Estes dias li no facebook uma postagem que falava sobre admirar uma flor sem colhê-la, pois ao cortá-la ela já não será mais a flor que admiramos, ela morrerá. Ocorre-me que esta postagem seja de alguém que está se sentindo cortada, podada e de algum modo se sente murchar.
Esta postagem e mais alguns fatos realmente me tiraram o sono na noite passada. Lutei contra minha mente por horas a fio, não queria ser racional, impulsiva ou inconsequente, mas percebi que tudo isto está longe do meu alcance e, desejar não-ser já é meio caminho andado para ser. Foi então que naturalmente uma história se formou em minha mente: o Barco e a Menina.
"Havia chegado o momento da menina atravessar a ponte movediça, como fazem a maioria dos mortais. Mas ela, como era uma menina diferente e gostava de desafios, decidiu atravessar pelo rio. Primeiro andou pela margem, pensando em como faria a ultrapassagem já que nadar seria um suicídio. De repente a menina se deparou com um barco maltratado, não dava para saber se era novo ou velho, mas eram visíveis seus maltratos.
Um pouco receiosa ela se aproximou e percebeu que não havia furos no casco, os danos eram externos, contudo, muitos objetos ocupavam seu espaço e não cabia ninguém ali. Ela sentou-se à margem do rio e longamente observou-o, pensando em como poderia atravessá-lo naquele barco que não cabia mais nada. Ela mesma não tinha muita bagagem, então poderia se arranjar num cantinho. Pensou que seria melhor do que enfrentar a ponte movediça.
Tão logo a menina decidiu se colocou num canto do barco e sem saber remar direito impulsionou-o. O maltratado barco ziguezagueou por um instante e a menina percebeu que precisaria jogar fora alguns objetos para que o barco voltasse a equilibrar-se. E assim o fez. O barco e a menina navegaram por diversos braços do rio, sempre à busca do outro lado. Aos poucos todos os objetos foram lançados na água e a cada objeto lançado o barco ficava mais veloz, mais eficaz em seu propóstio e consequentemente mais feliz. Aos poucos a menina se aconchegou nos espaços vazios, ocupou todo barco e se sentiu segura.
Um dia a travessia acabou, ambos estavam na outra margem. Feliz a menina saltou do barco e pôde esticar as pernas, sentir a terra sob seus pés, abrir os braços cansados de remar e agradecer por chegar ao seu destino e por não ter mais o coração acelerado a qualquer momento por medo da correnteza. Deitou de costas no chão e deixou que o sol aquecesse seu rosto cansado.
Pela primeira vez em anos adormecera sem medo de acordar no fundo do rio e quando acordou o barco balançava ao sabor do vento, não o amarrara e ele ainda estava lá. Seu coração se comoveu e pensou que não poderia deixá-lo ali, havia um sentimento de gratidão, de cumplicidade, o barco a ajudara na travessia e a menina o ajudara a ser novamente um barco. Pensou em levá-lo consigo. Juntou suas forças e o colocou sobre sua cabeça, caminhou por um tempo, mas aos poucos passou a senti-lo como um peso, um fardo. Não conseguia ver direito e nem caminhar no ritmo que desejava e havia tanta coisa para fazer, tantos caminhos a percorrer, tantas trilhas a descobrir.
Nas muitas vezes que precisava parar para recuperar as forças olhava o barco de longe e já não tinha por ele o mesmo sentimento. Sentia-se cansada e sua presença não era mais tão agradável. Olhava para frente e sonhava em correr. E o barco que antes fôra sua porta para outras possibilidades, aos poucos se transformava num grilhão amarrado aos seus pés, em uma prisão, cobrando-lhe sua atenção, sua presença.
Como era uma menina muito boa e grata de coração, se sentia mal com a possibilidade de abandonar o barco à sua sorte. O havia conhecido maltratado e se preocupava com ele, estava acostumada e se sentir segura em seus espaços e, o principal, o amava. Atravessaram chuvas torrenciais, sóis ardentes, contaram estrelas e navegaram juntos. Mas nada disso agora parecia como antes. Não estavam mais na água, haviam alcançado seus propósitos.
Aos poucos a menina começou a andar, só pela curiosidade do caminho, se afastava e voltava, mas ela desejava ir, sabia que poderia caminhar pelas trilhas à sua frente e se não houvessem trilhas ela sabia que poderia construi-las. E o barco estava ali, no mesmo lugar que o deixara. Não suportando mais observar tamanho conflito, o barco decidiu falar. A menina se assustou e pensou que estava sonhando.
"Sente-se ao meu lado, minha Menina". Sem saber se deveria acreditar no que ouvia, a menina obedeceu e se sentou ao lado do barco. "Não tenha medo, se reencoste, sinta minha madeira molhada novamente". "Não sei o que falar", disse com ternura e receio na voz. "Não precisa dizer nada, eu digo hoje. Siga teu caminho, eu ficarei aqui. Você não pode e nem deve me carregar, eu fui feito para isso, é da minha natureza e faço não porque eu tenha forças por mim mesmo, mas pela benevolência das águas que me sustentam. Agora vá adiante e não olhe para trás, porque se você olhar para trás eu sofrerei muito. Mas se eu te ver caminhar livremente ficarei certo de que você estará atenta ao teu caminho e será feliz". "E você? Está longe do rio agora, quer que eu te leve de volta?" "Isto seria impossível, o rio não é mais o mesmo, não é possível voltar ao passado. Aqui é o meu novo lugar. Pode parecer estranho um barco fora do rio, pode até parecer que ficarei inutilizado, mas não é o que acontecerá. Agora eu estou vazio, graças a você e tua coragem de me esvaziar. Vazio eu poderei acolher ninhos de animais, de pássaros e se alguém passar por aqui e precisar navegar, me levará até o rio. Quando você desejar rever teus caminhos, porque na vida temos alguns momentos nostálgicos, você saberá que eu estarei aqui, e se não estiver, você me encontrará no rio. Eu demorarei um tempo para me acostumar com o meu vazio, mas serei sempre grata, porque outros souberam colocar coisas dentro de mim e me abandonar dizendo que eu não servia mais para navegar. Já você viu em mim uma possibilidade e me esvaziou. Vá meu Anjo e seja feliz."
Eu não sei se foi sonho porque não dormi a noite toda, nem sei se foi alucinação, ilusão ou erro de interpretação. Isso só o tempo dirá, o que sei é que sinto essa força enorme lutando contra mim e me dizendo que chegou a hora, que mesmo que eu sofra e o meu coração se parta a minha maior prova de amor é deixar você seguir teu caminho.
https://www.youtube.com/watch?NR=1&v=10435xCJlpw&feature=endscreen
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