Voltava do trabalho pensando em ligar para minha fada madrinha e lhe pedir alguns conselhos. Conselhos não, eu queria que ela me dissesse o que mais tenho de incômodo. Como sei que fada madrinha é educada, eu sabia que ela me diria a verdade, e melhor, de uma maneira educada e gentil.
"Você está muito rabugenta!" Foi o que ela me disse, sem dó nem piedade. Talvez com certa piedade. Ela nem usou o verbo ser. Eu agradeci, pois mesmo sem ainda lhe haver perguntado, ela com suas antenas radioativas ligadas, me respondeu. Creio que seja porque minha rabugice está transbordando pelos poros.
Decidi suar um pouco o corpo sozinha, já que meu namorado não estava comigo, e subi numa escada bem alta com uma tesoura de aparar plantas. A trepadeira já havia feito a curva do muro e incomodava os olhos da vizinha. Cortei, cortei e enquanto cortava, vários pensamentos ocupavam minha mente em ritmo alucinante. "Por que não fazer isto ou aquilo? Isso não, é melhor aquilo. Por que me sinto assim e não assado? O que eu quero da minha vida? Nossa, esses pensamentos são adolescentes, mas eu já não cresci?" E assim foram, um atropelando o outro.
A neblina e a garoa chegaram logo, densas e intensas, então me lembrei que não lhe havia recomendado levar o guarda-chuva para sua aula de encantamentos. Fadas madrinhas também ficam gripadas.
Consegui cortar metade do que precisava e intuitivamente guardei minhas ferramentas, tempo suficiente para cair uma chuvarada. Decidi que deveria me entregar, a que deus mesmo? Qual é o deus ou deusa dos afazeres domésticos? É mesmo! Eu havia me esquecido, não há um deus ou deusa para afazeres domésticos, pois foi satanás quem os intentou. Eu teria que passar minha noite debruçada numa tábua de passar, pois bem, assim seja.
Mesmo que eu me entregue às obrigações satânicas como lavar, passar, cozinhar e limpar a casa, minha cabeça permanece no limbo, passeando pelos recônditos mofados da minha consciência. Havendo a esperança de um dia eu alcançar o céu.
Estava eu pensando sobre minhas mazelas quando finalmente percebi que sou portadora de uma síndrome que começou na adolescência: a síndrome Raúl Seixas. Sim, esta síndrome existe, só não foi ainda catalogada pelos psiquiatras e psicólogos, mas vou sugerir à minha terapeuta que elabore a teoria. Aliás, acho que os pais não deveriam deixar seus filhos escutá-lo, já que uma vez adquirida a síndrome ela se torna crônica.
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