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sábado, 26 de maio de 2012

As pedras de Paraty


Num destes dias permiti que o espírito da Dita baixasse, porque confesso não ter muito prazer em incorporá-la, não que eu seja uma pessoa pouca limpa, mas defendo a ideia de manter tudo bem organizado, assim não parece que está sujo. Voltando ao espírito de Dita, permiti que ela me possuísse e saí limpando tudo. Minha escrivaninha sempre a deixo por último, já que não se restringe apenas à limpeza, mas a um verdadeiro ritual de desobsessão. Analiso cada papel, apontamento, sobras e quinquilharias. O mais interessante é que quase sempre não me lembro do motivo de haver guardado tais coisas. 

Estava quase terminando quando minha mão bateu contra algo, lançando-o ao chão. Pelo barulho que fez, temi haver quebrado. Não me lembrava de deixar qualquer coisa em cima da escrivaninha que pudesse quebrar. Agachei-me procurando o que seria. Ao olhar embaixo da estante de livros vi uma pequena pedra, e então, uma história adormecida despertou.

 Acabara de completar trinta e cinco anos. Estava num novo momento da minha vida, pois há apenas seis meses havia saído de um casamento mais ou menos longo. Tinha resolvido deixar o cabelo voltar a crescer, pois assim como as de Sansão, minhas forças cresceriam novamente. Um feriado se aproximava, em uma semana seria Corpus Christi. Evento que me remetia a outra vida passada e que também desejava deixar por lá. “Vamos à Paraty?” – motivou-me minha irmã. Sem dúvidas Paraty seria um bom lugar para passear, pelo que escutava aquele era um lugar mágico. Reservas feitas, passagens compradas e uma mochila nova nas costas. Presente de aniversário da irmãzinha.

Tudo o que vimos e vivemos naqueles três dias mágicos merecem cada um, sua própria história. Os casarões antigos, as ruas de pedra, o mar, as ilhas, os passeios de barco me faziam pensar em tantas vidas ali vividas, quantas histórias, quanto passado e presente. Há uma energia diferente naquelas ruas e pular de um barco no meio do mar era algo que eu sonhara tantas e tantas vezes.

No último dia resolvemos, pela manhã, conhecer uma ilha famosa da região. Famosa porque a única coisa que havia na ilha era um bar. Atravessamos numa pequena lancha muito agitada pelas ondas. Ao pisar na ilha avistamos as mesinhas do bar, nos sentamos e pedimos uma cerveja que fora servida em taças, balde de gelo e um preço exorbitante. Mas, valeria a pena, pois não voltaríamos ali, justificamos.

Após alguns goles resolvi andar um pouco ao redor da ilha. Sentimentos de quem lera a Ilha Perdida no ensino fundamental. Cheguei a um ponto cheio de pedras, eram pedras lisas e porosas, muitas pedras. Sabia que não deveria levar nenhuma dali por uma questão ambiental. Peguei uma delas, senti sua textura, peso e temperatura. Seria justo levá-la? Aqui não estava mais em jogo o ambiente, mas o fato de retirar algo de seu habitat natural, separar de seus iguais. Ela poderia sentir-se deslocada, infeliz por deixar o mar que a cada cinco ou seis segundos a banhava para, em minha casa e por meu capricho, virar suporte de papel.

Permaneci por algum tempo lutando com meus sentimentos de deslocamento. Até que um raciocínio prevaleceu. Eu levaria duas pedras para que uma fizesse companhia à outra. Estas pedras e o sentimento de culpa que eu desenvolvera por havê-las retirado de sua origem me obrigariam a voltar em outro momento e devolvê-las. Seria uma espécie de compromisso. Como e onde estaria eu dali a alguns anos? Não havia eu também me deslocado a tantos outros lugares e voltado às minhas origens?

Recolhi uma grande e outra pequena, numa espécie de filiação, irmandade, forte e fraco, algo assim. Vieram aconchegadas em minha mochila nova. E desde então estão sobre minha escrivaninha. Já voltei à Paraty duas vezes após esta viagem e não tive coragem de levá-las. Pensava que não teria mais o direito de deslocá-las novamente, pois poderia acontecer de suas iguais não estarem mais lá, seja porque aos poucos as ondas do mar as conduziram a outras partes da ilha, seja porque o dono do bar resolvera expandir seu negócio.

Ao ver a pedra menor debaixo da minha estante de livros, compreendi que elas haviam me seduzido naquele dia, porque desejavam conhecer outros tipos de mares. E, agora eu tinha a obrigação de deslocá-las para que continuassem sua viagem e quando fosse o momento certo voltassem à sua origem, não necessariamente por minhas mãos. A menor deveria ir primeiro, não porque tivesse preferência, mas porque já sabia para onde queria ir.






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