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quinta-feira, 3 de maio de 2012

A Bruxa e a Menina


Houve um tempo em que havia tanta gente no mundo que decidiram fazer uma seleção. O critério seria manter apenas as mulheres e homens que tivessem filhos, os demais seriam enviados a um universo paralelo. E assim o fizeram.


               Fora mandada ao acaso para uma floresta com outras tantas mulheres. Sem saberem exatamente como sobreviver nestas condições, e também por sentirem-se infelizes, uma a uma foi ficando pelo caminho, restando apenas Bruxa. Assim a chamavam por resistir aos augúrios e conhecer um pouco de plantas, livrando-as de comer algo venenoso. Quando a última das mulheres desistiu e ficou pelo caminho, Bruxa encontrou uma caverna e ali se acomodou.


               Seu ânimo não era mais o mesmo e deixara-se abater. Passavam-se os dias, mal encontrava forças para caminhar e já pensava em ficar pelo caminho quando ouviu ao longe a voz de uma criança cantando uma cantiga de roda. Não poderia ser, estaria delirando, pensou, já que não comia direito há dias. Seria uma manifestação de seu inconsciente relembrando-lhe sua infância?  Ou, seria algum pássaro? Uma criança?! Estava em outra dimensão, não seria possível. Havia sido banida justamente por não ter uma criança e isto com certeza agitava sua mente. Aos poucos a voz foi sendo ouvida mais forte e já sentia uma presença.


               Quase em pânico, com a respiração ofegante e um medo que não conseguia descrever, imobilizou-se atrás de uma pedra, enquanto uma menina de olhos de jabuticaba, pele morena e cabelos longos como de uma índia, entrou saltitando:


               - Nossa, que lugar legal!


               Sua vozinha ecoou pela caverna e fez estremecer o coração de Bruxa que se encolhia cada vez mais. Muito curiosa começou a investigá-la, queria saber o que tinha em cada canto e divertiu-se com o eco de sua voz imitando bichos e tons. Sentindo que em algum momento seria encontrada, Bruxa fechou os olhos, permitindo-se somente sentir aquela presença. Quando ousou abri-los, se deu conta de que a menina em pé lhe olhava com um largo sorriso nos lábios:


               - Oi! Quem é você? - perguntou suavemente.


               Bruxa sentiu o corpo estremecer, era real, diante de si estava uma linda criança de cujo sorriso resplandecia uma profunda paz. Mal conseguia mover-se, e levantando lentamente a cabeça, respondeu com um fio trêmulo de voz:


               - Bruxa.


               Os olhinhos de jabuticaba da menina se abriram ainda mais, e quase num tom de euforia perguntou:


               - Bruxa? Você é uma bruxa? Onde está a tua vassoura? Por que você está escondida?


               Eram muitas perguntas ao mesmo tempo.


               - Não. Eu não sou uma bruxa, meu nome é Bruxa. Eu não tenho vassoura.


               Decepcionada, a menina sentou-se numa pedra, apoiou os cotovelos nos joelhos e resmungou:


               - Ah... que pena. Então como você voa?


               Percebendo que a menina não lhe causaria males, Bruxa lentamente saiu de detrás da pedra e sentou-se a sua frente.


               - Eu não voo, criança. Como é o teu nome? De onde você veio?


               Mais preocupada com o fato da bruxa não voar, a menina respondeu:


               - Eu me chamo Menina e vim de lá – disse apontando para o norte.


               Bruxa acompanhou com os olhos seu pequenino dedo indicador, mas não compreendeu de onde Menina viera. Insistiu:


               - De lá onde? Onde é a tua casa?


               - Lá do outro lado – pareceu que iria chorar.


               - Então você está perdida?


               - Não Bruxa, eu sempre venho brincar aqui, mas eu nunca tinha entrado na caverna. Nunca vi você.


Intrigada com o fato de Menina dizer que brincava ali todos os dias, questionou:


- Você vem aqui todos os dias? E a tua família deixa? Onde estão os teus pais?


- Eu já te disse. Eu vim dali – respondeu apontando.


- Leva-me até o lugar de onde você veio, porque eu não estou entendendo.


- Tá bom, vem – disse Menina um tanto orgulhosa por poder ensinar algo a uma bruxa.


Menina fez questão de segurar sua mão como querendo guia-la, e ambas saíram da caverna. O sol ofuscou os olhos de Bruxa que há tempos não se permitia aquecer pelo astro rei. Andaram por uma trilha já conhecida de Bruxa e sem que esta esperasse, pararam diante do tronco de uma frondosa árvore.


- Eu vim daqui – disse Menina mostrando um lugar no tronco.


Confusa e sem saber exatamente o que deveria ver, Bruxa perguntou:


- Você veio da árvore?! De dentro da árvore?!


- Não! – retrucou Menina – Eu vim daí, do meu quintal.


Bruxa não sabia o que pensar. Talvez a menina padecesse de algum mal. Como poderia dizer que o tronco de uma árvore era seu quintal?! Ajoelhou-se e com os olhos à altura dos olhos de Menina, e as mãos em seus ombrinhos, perguntou:


- Menina, quem é você? De onde você veio? – e tentando compreender o absurdo que via e ouvia, insistiu – Na árvore tem uma passagem secreta?


Menina sorriu levemente e disse:


 - Tem sim. Você quer ver?


Confusa com o que acabara de ouvir, Bruxa dirigiu o olhar para o tronco, pensou na situação em que se encontrava e em tudo o que vivera até aquele momento. Acreditar em passagens secretas não seria o mais absurdo.


- Quero sim. Você me mostra?


Menina balançou afirmativamente a cabeça e disse:


- Mas você não pode olhar.


- Está bem – respondeu Bruxa aceitando passivamente o que viesse.


Menina, delicadamente  fechou os olhos de Bruxa, tocou em seus ombros para que se levantasse, puxou-a pela mão e juntas atravessaram.



 



 



 



 

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