Minhas mãos estão trêmulas, meu coração acelerado e o choro convulsivo. Não é choro de tristeza, nem de alegria. É o choro que brota da consciência de que Deus sempre esteve ao meu lado, cuidando de mim. É tão explícito que não tem como não chorar, é gritante.
Meu Anjo está prestes a terminar sua preparação para se tornar Arcanjo. Desde que aceitara o convite divino e iniciara o processo de desapego para comigo, desejoso de que eu aprenda a caminhar sozinha, tive vários momentos de desespero, nos quais me senti perdida, sufocando e com medo. Quando estava quase para ruir ele dava um jeito e pedia a Deus uma pausa para me ver.
Ontem meu Anjo veio à mim pois sabia que eu precisava. Me tomou pelo braço e me conduziu a um pátio, o pátio de uma catedral, se distanciou e me perguntou: "Você reconhece este lugar?" Olhei ao redor e lhe respondi: "Sim, eu reconheço, quando tinha 17 anos estive aqui com um grupo de três amigos, passeamos pelo calçadão, compramos sorvete, pois estava uma tarde muito agradável e nos sentamos ali, daquele lado da igreja para tomar nosso sorvete. Depois, um a um, três mendigos se aproximaram de mim, somente de mim e me pediram um pedaço do meu sorvete. Foram dois homens e uma mulher. Eu fiquei brava, porque eles não pediram o dos outros. Esta experiência norteou minha decisão de sair de casa, eu julguei ter sido chamada por Deus para dividir minha vida com os mais necessitados, mas hoje, acho que me equivoquei".
Olhava-me com ternura esperando que eu continuasse. "Hoje só tenho más lembranças, dores e confusões. Sinto-me como se minha vida ainda estivesse amarrada e por mais que eu caminhe, a mesma história está diante de mim, com personagens diferentes, mas é a mesma história. Tanto tempo se passou e parece que foi ontem. Vejo meu rosto envelhecendo, meu corpo perdendo as forças e sinto-me como se ainda tivesse 24 anos, como se estivesse congelada naquele dia fatídico".
Calmamente, pegou-me pela mão e nos sentamos num banco da praça. Olhou para o céu e me disse: "As pessoas não entendem o que lhes sai da razão e da lógica das coisas, dos padrões estabelecidos pelas culturas, por isso não conseguem perceber que os anjos andam entre elas. Determinam quem pode cuidar de quem, quem pode completar quem, a quem é permitido amar. E deixam de perceber que em meio às pessoas estão os anjos de Deus e se preocupam mais em temer os anjos das trevas, em afastar-se e proteger-se deles. Fazem isto com tanto afinco, que não podem enxergar a ação de Deus, não porque sejam maus, mas porque têm medo e principalmente porque os anjos das trevas sabem se disfarçar de anjos de luz. Mas para quem é atento e já fez a experiência com seu anjo, não se deixará enganar".
Eu tentava entender suas palavras que me caiam mansas no coração, mas as coisas ainda não estavam claras para mim. Sem que eu esperasse pediu para que eu fechasse meus olhos e lhe dissesse o que estava vendo. Obedeci, sempre obedeço meu anjo, me sinto segura com suas orientações. Fechei os olhos, respirei fundo e então uma imagem se formou em minha mente. Eu estava novamente naquele jardim, na casa de onde minha vida congelara aos 24 anos. Havia uma densa sombra que ofuscava o rosto das pessoas, mas eu podia identificá-las, estavam velhas e doentes. Seus corpos encurvados pelo tempo moviam-se com pesar. Elas passavam ao meu lado e não me viam. Perguntei-lhe: "Por que elas não me vêm se quase esbarram em mim?" Olhando-me com compaixão, respondeu: "Porque assim como você em suas memórias ainda as vê novas e vigorosas, elas só te enxergam menina, jovem e cheia de sonhos".
Mais ao fundo, à sombra da frondosa flamboyan que eu vi plantar, estava a mais velha com os olhos fechados como sempre a via fazer, em postura de meditação. Disse-lhe a meu anjo: "Eu sempre desejava saber no que ela pensava quando se colocava assim parecendo estar diante de Deus em pessoa". Docemente falou-me: "Olhe seu corpo e observe suas enfermidades, ela está constantemente diante de seus pecados, sonhando com que a perdoem." E, tomando minhas mãos continuou: "Você nunca esteve sozinha, quando tuas dores se tornaram insuportáveis o Senhor começou a me preparar na escola de anjos e nos teus 24 anos, quando você saiu por aquele portão, eu estava no meu terceiro mês de preparação. Eu não sabia que seria você, pois fazia parte da minha missão te identificar pela ordem do meu coração. Tuas escolhas por mais aleatórias que você pense que foram, te conduziram a mim e eu a você. Nós nos reconhecemos e desde então nos cuidamos, e pelo êxito de nossa história eu me tornarei arcanjo no vigésimo segundo dia". Nos abraçamos e lhe perguntei: "E eu?" Com imenso amor na voz me respondeu: "Você está prestes a descobrir, tudo ficará claro, tudo fará sentido, mas antes você precisa sentar ao seu lado e dizer-lhe que a perdoa, ela está te esperando". Com lágrimas no olhos ainda lhe perguntei: "Nós não nos veremos mais?" E abraçando-me novamente me disse: "Nós nunca nos separaremos, porque o que nos uniu está acima de nós, ver-nos é apenas uma das formas de nos reconhecermos". Então o meu coração finalmente se acalmou.
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