Certo dia a formiga-mestra observou que uma de suas formigas-aluna estava um tanto preocupada. Como tinha muito afeto e preocupação por todas, mas em especial por aquela formiguinha que um dia lhe tocara o coração, aproximou-se e perguntou:
- Tudo bem? Você me parece preocupada.
- Tudo bem, só estou pensando em algumas coisas.
- Algo que eu possa ajudar?
- Não necessariamente. São coisas que eu mesma tenho que decidir.
- Então está bem. Vou deixar você com teus pensamentos - e dizendo isto se virou para sair.
- Espere mestra - disse quase num murmúrio.
Voltando-se para a tão estimada aluna disse:
- Sim?
- Como você sabia o que queria ser quando tinha a minha idade?
A formiga-mestra então entendeu do que se tratava sua angústia. Aproximava-se o momento da escolha; a escolha do seu lugar no formigueiro, e sabia muito bem o quão difícil era aquela decisão. Ternamente sorriu, ofereceu seu braço à aluna e juntas saíram para um passeio.
- Minha querida, o tempo da decisão se aproxima e o formigueiro logo te cobrará uma resposta.
- Eu sei, e é justamente isto que me aflige. Que resposta darei?
- Aquela que mais atender aos anseios do teu coração e às tuas habilidades.
A formiguinha parou, desviou o olhar para o alto e deixou escorrer uma lágrima. A mestra, que sempre carregava consigo os vidrinhos da sabedoria, colheu-lhe-as e disse:
- Ao final de nossa conversa te direi o que fazer com as tuas lágrimas. Mas agora me responda, o quê ao fazê-lo aquece, alegra e dá paz ao teu coração?
- O que alegra meu coração eu não posso fazer.
- E o que de tão terrível é para que você não possa fazê-lo? - perguntou imitando assombro.
Formiguinha esboçou um meio sorriso e voltando à caminhada disse:
- Não é terrível, é apenas inútil, ou pelo menos desnecessário. Eu gosto de fazer as pessoas sonharem, imaginarem coisas e sentirem emoções novas. Gosto de fazê-las viajarem em seus pensamentos para formigueiros e situações imaginárias. Mas, muitos me dizem que o importante no formigueiro é saber construir, coletar e armazenar os alimentos e não fazer formigas sonharem.
Como fazia calor e o calor altera os sentimentos e as emoções, não permitindo que os pensamentos fluam bem, mestra apontou uma sombra onde se sentaram uma de frente para a outra.
- Você se sente bem aqui? - perguntou a formiga-mestra.
- Sim, aqui é mais fresco.
- Isso mesmo minha querida. O calor são as nossas ocupações diárias que constantes e somadas mais do que aquecem, inflamam nossas emoções, levando-nos às decisões impulsivas, muitas vezes equivocadas e até prejudiciais a nós mesmos e aos outros. Não está errado o que dizem sobre os construtores e coletores. Porque construir, coletar e armazenar são habilidades valiosas para os nossos corpos e a manutenção da nossa vida. Devemos ser gratos a todas as formigas que incessantemente desenvolvem este trabalho.
A formiguinha-aluna que escutava com muita atenção, baixou a cabeça e perguntou:
- Você também está de acordo com todos?
Formiga-mestra levantou a cabeça da aluna até a altura de seus olhos e, no tom mais fraterno que possuía, respondeu:
- Eu te trouxe aqui, nesta sombra, para que você percebesse a importância da tua habilidade. Quando não aguentamos mais o calor diário das nossas obrigações e elas se tornam opressoras de nossos corpos, precisamos de uma sombra que nos refresque e nos liberte desta opressão. Precisamos ser lembrados de que sempre há uma sombra que nos acolhe e nos relembre que temos emoções, que sentimos e podemos sentir e pensar por ângulos diferentes.
Formiguinha lhe olhava com os olhos brilhantes, mas ainda indecisos.
- Conversando assim, meu coração se sente mais seguro para decidir e me sinto protegida por tuas palavras. Mas o que farei se no meu caminho eu tiver dúvidas e me sentir insegura de minha decisão?
Entregando-lhe o vidrinho da sabedoria com suas lágrimas, respondeu:
- Reviva este momento.
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