Andaram por uma trilha já conhecida de Bruxa e sem que esta esperasse, pararam diante do tronco de uma frondosa árvore.


- Eu vim daqui – disse Menina mostrando um lugar no tronco.


Confusa e sem saber exatamente o que deveria ver, Bruxa perguntou:


- Você veio da árvore?! De dentro da árvore?!


- Não! – retrucou Menina – Eu vim daí, do meu quintal.


Bruxa não sabia o que pensar. Talvez a menina padecesse de algum mal. Como poderia dizer que o tronco de uma árvore era seu quintal?! Ajoelhou-se e com os olhos à altura dos olhos de Menina, e as mãos em seus ombrinhos, perguntou:


- Menina, quem é você? De onde você veio? – e tentando compreender o absurdo que via e ouvia, insistiu – Na árvore tem uma passagem secreta?


Menina sorriu levemente e disse:


 - Tem sim. Você quer ver?


Confusa com o que acabara de ouvir, Bruxa dirigiu o olhar para o tronco, pensou na situação em que se encontrava e em tudo o que vivera até aquele momento. Acreditar em passagens secretas não seria o mais absurdo.


- Quero sim. Você me mostra?


Menina balançou afirmativamente a cabeça e disse:


- Mas você não pode olhar.


- Está bem – respondeu Bruxa aceitando passivamente o que viesse.


Menina, delicadamente  fechou os olhos de Bruxa, tocou em seus ombros para que se levantasse, puxou-a pela mão e juntas atravessaram.