Gosto muito das férias, mas ultimamente me incomoda o fato de facilmente eu trocar a noite pelo dia. O organismo fica desregulado e a idade me diz para tomar certos cuidados. De qualquer maneira, meus sonhos têm sido muito intensos estes dias, tenho sonhado com uma antiga vida que tive. Em meu sonho eu estou ali novamente, com aquelas pessoas, naquele ambiente, mesmo sabendo que eu não pertenço mais àquela realidade. Esta noite e manhã acordei diversas vezes e ao voltar a dormir o mesmo sonho continuava. Passei o dia me perguntando o que isto significaria.
Mesmo me perguntando, tentando fazer associações com fatos do passado e do presente, não cheguei a nenhuma conclusão, nem resposta. Passei o dia entre afazeres domésticos e alguns prazeres como organizar gavetas, cds, separar coisas para jogar na reciclagem, tocar cajón acompanhando as músicas dos anos 90 e ver se alguém deixou mensagem no facebook.
Enquanto eu organizava os objetos do rack da sala, me lembrei de quando minha mãe me mandava limpar a estante que ficava exatamente onde está o rack, e eu tirava tudo de dentro, analisava objeto por objeto, separava, organizava tudo e somente depois tirava o pó. Ela ficava muito nervosa com minha atitude e dizia que eu estava enrolando para não fazer o serviço, às vezes se aproximava e com violência jogava tudo dentro da estante e me mandava fazer outra coisa.
Eu não mudei por causa disso, continuo agindo da mesma forma, porque eu não estou fugindo do serviço. Trata-se de uma dinâmica de busca de certezas para tomadas de decisões. Ao arrumar uma gaveta eu estou arrumando meu próprio interior. Ao separar os objetos eu me conscientizo da existência das coisas e seu real estado de uso. Me pergunto porque obtive aquilo, qual era sua finalidade em minha vida, se ainda hoje tem serventia e, se deve voltar para a gaveta numa outra disposição ou se deve ser doado ou ainda reciclado. São pequenas decisões. Quando a dúvida é maior do que a certeza sobre me desfazer então eu guardo novamente e me dou um prazo, se em seis meses não voltar a usar aquela roupa ou objeto, então ele deve ir para que sobre espaço para o novo que virá, porque o novo sempre vem. Os objetos de valor sentimental são os que mais geram dúvidas, mesmo sendo uma pedrinha ou um cartão.
Pode ser que todos estes sonhos seja o meu inconsciente arrumando as gavetas, reorganizando os fatos, arrumando o depósito. O que há de fascinante nestes sonhos é que mesmo eu estando ali, eu sei que não pertenço mais aquele lugar, eu sei que não queria estar ali, não há mais nenhuma dúvida. Foram muitos anos carregando incertezas e dúvidas, mas agora estou livre, absolutamente certa de que eu não queria estar ali.
Quando eu era adolescente olhava pela janela da sala e via alguns pinheiros, então eu me perguntava onde eu estaria dali a alguns anos, hoje vejo os mesmos pinheiros, mais altos e mais robustos. Eu fui, andei, andei e voltei, agora estou prestes a sair novamente, a diferença é que agora eu sei para onde vou. Não tenho mais dúvida, vou para a minha casa.
Eu não sei quais são as dúvidas do coração das pessoas, eu sei das minhas, das que tive e hoje não as tenho, das que aos poucos surgem e que muitas ainda virão, mas sei que todos temos dúvidas. E isto não é bom nem ruim, é um movimento humano necessário para nossa sobrevivência e também nossa auto-preservação. A dúvida é o primeiro passo para se construir a confiança.
Ultimamente tenho feito como Descartes, me isolado para buscar respostas utilizando o método da dúvida metódica, mas assim como a única certeza à qual Descartes chegou, eu também chego: não é possível ter certeza de nada, nem de que o mundo existe, daí, o que nos resta é "penso, logo existo".
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