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segunda-feira, 7 de maio de 2012

O ritual

          Estavam todos muito nervosos, a discussão parecia não ter fim. Cada um defendia sua própria natureza e à sua maneira pareciam todos corretos. O tempo avançava e a floresta continuava morta, já que não havia consenso, nada era feito.

          A cada geração o ritual acontecia. Os seres vivos da floresta deveriam discutir seus papéis e importância. Para que houvesse harmonia entre os seres e a floresta continuasse viva, cada um precisava saber seu papel e relevância. Como o tempo costuma confundir os seres, o ritual se fazia necessário para que cada um voltasse à sua origem.

         O Espírito dos seres mortos da floresta era convidado a observar as discussões.  Consideravam-no mais avançado, já que havia passado pelo ritual várias vezes e, agora que não pertencia mais àquela realidade, poderia discernir imparcialmente.

         As árvores se diziam necessárias aos pássaros, macacos, bichos-preguiça e outros seres que preferiam as alturas. Enquanto os rios defendiam sua soberania por abrigar muitos seres vegetais e animais. Todos necessários à sobrevivência da floresta, já que sem água não há vida.

         Os mamíferos queriam reinar. Viam-se como os mais desenvolvidos e preparados para viver em qualquer ambiente, por mais ríspido que fosse. Enquanto que os répteis se diziam invencíveis e mortais, capazes de eliminar o maior dos mamíferos em minutos. E, as aves queriam seu lugar especial como os donos do céu e portadores dos grandes acontecimentos da floresta.

       Espírito pairava sobre as discussões e acompanhava atentamente. Quando lhe pareceu oportuno, tocou a trombeta que encerrava a discussão.  Um silêncio sepulcral reinou e atentos escutaram:

        - Seres vivos da floresta  - entoou Espírito. - É chegada a hora de ouvir aquele que já viveu e que poderá orientá-los na busca de suas próprias identidades. Isto mesmo que ouviram, este ritual nada mais é do que a busca de suas próprias identidades nesta floresta. E todos, de uma maneira ou outra conseguiram fazê-lo. Não ouvi pássaros desejando nadar e nem mamíferos desejando voar. Pois bem, a discussão desviou-se para caminhos conhecidos pelo desejo do poder, comum nos seres vivos que pensam que o poder lhes dará felicidade. Eu lhes digo que se há seres que podem reividicar para si importância maior, estes seres são as pedras.

        Ao dizer isto, ouviu-se uma explosão de revoltas:

       - Como as pedras? - gritaram alguns.

       - Elas não servem para nada - esbravejavam outros.

       - As pedras são duras e nos tratam friamente, não são suaves como as aves.

       - Isto mesmo!!! São pouco desenvolvidas em relação aos mamíferos.

      - Não servem nem para os rios. Não sabem nadar como os peixes.

      - É mesmo. São imóveis, nunca mudam.

      Espírito permitiu que todos manifestassem seus incômodos. Quando lhe pareceu o momento certo, tocou novamente a trombeta e o silêncio voltou.

     - Seres vivos da floresta - disse brandamente - Todos os seus argumentos contra as pedras são na verdade argumentos a  seu favor. As pedras sustentam tudo o que vocês podem ser. Os peixes podem nadar porque as pedras represam as águas. Os mamíferos podem andar livremente porque as pedras sustentam a terra. E os pássaros podem voar tranquilamente porque quando precisarem terão uma alta rocha para descansar e se sentirão protegidos.

     Serenamente concluiu:

     - Estimados seres, a imobilidade das pedras permite a todos os seres se moverem, porque se as pedras, as rochas e os rochedos decidirem mover-se, sua força será esmagadora. Não as condenem por sua frieza, porque na  solidão em que vivem em sua própria frieza, elas lhes impulsionam a buscarem entre si maior calor e afeto.
    
    E foi assim que cada um voltou ao seu papel e a floresta pôde viver novamente.
    


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