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quinta-feira, 7 de março de 2013

A colcha e o contrato

        Faz uma semana que eu queria escrever sobre minha colcha de retalhos e acontece algo que me leva a outro tema. Eu queria contar que sempre tive vontade de ter uma colcha de retalhos feita por mim. E que há uns quinze dias minha mãe apareceu aqui em casa com dois sacos enormes de retalhos de pano de sofá, de diversas cores e tamanhos, mas hoje aconteceu algo que me desviou novamente do assunto.
 
        Eu estava no trabalho, prestes a sair, quando tocou o celular e era meu tio. Ele queria que eu passasse na casa de uma tia que não vejo há muito tempo para pegar um contrato. Coisas de herança familiar. Aliás, esta palavra é engraçada para mim pois a única coisa que herdei até hoje foi o gênio ruim da família do meu pai, como costuma dizer minha avó materna. Enfim, ele queria que eu pegasse o contrato e o levasse para reconhecer firma de minha assinatura. Eu disse que iria.
 
        Se não fosse por este contratempo eu poderia contar que dos panos de retalho que minha mãe trouxe eu cortei sessenta e quatro retângulos do tamanho de uma folha de sulfite e os separei em montes de oito, com as estampas que eu queria, enquanto minha mãe os costurava. Mas o contrato tem mais urgência.
 
        Parei diante daquela casa onde em quarenta anos eu só havia entrado umas cinco ou seis vezes e em nenhuma delas me serviram sequer um copo de água. Apertei a campainha e já estava preparada para receber o documento e ir embora quando ela me convidou para entrar. "Não tia, obrigada, tenho que ir e sei que você tem compromisso na igreja daqui a pouco." "Entra, vamos", insistiu. Este repentino convite me roubou a atenção e se não fosse por isto eu poderia contar que na noite em que cortei os retalhos eu também aprendi a costurar - um pouquinho - mas aprendi e costurei várias peças.
 
        Entrei e nos sentamos no sofá. "Aí era o lugarzinho preferido do teu tio". Senti-me um pouco estranha. Teria eu herdado até os gostos da família do meu pai? E então ela destrambelhou a falar, um assunto engatado no outro, sem pausa, sem que eu conseguisse interagir com a voz, me restava apenas algumas leves expressões faciais que eu teimava em fazer para não começar a divagar.

        Ela é hipocondríaca e me falou de seu problema no joelho, da tireóide, da ferida no estômago, das pedras no rim e dos desmaios que agora estão mais frequentes. Pensei que poderia estar em casa jantando e depois me preparando para contar que a colcha ficou pronta no dia seguinte e eu decidi que só a colocaria na cama após pintar e reorganizar o meu quarto.

        Seus suspirosos comentários sobre o amor que ela tinha por meu tio me fazia pensar se eram reais ou apenas projeção de uma vida absurdamente resignada, onde mulher só serve para mesa e cama. Achei melhor acreditar já que por diversas vezes seus olhos se encheram de lágrimas. Que engraçado, minha história com esta mulher é como a minha colcha, só tenho alguns pedaços de poucas histórias: uma passagem de ano, um Natal, aniversário da avó, coisas sem muita significância, se é que existe tal palavra.

        Eu queria ir embora, minha cabeça rodopiava e eu já nem sabia mais do que ela falava. Foi quando a campainha tocou e imediatamente me levantei dizendo: "Vou embora, tia. Aproveito que você vai até o portão". "Não vá!", me disse quase implorando. Senti pena, pensei que ela se sentia sozinha sendo agora viúva, mas eu seria apenas um breve consolo. Então ela me disse toda contente: "Eu me lembro de quando você era pequenininha". Meu coração bateu mais forte, pois eu ouviria pela primeira vez uma história sobre mim de um ponto de vista totalmente novo. Ela continou: "Me lembro que você não gostava muito de andar, então sua mãe fazia assim - imitou um chute de bola - e dizia: "Anda filha de um burro!"

        Eu realmente preferiria contar que quase terminei de reformar o quarto, só falta pintar a janela, o que farei tão logo, para que eu possa me debruçar e ver os pássaros que habitam a árvore logo à frente, buscando novos horizontes e um futuro, já que passado, seja qual for o ângulo, sempre se confirma. Quanto à minha colcha, está linda sobre minha cama e esta semana minha terapeuta me deixou como lição de casa me deitar sobre ela.


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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