- Vamos? - dizia com um sotaque arrastado que ainda posso ouvir e me arrependo de nunca haver gravado.
- Aonde, vó? - perguntava feliz.
- Ao terço, vamos rezar o terço na casa da dona Rosa. Precisamos rezar - completava enquanto guardava os óculos e o terço na carteira. Tinha um jeito todo próprio. Ela o erguia, beijava a cruz e como se fosse areia o deixava escorrer.
Confesso que aos cinco anos o terço me assustava, principalmente aquela parte onde uníssonas as vozes diziam: "Ó meu Jesus perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente aquelas que mais precisarem da vossa misericórdia". Uma cena medonha se formava em minha mente e eu me exprimia nas pernas de minha avó, praticamente embaixo do terço. Nunca aprendi a rezá-lo, mesmo vivendo no seio do catolicismo.
As senhoras todas pareciam hipnotizadas e seus rostos se revezavam entre feições de dor, delírio e sono. O Pai-Nosso e a Ave-Maria eu acompanhava, mas a Salve-Rainha e o Credo me paralisavam. Havia na Salve-Rainha algo de terror: "(...) a vós bradamos, os degredados filhos de Eva, a vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas". Um vale de lágrimas? Quantas pessoas precisariam chorar ininterruptamente para enchê-lo? Seria o mundo um vale de lágrimas? Por que gememos? Não há felicidade no mundo? Talvez minhas perguntas não fossem tão elaboradas como as escrevo, mas as ideias eram estas.
Quanto ao Credo duas passagens que intrigavam: "(...) foi crucificado, morto e sepultado, desceu à mansão dos mortos...". Haveria uma mansão para os mortos? Estaria ela embaixo da terra? Ou no inferno? Jesus passara pelo inferno?! As vozes reunidas faziam-me sentir puxada pelos pés, como se algo quisesse mostrar-me a tal mansão. Então, eu andava um pouco e logo minha avó me lançava um olhar para que eu permanecesse no mesmo lugar.
A outra parte consistia na profissão de fé: "(...) creio na comunhão dos santos, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém". A ressurreição da carne me apavorava. Zumbis levantando-se dos túmulos eu via. E a vida eterna? Viver para sempre? Seria muito triste e cansativo, não, um dia eu quereria morrer.
Ao término do transe todas beijavam seus terços e os depositavam na carteira. Passavam então a outro ritual que consistia em sentar-se, tomar café, comer um pedaço de bolo de fubá ou similar, o qual era insistentemente elogiado pelas rezadeiras e, outro falatório se iniciava agora desordenado, atropelado, ora com risadas, ora com exclamações de surpresa. Quanto à mim, estava sempre às voltas das curtas e arcadas pernas de minha avó, tentando espantar o povoamento indesejado que sem permissão habitava minha mente.
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