"Tem gente que tem uma luz que brilha para os outros, acho que umas estiveram num túnel e a única luz que tinham tava dentro delas. E aí, mesmo depois de ter escapado do tal túnel, elas ainda brilham pra todo mundo". (Trecho do filme Preciosa - uma história de esperança)
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Ontem a noite decidi fazer uma limpeza numas pastas de documentos: contas de água, de luz, recibos velhos, toda essa papelada amarelada que a sociedade nos ensina a guardar como garantia de nossos atos. Se eu não guardar a conta de luz paga, como comprovarei que não devo para a Eletropaulo? Mas por que tenho que comprovar se eu já paguei? Eles deveriam saber, eles também ficaram com um comprovante.
Numa das pastas encontrei minha certidão de casamento - 15/06/2001 - eu não me lembrava desta data. Li o documento e comprovei que nada do que estava escrito garantiu nossos sentimentos. Ter aquele papel com timbres, carimbos e assinaturas não impediu que nosso suposto amor acabasse, nem as nossas fotografias, nem os presentes que trocamos, nem os bens que compramos. Nada garantiu ou contribuiu para que continuássemos juntos. Eu teria completado hoje 12 anos de casada. Teria. Verbo no condicional, sob condição de algo. E quais teriam sido as condições? O dia a dia me mostrou cada uma delas e eu não pude suportar.
Durante uns três anos eu tinha vergonha de dizer a palavra divorciada, achava que separada era menos pior. Achava que separada era mais leve porque em algum momento poderia voltar, mas divorciada me dava a sensação de finitude, nunca mais. Sei que algumas pessoas se divorciam e depois se casam novamente, mas é outro casamento, não o mesmo. O divórcio coloca um ponto final.
Eu não queria voltar, é que para mim a palavra divorciada vinha acompanhada de um parêntesis: "fracassada". Com o tempo passei a perceber que tal pensamento era, no fundo, um preconceito de mim comigo mesma. Eu não via as outras pessoas assim, por que então eu me tratava assim? Excesso de auto-exigência.
Hoje isso não me incomoda mais. Eu passei a existir depois do divórcio. Tive que conquistar crédito na praça, passar no estágio probatório, reformar uma casa, construir um jardim, abrir espaços para acolher minhas irmãs. Aprender a me distanciar o suficiente de minha mãe para ela não devorar meu cérebro, adquirir respeito profissional, conquistar o coração de outro homem e cuidar de uma menina como se cuidasse de mim mesma menina.
Eu sinto que algo novo está para acontecer, não sei o que é, e nem quero pensar no que seja. Só sei que todos estes acontecimentos foram para mim uma nova escola, sem diretor, foi o túnel que tive que passar no escuro, somente com a minha luz interior, que várias vezes quase apagou. Logo que me separei fui numa excursão com alunos ao Petar e uma das aventuras foi andar numa caverna com a lanterna apagada e em silêncio para conseguir ouvir os passos dos outros e não derrubá-los. Foi a metáfora do meu momento de vida. E este ano tem sido como aquele em que o estilingue é puxado para trás a fim de pegar impulso.
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