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sábado, 9 de março de 2013

O rosto

        Ao levantar o rosto me deparei com uma mulher de meia idade. O rosto mais arredondado e cheio, marcas de expressão, pálpebras caídas e meio sorriso. O espelho não mentia, muitos anos se passaram desde quando eu me media pelo que alcançava ver. Primeiro o rosto, depois os ombros e finalmente os peitos. Eu crescera.
 
        Por onde passearam estes anos de minha vida? Queria poder entrar num trem panorâmico e passar por algumas estações para rever-me. Assistir de longe minha atuação no cenário da vida. Queria poder escutar as respostas que dei para as situações mais difíceis e perceber se o mais importante foi a palavra ou tom da voz.
 
        Eu a amava tanto e queria saber exatamente onde foi que tudo se quebrou. Talvez nem tenha sido de uma vez, mas aos poucos. Recordo que estávamos deitadas no sofá verde em nossa humilde cozinha e eu, aos cinco anos, a beijava intensamente passando as mãos sobre seus cabelos dizendo: "Mãe, você é tão bonita". Ela sorrindo me perguntou: "Quando eu estiver velhinha você vai me abraçar e beijar assim?" Não respondi. Eu sabia que não, mas não tive coragem de lhe dizer.
 
        Não sei como eu sabia e tal pensamento por muito tempo me acompanhou. Seria falta de amor de minha parte? Não, não pode ser. Um amor tão grande não muda da noite para o dia e nem se apaga pelo correr do relógio biológico. Um amor tão grande só acaba se for abandonado, pouco a pouco, assim como se abandona uma planta sem água e sem adubo.
 
        Ela não encontrou forças para cultivá-lo e ainda exigiu o que não me havia dado e eu não tive como devolver. Nossa pobre relação se baseia na cobrança. Na cobrança de um tempo que não volta mais, na cobrança de um amor que não se cultivou, de um afeto não partilhado. Tenho pena de minha mãe por haver disperdiçado sua chance de ser mais feliz, mais amada, mais querida.
 
        O espelho me diz que tudo o que sou vem do pouco de cada um que cruzou a minha história, de pedaços de amores - como os pedaços de retalho da minha colcha - que foram deixados estampados na minha pele e no meu peito. Meus valores e meu caráter foi esculpido pelos tropeços da vida e a ternura que eu pensara não ter mais, tem se mostrado de mansinho, pouco a pouco. Quem sabe um dia o espelho me fará novamente sorrir para o rosto que eu contemplava aos cinco anos.
 

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