Do cosmopolitismo das moneras...
Polipo de recônditas reentrâncias.
(...)
Então, do meu espírito, em segredo,
Se escapa, dentre as tênebras, muito alto,
Na síntese acrobática de um salto
O espectro angulosíssimo do medo!
(...)
Larva do cáos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
(...)
E eu, roído pelos medos,
Batia com o pentágono dos dedos
Sobre um fundo hipotético de chagas.
(...)
Diabólica, dinâmica, daninha,
Oprimia meu cérebro indefeso,
Com a força onerosíssima de um peso
Que eu não sabia mesmo de onde vinha.
(...)
O vulcão da bioquímica fogueira
Destrui-me todo o orgânico fastígio...
Dá-me asas, pois, para o último remígio,
Dai-me alma, pois, para a hora derradeira!
(...)
Os meus átomos se ufanam
De pertencer-te, ó Dor, ancoradouro
Dos desgraçados...
(...)
Chorei bilhões de vezes, com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
(Augusto dos Anjos)
Dos vários poetas que estudei na faculdade, recordo-me de Augusto dos Anjos. Chamou-me a atenção tal poeta por haver ele escrito apenas uma obra: "Eu". Recordo-me de minha amadíssima professora nos explicar que seu livro ficara esquecido por um bom tempo e, que depois, como é comum acontecer, fora encontrado e valorizado. Tantos poetas escreveram e escrevem sobre o Eu, mas Augusto dos Santos de alguma maneira escrevera o que nenhum outro escreveu. Sua visão bioquímica da vida me reporta a mim.
Disse-me a doutora: "Você está no climatério". Oras, o que é o climatério senão uma fase de transição entre a vida fértil e a infértil? Aceitar que minha capacidade biológica de gerar está acabando, que ninguém sentará em meu colo, se alimentará de meu leite, dormirá em meus braços e me procurará quando estiver com medo do escuro. Aceitar que as escolhas que fiz sempre foram as mais corretas e não me torturar. Conseguir olhar o filho de outrem e não desejar que fosse meu e saber ocupar o lugar correto na vida dos filhos dos outros para não me confundir nem confundi-los.
Tarefa árdua para mim, "Eu, filho do carbono e do amoníaco", como dizia o poeta, assumindo toda a carga da minha decisão, toda a responsabilidade das minhas escolhas. Onde está a receita? Quais e quantos de cada elemento bioquímico meu terá que reagir para conviver bem com esta realidade?
Passo a pensar que este seja o foco maior deste turbilhão, desta centrífuga na qual me encontro. Uma avalanche de hormônios decidindo qual ficará no comando daqui para a frente e qual terá que ceder. Numa ponta da balança da vida estou eu despedindo-me de minha fertilidade e na outra está você descobrindo e começando a pensar na tua. E cá estamos nós neste jogo da busca do equilíbrio.
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