O jardim estava sem cuidados há pelo menos seis meses. Um bem-estar me fez recolocar minhas roupas velhas, o boné e as meias rasgadas. Os cachorros ficaram felizes, puderam passear por todo o quintal e sentar-se exatamente sobre cada planta que eu cortava. A montanha de folhas aos poucos se transformava num brinquedo para eles.
Quando já havia terminado, guardei as ferramentas, varri o chão e chamei os cachorros. Três deles vieram e um ficou. Voltei para chamá-la, era a Tchuca, a cachorra da minha irmã caçula. Ela é pequena e toda engraçadinha. Percebendo que ela não estava muito disposta a voltar sozinha para o fundo do quintal, peguei-a no colo. Num golpe rápido ela mordeu meu braço, mas seus dentinhos não me machucaram, logo em seguida outra mordida e para que ela não pulasse de meu colo a coloquei no chão.
O que veio depois foi terrível e assustador. Minha cachorra, duas vezes maior do que a Tchuca, atacou-a, mordendo-a direto no pescoço. Foram três ou quatro minutos de profundo pânico e gritaria. Eu a puxava, batia-lhe com o meu sapato, gritava por socorro, consegui por duas vezes que a soltasse, mas uma força descomunal a fazia avançar novamente. Os olhos da Tchuca foram ficando vermelhos, ela não respirava mais, eu vi a morte em seus olhos, e eu não conseguia segurar a Luna, impedir que todo aquele ódio se manifestasse.
Quando finalmente meu cunhado e minha irmã chegaram e pegaram a Tchuca eu me sentei no chão e chorei convulsivamente. Eles não sabiam se cuidavam da cachorra ou de mim. Acabei levando duas mordidas na perna, nem sei de qual das duas, mas nada doía mais do que ver aqueles olhos quase mortos e todo ódio de minha cachorra. Depois do feito, enquanto eu chorava sentada no chão, ela veio e ficou ao meu lado, altiva, como querendo dizer que ninguém chegaria até mim.
A veterinária disse que era ataque por causa de ciúmes. O que me arrasou mais ainda. O ciúmes é um dos piores sentimentos, pois está intimamente ligado ao sentimento de posse. A criança possessiva morre de ciúmes de seus brinquedos e tem sempre na boca a frase: "É meu!" O adolescente ciumento é agressivo, e o adulto ciumento é manipulador e chantagista em suas palavras e gestos.
Ciúmes é um sentimento com o qual não sei lidar. Não luto com pessoas ciumentas, eu seria a Tchuca e teria meu pescoço devorado. Eu não sei possuir as pessoas, eu as deixo ir, não é bom pensar que se é dono de alguém. Alguns pais pensam que são donos de seus filhos, alguns maridos pensam que são donos de suas esposas e vice-versa. Isto não é amor, é posse. As pessoas matam em nome do ciúmes alegando que amavam muito, o amor liberta, não oprime.
Pode ser que uma grande maioria de pessoas se sinta bem e segura pelo fato do outro manifestar ciúmes, mas eu não sou assim, não gosto de me sentir posse de alguém. E também não gosto de sentir ciúmes, porque não quero que ninguém seja meu, quero que estejam comigo pelo simples fato de se sentirem bem ao meu lado. Tivemos que separar a Luna dos outros cachorros, o que me dói porque ela não sabe avaliar seu instinto, mas ela terá que aprender que não é a minha dona.
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