Última
semana de férias. Desesperados por aproveitar cada minuto restante decidiram
voltar ao rio e fazer a última pescaria, não que fossem exímios pescadores, mas
porque adoravam o passeio de barco e o piquenique.
Arrumaram tudo com bastante alegria.
Cada um com sua própria vara. As meninas não gostavam de pegar as minhocas
então pescavam com milho-verde ou miolo de pão, já os meninos exibindo-se as pegavam
e ameaçavam jogá-las nas meninas, que apavoradas e repugnadas gritavam
assustando os peixes. Ao avô só lhe restava rir e novamente explicar que o ato
de pescar exige silêncio, explicação que de nada valia, porque ele mesmo
aproveitava cada diálogo, cada gesto infantil ou inconsequente para preencher a
memória e durante o ano ter com o que alimentar o coração.
Só que desta vez a pesca fora diferente.
Seu coração resolvera se manifestar antes da partida. Sentado num banquinho e
com os pés na água, sentiu uma forte tontura e as vistas escureceram.
-
Vovô?! Vovô?! O senhor está bem?
Um teto branco a sua frente forçou-o a inclinar
a cabeça para o lado em busca de alguém. Seus olhos encontraram os da neta à
cabeceira, e, aos pés da cama, os outros, arregalados como jabuticabas. Tentou
falar, mas a voz saiu rouca e baixa.
-
Onde estou?
-
O senhor está no hospital, na Santa Casa, vovô – lhe explicaram.
- Quê aconteceu?
- O senhor passou mal lá no rio e
desmaiou.
-
Pronto, crianças, a mamãe chegou.
-
Mamãe! Titia! – exclamaram.
-
Vão pra fora. Fiquem lá com o titio que eu quero conversar com o vovô.
Ficaram
contentes ao ouvirem o nome do pai e saíram todos do quarto deixando a filha
sozinha com o doente.
-
Papai, o senhor está bem? – perguntou enquanto segurava sua mão.
A mão calejada quis levar a outra ao
rosto; o soro impediu. Então os olhos marejados se entenderam.
-
Não precisa se esforçar papai, os médicos disseram que o senhor teve um
infarto.
Silêncio.
-
As crianças pediram socorro a tempo e o senhor foi atendido logo. Foram muito
corajosos. Depois o hospital me ligou logo em seguida e avisei os meninos, que
já tão vindo pra cá.
Enfraquecido, e ainda sob o efeito da
medicação, sorriu para a filha que ali ficou silenciosamente por alguns
minutos, enquanto lá fora os mini-heróis relatavam aos pais e tios o socorro do
avô desmaiado.
Contaram
que a menor chorava desesperadamente enquanto a outra segurava a cabeça do avô e
gritava para que os meninos pedissem socorro. O menor, aterrorizado com a cena
do avô caído ao chão, não conseguiu segurar-se e se molhou. O maior correu e
pediu ajuda a uns homens num bar próximo. A ambulância foi chamada e em pouco
tempo chegou.
Narravam,
ainda sob o efeito do choque, quando o doutor se aproximou.
-
Doutor, por favor, como é o estado do meu pai? É grave? Ele vai sair daqui
logo?
As crianças também perguntavam todas
ao mesmo tempo.
- O vovô vai morrer? Ele está muito
doente?
-
Calma. Acalmem-se, por favor – pediu docilmente – Você é o filho dele, não é?
-
Sim, sou o mais velho.
-
E vocês devem ser os netos maravilhosos e heróis do vovô, certo?
-
É, somos.
-
Já que vocês são heróis não vou esconder nada. O avô de vocês teve um infarto.
Vocês sabem o que é um infarto? – perguntou tentando ser simpático.
O
que se adiantou respondeu.
-
A professora ensinou que o coração fica cansado, nervoso e aí ele desregula, aí
ele não dá conta de filtrar direito o sangue. É como uma máquina, fica muito
cansado e dá um pire-paque.
-
Muito bem garoto. Então vocês todos entenderam que o coração do vovô está muito
doente. Ele precisa de bastante repouso, de remédios e acima de tudo, precisa
de muito carinho e atenção. Ele não pode ficar triste, senão o coração dele não
terá forças para sarar, para ficar bom novamente. Vocês entenderam?
Todos
confirmaram com a cabeça, apesar de sentirem dentro de seus saudáveis corações
uma mistura de alegria e medo. Depois foram levadas para a casa do avô que
agora não era tão alegre. A pintura revelava falhas antes não vistas, os
quadros dos avôs e pais quando criança de repente amarelou, os móveis passaram
a ranger e o chão gemia a cada passo.
Na
primeira noite sem o agricultor nem todos conseguirem dormir. As crianças aos
poucos adormeceram e os filhos sentaram na varanda a olhar o pobre Lui andando e
choramingando a ausência. Era como se todo aquele lugar tivesse perdido o
colorido de uma hora para outra. Até as estrelas resolveram brilhar menos e os
planetas se distanciaram ainda mais.
-
Estou preocupada com o papai.
-
Eu também.
-
Tô com pena das crianças, elas nunca passaram por esta dor.
-
E eu tô sentindo aquela coisa ruim que senti quando a mamãe morreu. Eu era tão
pequeno, as pessoas tentavam me agradar, me davam doces, brinquedos, e eu
queria a mamãe. Hoje no hospital fiquei sem saber como lidar com eles. Tive a
tentação de achar que enganá-los seria a melhor forma. Fiquei com muito medo de
perder o papai.
A
cabeça de um revelou precisar do ombro do outro. E, às lágrimas lhes foram
permitidas fluir mansamente.
(Continua...)
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