Hoje acordei melhor, aliás, prefiro o verbo em espanhol, me despertei melhor. O verbo despertar me expressa melhor porque despertar é abrir os olhos, sair de uma realidade para entrar em outra, é sair do sonho ou do pesadelo.
A minha vida é cheia de dúvidas e perguntas, por isto tenho a sensação de que viverei uns 95 anos, porque aos poucos, as dicas e as respostas aparecem, num ciclo dialético evolutivo, dentro da mesma vida, o que confesso dar uma canseira danada e, por vezes, a sensação de que nada vivi além deste ciclo de perguntar e em algum momento encontrar a resposta.
Uma amiga me disse ontem: "Não é para tudo que temos uma resposta racional", mas eu sou feroz, tenho fome, tenho necessidade da resposta, é intrínseco a mim, é o meu método de reler, de reinventar, de re-significar. Pela maneira fênix como me levantei depois de me deitar cinzas, e pelas diversas vezes em que me peguei sorrindo sozinha recordando imagens, palavras e cheiros, quero acreditar que iniciei um processo diferente. Eu creio estar me curando de uma paixão, pois é, paixonite aguda do miocárdio, era só o que me faltava.
Eu não admitiria esta palavra a dois meses atrás nem por brincadeira, mas graças ao meu constante ciclo dialético, eu assumo e reconheço, porque só uma pessoa apaixonada pode sentir o que eu sentia.
A primeira vez que me apaixonei eu tinha oito anos, e foi pelo neto da minha vizinha. Eu mal podia respirar perto dele. Era um encantamento absurdo. Meu pai não gostava dele, mas minha mãe deixou que namorássemos escondido, sem dar beijinhos, coisa que não obedecíamos, claro. Evidente que um namoro aos oito anos não iria para frente. Mas aos catorze tentamos novamente, era só eu ouvir sua voz que me desestruturava. Nesta época meu pai já havia falecido e agora quem não gostava dele era a minha mãe, então o namoro não foi para frente. Aos dezesseis nós voltamos, eu sempre apaixonada, apesar de haver namorado outros garotos. Desta vez não deu certo, ele não aceitava muito bem meu envolvimento com o grupo de jovens, então me deixou e eu quase morri de tanto chorar. Ele foi o único homem até hoje por quem me apaixonei. Gostei muito do meu ex-marido e aos poucos estou amando meu namorado, mas paixão...
A segunda vez que me apaixonei foi por uma causa, por um ideal, o de ser missionária. Eu sonhava com minha vida na missão, atendendo à comunidade, enfrentando desafios, trabalhando pelo próximo e me consagrando por um ideal. Apaixonada eu abandonei tudo e no auge da minha juventude fui. Me machuquei horrores, hoje respeito todas as crenças e ações solidárias, mas paixão por uma...
Esta é a terceira vez que me apaixono, agora por uma criança, que eu desejei que fosse minha. Que eu sonhei dar colo e por para dormir, que eu sonhei levar no parque, no cinema e protegê-la de perigos. E que num piscar de olhos se transformou numa linda jovem que deseja voar, que quer aprender a dormir sozinha porque já não tem mais medo do escuro, porque quer andar com as próprias pernas e decidir aonde ir.
É evidente que estou sofrendo por mim, pois por ela não há motivos para sofrer. Ela é uma vencedora, conquista a cada dia novos lugares neste mundo, faz boas escolhas, sempre se preocupa em ser uma pessoa justa ao ponto de se importar mais com os outros do que consigo mesma. Eu sofro por mim, por haver me apaixonado por quem não pode pertencer a uma única pessoa, o mundo a necessita.
Hoje minha terapeuta me disse que as pessoas passam por nossa vida para nos ensinar algo. Pouco a pouco, enquanto a paixão passa para dar pleno lugar ao amor, eu começo a perceber em minha prática diária o que ela me ensinou. Minha menina me ensinou a revelar minha ternura, a sorrir, a acolher fraternalmente, a ser menos distante afetivamente, a permitir que o outro se aproxime, a perceber que o patético pode ser poético, a chorar de emoção, a não deixar a sobrancelhas franzir, a pedir um abraço. E eu quero que ela sinta orgulho de mim, que ao me encontrar reconheça a minha menina interior que ela ajudou a aflorar. Quero que ela veja quantos estão se beneficiando desse meu novo jeito de ser e que seu lugar estará sempre guardado, limpinho de poeira, ensolarado, esperando por ela.
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