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segunda-feira, 4 de março de 2013

Sócrates e a menina

        Sócrates passeava pelos jardins da acrópole quando viu uma menina seguindo-o. Caminhou por um tempo tentando ignorá-la, até que se cansou e voltando-se bruscamente ralhou: "O que você quer menina? Pare de me seguir". A menina, que não era de se deixar abalar, respondeu: "Mestre, eu quero teus ensinamentos". Considerando seu desejo uma afronta, respondeu: "Eu não perco tempo com ninfetas, meus ensinamentos são para os mancebos. Mulheres foram feitas para servir ao templo e não para as ideias". E dando-lhe as costas continuou sua caminhada.
 
        A menina percebeu que seu ídolo era também um homem de sua época, preconceituoso e prepotente. Mesmo assim, seu desejo de saber a impulsionou e o alcançou correndo. Caminhando a seu lado lhe perguntou: "Mestre, as mulheres só podem servir ao templo? E às artes?" Sem parar de caminhar e sem nem sequer olhá-la respondeu: "As artes são para os sábios e sensíveis. Aos filhos de Dionísio e Apolo lhes foram dado o dom da representação e a nenhuma mulher". "Mas as mulheres representam muito bem, veja quando estão com seus maridos". "As mulheres não representam, elas são ardilosas e enganadoras". "Mas o teatro não é senão a arte do engano?"
 
        Sentindo-se ofendido o velho mestre parou e voltando-se para a menina com o dedo em riste proferiu suas mais duras palavras: "O teatro não é a arte do engano. Os atores são possuidos pelo espírito de Dionísio e Apolo. Entregam-se às suas invocações e expressão seus desejos mais intensos". Baixando os olhos e com a voz um pouco embargada a menina contestou: "Eu vi a representação dos filhos de Dionísio e Apolo, camuflada. O que vi foram pessoas entregues aos seus vícios e instintos. Isto não pode ser representação. Os desejos dos deuses não pode ser superior a nossa consciência".
 
        Percebendo que a menina não desistiria de suas ideias, Sócrates sentou-se sobre uma pedra à sombra de uma velha figueira e mais calmamente perguntou: "O que você deseja, menina?" Expressando alegria sentou-se sobre a grama a seus pés e disse emocionada: "Eu quero representar". "Mulheres não representam, mas se por algum motivo enlouquecedor, lhe fosse permitido o que você desejaria representar?" Olhando para o céu e invocando seus sonhos mais secretos, disse: "Eu representaria tudo o que fizesse sentido à existência de alguém". "Mas assim você faria o que desejasse sem importar-se com a inspiração dos deuses". "Eu me importaria sim, mas sem assumir seus vícios. Eu construiria os personagens e não o contrário, pois se eu me perder só poderei representar um papel todas às vezes. E mantendo a minha sobriedade e consciência eu poderei ser várias".
 
        Sócrates admirou-se da inteligência a astúcia da menina e pensou que ela realmente tivesse razão, pois os atores que conhecia haviam se tornado pessoas envaidecidas e mesmo fora da arena viviam como se fossem semi-deuses. Possuiam estranhas maneiras e não raras vezes temiam as pessoas comuns. "Vou te apresentar na arena menina, e veremos o que fará, sabendo que a você não será permitido entregar-se aos rituais de dionísio, nem vinho, nem ópio, nada te será dado e vejamos como atuará". Levantando-se disposta e feliz, respondeu: "É tudo o que eu desejo".

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