A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.
A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem - o hoje - e o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.
(Conceição Evaristo)
Hoje meus joelhos doem. Resisto em curvar-me outra vez, a mente já se curvou à lógica, mas o corpo resiste, quer se manter em pé diante da pele morena. Porque eu venho de um navio negreiro, venho do DNA de minha tataravó Leopoldina, escrava, negra, canela fina e dentes fortes. Minha pele é branca, mas os meus ossos são negros e nunca se quebraram apesar dos tombos. Meus ossos resistem e meus joelhos não querem se dobrar, por isso novamente canto, como cantei muitas e muitas vezes desde minha juventude à Negra Mariama para que me chame pra dançar e "saravá esperança até o sol raiar".
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