"Mesmo que fazê-lo te fosse necessário e vital neste momento, você não o faria por não querer me magoar, então eu fiz. Agora deixemos fluir por respeito ao teu momento e acima de tudo para que você o perceba como um gesto de ternura". (LCP)
Já lhes contei a história de como Deus escolheu meu anjo e que mesmo sendo ele um anjo novato, o Senhor lhe concedeu a árdua tarefa de me acompanhar. Agora vou lhes contar como meu Anjo foi ascendido a Arcanjo.
Um dia, quando parecia que tudo estava de cabeça para baixo, o Senhor lhe chamou e perguntou: "Você está pronto para se tornar arcanjo?" Assustado, pois não esperava pela pergunta, o anjo respondeu: "Senhor, eu não tenho certeza, sou ainda tão jovem e a pouco recebi uma missão, como poderia eu saber se já estou pronto?" O Senhor, olhando profundamente em seus olhos o amou, Ele já sabia a resposta, mas como é um Deus que respeita a liberdade de suas criaturas, respondeu: "Pense a respeito e volte com a resposta, lembre-se de que aqui não existe tempo". O anjo saiu pensativo.
Como já convivíamos a tempos, percebi que algo lhe inquietava. Então arrisquei perguntar: "O que você tem? Sinto como se você desejasse mais espaço e às vezes tenho a sensação de que tua alegria não é mais a mesma quando está comigo". Como anjos não estão acostumados a compartilhar seus questionamentos com meros mortais, recolheu-se deixando-me sem resposta.
Alguns dias se passaram e eu, pobre mortal presa ao tempo, matutei cada minuto, cada hora destes dias. Até que quando eu menos esperava ele apareceu e resolveu explicar-me. "O Senhor quer ascender-me a arcanjo e me perguntou se estou pronto, mas eu não sei. Tenho vontade de dizer que sim, mas ao mesmo tempo...". Sentados um ao lado do outro eu podia sentir seu calor, sua respiração e seu perfume angelical. Meu coração doeu, dor física, no canto inferior direito. Percebi que sua resposta estava diretamente vinculada à minha presença em sua vida. Duas forças começaram a dançar ao redor de mim: uma dizendo que eu deveria liberá-lo para que recebesse sua ascensão e me acostumar com a sua raríssima presença; outra dizendo que eu deveria exigir-lhe que ficasse ao meu lado, que era meu anjo, que lhe precisava absurdamente.
O chão parecia mover-se sob meus pés. Pensei que eu deveria ter uma conversinha com o Senhor e dizer-lhes umas poucas e boas. Por que justamente o meu anjo ele havia escolhido para ascender? Por que permitiu todo esse processo de confiança, galgado dia a dia, apurado pelo fogo das dificuldades fosse agora transformado em lembranças? Não me sobraria nada. O Senhor deveria escutar que isto não era justo, aliás, a maioria de nós, pobres diabos, não entendemos esta tal de justiça divina. Mas meu anjo me havia ensinado a respirar nos momentos difíceis e eu, muda, respirava e ouvia a melodia de sua voz narrando-me seus anseios em ascender, em assumir seu lugar no corpo celestial e carregar a espada da justiça. Sim, o Senhor lhe ascenderia a Arcanjo da Justiça Familiar.
As vozes se confundiam em minha cabeça. Eu queria correr, correr até que tudo se apagasse de minha memória, mas isto não seria possível, pois a qualquer lugar que eu fosse, este sentimento me acompanharia. A razão prevaleceu: "Você deve dizer ao Senhor que está pronto e se tornar um arcanjo, é isto o que teu coração pede e você sabe que fará bem este papel. Não se preocupe comigo, eu ficarei bem". Desejava transmitir-lhe confiança, segurança, pois fora exatamente isso que ele me ensinara a sentir, mesmo que naquele momento estivesse difícil ou quase impossível fazê-lo.
"Eu terei muitas obrigações", sussurrou. Eu sabia o que queria dizer. Um arcanjo não pode dar tanta atenção ao seu protegido como o anjo. Eu temia que aos poucos eu me tornasse apenas uma lembrança, apenas alguém de seu passado presa numa imagem estática. Nada e ninguém poderia me garantir o contrário, muitas forças ocultas lutavam para que isto acontecesse. Um terror gélido percorria minha espinha. Eu respirava fundo como me havia ensinado e buscava dentro de mim forças para não segurar-lhe contra meu peito e dizer não vá, fica comigo, a tua presença me faz eu me sentir viva.
Eu não conseguia saber o que ele sentia, mas eu desejava que se sentisse capaz e livre para ascender. Então ele se foi e se apresentou diante do Senhor para o treinamento dos arcanjos. Desde este dia, assim como outros difíceis, tenho depositado meus sentimentos no "baú das emoções". Retiro-as de mim e as coloco aqui para que eu possa olhá-las e compreendê-las. São emoções puras, na intensidade de suas sensações e que não podem nem devem ser consideradas pela lógica. Ao olhá-las é preciso cuidar para não se envolver. Eu sei que à medida que meu anjo tiver uma folga do treinamento, quererá olhar o baú, ele me motivou a abri-lo e desde que o fizera uma profusão de histórias tem acontecido, assim posso aliviar-me um pouco da enxurrada de pensamentos que povoam minha mente. Não sei se isso lhe fará bem, pois em algum momento poderá pensar que eu estou infeliz ou que me fizera sofrer. Não é este o caso, eu estou relendo, e portanto revivendo todas as minhas perdas, despedidas e ausências. Eu estou vivendo o outono.
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