Houve um tempo
em que havia tanta gente no mundo que decidiram fazer uma seleção. O critério
seria manter apenas as mulheres e homens que tivessem filhos, os demais seriam enviados
a um universo paralelo. E assim o fizeram.
Fora
mandada ao acaso para uma floresta com outras tantas mulheres. Sem saberem
exatamente como sobreviver nestas condições, e também por sentirem-se
infelizes, uma a uma foi ficando pelo caminho, restando apenas Bruxa. Assim a
chamavam por resistir aos augúrios e conhecer um pouco de plantas, livrando-as
de comer algo venenoso. Quando a última das mulheres desistiu e ficou pelo
caminho, Bruxa encontrou uma caverna e ali se acomodou.
Seu
ânimo não era mais o mesmo e deixara-se abater. Passavam-se os dias, mal encontrava
forças para caminhar e já pensava em ficar pelo caminho quando ouviu ao longe a
voz de uma criança cantando uma cantiga de roda. Não poderia ser, estaria
delirando, pensou, já que não comia direito há dias. Seria uma manifestação de
seu inconsciente relembrando-lhe sua infância? Ou, seria algum pássaro? Uma criança?! Estava em outra dimensão, não seria possível. Havia sido banida
justamente por não ter uma criança e isto com certeza agitava sua mente. Aos
poucos a voz foi sendo ouvida mais forte e já sentia uma presença.
Quase
em pânico, com a respiração ofegante e um medo que não conseguia descrever,
imobilizou-se atrás de uma pedra, enquanto uma menina de olhos de jabuticaba, pele
morena e cabelos longos como de uma índia, entrou saltitando:
-
Nossa, que lugar legal!
Sua
vozinha ecoou pela caverna e fez estremecer o coração de Bruxa que se encolhia
cada vez mais. Muito curiosa começou a investigá-la, queria saber o que
tinha em cada canto e divertiu-se com o eco de sua voz imitando bichos e tons.
Sentindo que em algum momento seria encontrada, Bruxa fechou os olhos,
permitindo-se somente sentir aquela presença. Quando ousou abri-los, se deu conta de que
a menina em pé lhe olhava com um largo sorriso nos lábios:
-
Oi! Quem é você? - perguntou suavemente.
Bruxa
sentiu o corpo estremecer, era real, diante de si estava uma linda criança
de cujo sorriso resplandecia uma profunda paz. Mal conseguia mover-se, e
levantando lentamente a cabeça, respondeu com um fio trêmulo de voz:
-
Bruxa.
Os
olhinhos de jabuticaba da menina se abriram ainda mais, e quase num tom de
euforia perguntou:
-
Bruxa? Você é uma bruxa? Onde está a tua vassoura? Por que você está escondida?
Eram
muitas perguntas ao mesmo tempo.
-
Não. Eu não sou uma bruxa, meu nome é Bruxa. Eu não tenho vassoura.
Decepcionada,
a menina sentou-se numa pedra, apoiou os cotovelos nos joelhos e resmungou:
-
Ah... que pena. Então como você voa?
Percebendo
que a menina não lhe causaria males, Bruxa lentamente saiu de detrás da pedra e
sentou-se a sua frente.
-
Eu não voo, criança. Como é o teu nome? De onde você veio?
Mais
preocupada com o fato da bruxa não voar, a menina respondeu:
-
Eu me chamo Menina e vim de lá – disse apontando para o norte.
Bruxa
acompanhou com os olhos seu pequenino dedo indicador, mas não compreendeu de
onde Menina viera. Insistiu:
-
De lá onde? Onde é a tua casa?
-
Lá do outro lado – pareceu que iria chorar.
-
Então você está perdida?
-
Não Bruxa, eu sempre venho brincar aqui, mas eu nunca tinha entrado na caverna.
Nunca vi você.
Intrigada com
o fato de Menina dizer que brincava ali todos os dias, questionou:
- Você vem
aqui todos os dias? E a tua família deixa? Onde estão os teus pais?
- Eu já te
disse. Eu vim dali – respondeu apontando.
- Leva-me até
o lugar de onde você veio, porque eu não estou entendendo.
- Tá bom, vem –
disse Menina um tanto orgulhosa por poder ensinar algo a uma bruxa.
Menina fez
questão de segurar sua mão como querendo guia-la, e ambas saíram da caverna. O
sol ofuscou os olhos de Bruxa que há tempos não se permitia aquecer pelo astro
rei. Andaram por uma trilha já conhecida de Bruxa e sem que esta esperasse,
pararam diante do tronco de uma frondosa árvore.
- Eu vim daqui
– disse Menina mostrando um lugar no tronco.
Confusa e sem
saber exatamente o que deveria ver, Bruxa perguntou:
- Você veio da
árvore?! De dentro da árvore?!
- Não! –
retrucou Menina – Eu vim daí, do meu quintal.
Bruxa não sabia
o que pensar. Talvez a menina padecesse de algum mal. Como poderia dizer que o
tronco de uma árvore era seu quintal?! Ajoelhou-se e com os olhos à altura dos
olhos de Menina, e as mãos em seus ombrinhos, perguntou:
- Menina, quem
é você? De onde você veio? – e tentando compreender o absurdo que via e ouvia,
insistiu – Na árvore tem uma passagem secreta?
Menina sorriu
levemente e disse:
- Tem sim. Você quer ver?
Confusa com o que
acabara de ouvir, Bruxa dirigiu o olhar para o tronco, pensou na situação em
que se encontrava e em tudo o que vivera até aquele momento. Acreditar em
passagens secretas não seria o mais absurdo.
- Quero sim.
Você me mostra?
Menina
balançou afirmativamente a cabeça e disse:
- Mas você não
pode olhar.
- Está bem –
respondeu Bruxa aceitando passivamente o que viesse.
Menina, delicadamente
fechou os olhos de Bruxa, tocou em seus
ombros para que se levantasse, puxou-a pela mão e juntas atravessaram.
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