É muito comum escutar: "Tenho um vazio no estômago" como sinônimo de "estou com fome". Costumamos inclusive brincar com tal expressão. Então comemos e nos saciamos, ou seja, completamos com alimento aquele espaço vazio que reclamava seus direitos, alguns reclamam até com sons.
Algumas pessoas comem mais do que o necessário para encher seu estômago e aos poucos se tornam obesos e infelizes. Creio que seja porque não percebem que a fome que sentem não é de comida, mas de valores como compreensão, solidariedade, misericórdia, compaixão, amizade, amor. E como vivemos numa sociedade que anseia por estes valores mas não sabe exatamente como vivê-los, elas se sentem constantemente famintas.
O estômago é um mero símbolo das nossas fomes interiores, as quais na verdade estão em nossas mentes e corações. Na adolescência eu gostava muito de escutar um grupo chamado Titãs. Eles cantavam: "Você tem fome de quê?" Sempre levei à sério esta pergunta.
O vazio do meu estômago está essencialmente nas ausências. Ausências daqueles que perdi sem explicações, fossem levados pela morte, fossem levados pela vida. Foi pensando nestas ausências que tive o ímpeto de tentar visitar uma ex-professora que se tornou uma grande amiga e lá se vão catorze anos de amizade.
Ela não estava, deveria trabalhar o dia todo. Fiquei tão feliz por não encontrá-la por este motivo que voltei para casa agradecida. Tudo porque minha querida amiga havia passado pelo menos oito destes catorze anos que nos conhecemos num processo depressivo, por causa de sua infinita fome de amor materno, de amor conjugal, filial e de um verdadeiro sentido para a sua vida.
Seu marido lhe havia abandonado e escolhido a bebida. Sua mãe nunca lhe dedicara o afeto que precisava para ser uma mulher segura e seu filho pouco a considerava, assim como seus alunos não a valorizavam. Várias foram às vezes em que minha presença forçou-a levantar-se da cama e pelo menos se sentar para conversarmos um pouco. Várias foram às vezes que a encontrei mais e mais gorda. Ela parou até de dirigir e chegou a passar necessidades financeiras.
Há uns três anos seu pai faleceu e logo em seguida sua mãe. Os meses que antecederam a segunda morte foram marcados pelo afeto e compreensão mútua, e a alma de minha amiga foi finalmente saciada. Ela me doou todas as flores e plantas do casal, o que para mim é uma honra.
Eu fiquei muito feliz ao saber que ela não estava porque hoje dedica-se à cuidar de crianças portadoras de necessidades especiais. Deixei meu recado e um forte abraço. A minha fome continua, mas há em mim uma estranha sensação de que de alguma forma todos continuam comigo.
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