"O homem vence principalmente nas suas derrotas: em face do absurdo reencontra o sentido, no seu fracasso redescobre a sua responsabilidade, na morte triunfa definitivamente sobre sua cisão". (Logoterapia) Biografia de Viktor E. Frankl
Creio que mais ou menos há um mês iniciei um processo que denominei desapego, como pretendo me mudar para um espaço menor, decidi separar alguns objetos para vender ou doar. Comecei pelos meus livros, separei vários e fui até um sebo, mas não os vendi. Achei ofensiva a oferta dada por tantos anos de estudos e saberes, então, como sempre faço, preferi doá-los. Separei-os carinhosamente por área e pensei nas pessoas a quem pudesse presentear. Reli alguns e outros li, pois por algum motivo não os havia lido ainda, apesar de tê-los faz anos.
Este processo revirou novamente meu quarto que já estava arrumado após pintura das paredes e janela. Tudo está de pernas para o ar, porque agora tenho que liberar os espaços internos dos móveis, pois quando eu me mudar, certamente terei móveis menores. Nestas releituras e leituras me deparei com o título: "Psicologia Espiritual" de Elisabeth Lukas, psicoterapeuta da linha de Viktor E. Frankl, criador da Logoterapia. E entendi que este era o momento certo de sua leitura.
A ânsia por relatar todos os aspectos levantados em minhas reflexões, da sua leitura, quase me paralisa. Há uma agitação interior que exige ordenar e concatenar as ideais para se sejam compreendidas por quem as ler. Mas o foco principal encontra-se no que a Logoterapia propõe: a busca do sentido.
Passei muitos anos de minha vida relacionando fatos e memórias passadas na busca de compreender meu "eu atual". Consegui, fosse sozinha, fosse acompanhada por um terapeuta, relacionar minhas dificuldades atuais com fatos do passado, mas nada disso mudou minha maneira de ser, ou amenizou meu sofrimento de maneira efetiva. Disse esta semana à minha terapeuta: "Eu já analisei os mesmos fatos dezenas de vezes, por vários ângulos e cada hora encontro algo diferente. Até quando me manterei nesta dinâmica?" Neste livro descobri que ao revolver nossas memórias e fixar nos sofrimentos, nos momentos ruins, em meu caso, no abandono materno, criamos um novo sulco de memórias que se fixam em demasiado e permanece com muito mais intensidade do que outras memórias. Isto foi comprovado por alguns testes, os quais seriam cansativos explicar aqui. Também lhe disse: "Por mais que eu analise, não encontro em minha história o momento onde fui desejada, minha concepção aconteceu em situações adversas, etc, etc". Ela nada respondeu, apenas insistiu em que já sofri demais e que se minha índole não fosse boa eu teria surtado e feito muito mal ao mundo.
Muitos são os fatos que desencadearam estas reflexões, mas como sou extremamente simbólica, aponto um como marco. Tenho uma amiga a quem estimo como um anjo de guarda. Nesta semana lhe fiz uma pergunta sobre um determinado comportamento que havíamos desenvolvido, eu sempre lhe desejava boa noite antes de dormir, fosse pelo celular, fosse pelo facebook. Ela havia me pedido para fazê-lo. Isto pode soar como algo natural, mas para mim esse gesto tomou a dimensão de cuidado para com seus sentimentos e aos poucos se tornou vital para mim. Também aos poucos, por forças das circunstâncias perdemos esse hábito. Esta semana lhe perguntei: "Por que você me pediu isto?" Ela olhou de lado, respirou fundo e respondeu: "Porque eu achava que era importante pra você".
Eu nunca esperava aquela resposta. Acho que dentro de mim eu queria ouvir: "Porque me fazia bem, porque eu queria me sentir cuidada por você...". E ela disse: "Porque eu achava que era importante pra você". Esta frase ficou ressoando em minha mente vários dias: "Porque eu achava que era importante pra você". Na minha concepção se ela tivesse respondido o que eu esperava, eu confirmaria seu amor por mim, mas ela respondeu: "Porque eu achava que era importante pra você".
Passou-me pela cabeça que ela havia iniciado uma dinâmica cuidadosa porque tinha pena de mim ou coisa parecida, mas aos poucos algumas lembranças foram se intensificando e o que poderia ter desencadeado um rol de pensamentos opressivos e destrutivos, foram se transfigurando no mais terno gesto de amor. Ela fez porque lhe pareceu importante para mim, e era importante, foi importante. Foi vital. E eu sei que também foi importante para ela.
Este fato desencadeou uma série de sentimentos e pensamentos sobre minha postura em relação ao outro e do outro em relação à mim. Eu também faço muitas coisas pensando que seja algo importante para ele(a), às vezes acerto e outras erro. E nesta mesma linha de raciocínio passo a pensar que "o que me fizeram" foi pensando que seria importante para mim. Se minha mãe exigiu de mim maturidade antes da hora é porque de alguma forma sabia que não poderia cuidar de mim sempre, queria que eu aprendesse a me cuidar e quanto melhor eu fizer isso hoje, mais feliz eu serei e consequentemente honrarei a educação que ela me deu e ela também poderá ser feliz.
Se eu não duvido que minha amiga me ame então como posso duvidar que minha mãe me ama?
Recebi por facebook uma mensagem lindíssima de outra amiga que acompanha meu blog, preocupada com minhas dores e conflitos, compartilhando suas experiências, suas respostas aos desafios e me encorajando a descobrir um novo sentido. Havíamos dividido o mesmo ideal de vida por alguns anos e nunca nos preocupamos em conhecer nossas dores e conflitos, agora, mesmo tão distante algo maior nos une e compartilhamos nossas vidas. Estas duas pessoas e vários outros fatos desta semana me conduzem à novas paisagens e à conscientização de que pode ter acontecido comigo o que nos é tão comum acontecer: a criação de um sulco de memória enganoso que me permitiu viver até agora, mas que não faz mais sentido algum. Há memórias suficientemente boas e cheias de significado que podem sobrepor as outras, porque eu sou livre e posso decidir a cada dia que resposta dar.
Se eu quero ser amorosa, afetuosa e gentil, não é a atitude do outro para comigo que vai definir o que serei, mas sim a minha atitude amorosa, afetuosa e gentil. Elisabeth Lukas relata o caso de uma paciente que a procurou por não conseguir se dar bem com o filho do marido, vou transcrever uma parte do diálogo: (Elisabeth) "Disse-lhe: "O que irradia de uma pessoa, suas palavras, suas ações, é determinado por ela mesma e por mais ninguém. A mesma coisa vale para a senhora também. A senhora e unicamente a senhora determinou quanta amabilidade e quanto ódio irradia da sua pessoa. Não o determina o seu amigo, nem o filho do seu amigo e muito menos os filhos do filho." "Mas se me tratam com ódio, não posso ser amável", objetou a senhora. "Pode sim", insisti, "com certeza pode. A senhora possui sem limitações a possibilidade de um comportamento amável. Ainda que cem pessoas lhe mostrassem ódio, a senhora teria a possibilidade de ser cem vezes amável e cordial. Agora, se a senhora quer isso, se a senhora escolhe isso, é uma outra questão. Se é racional, se é certo retribuir cordialidade ao ódio é ainda uma outra questão. Só chamo a atenção para a liberdade que é sua. Uma liberdade grandiosa, poderosa, a de decidir, independentemente de tudo o que vem a seu encontro, o que irradia da sua pessoa".
Uma varinha de condão na mão de uma criança pode ser deliciosamente salvífico...por isso continuo meu processo de desapego, desapego de tudo o que não corresponde às boas memórias.
O homem Viktor Frankl e a logoterapia
interessante..anjinho protetor
ResponderExcluir