Quem sou eu

Minha foto
Gosto de compartilhar pensamentos e vivências, porque ao retirá-los de mim posso enxergá-los melhor.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

10. A pesca inesquecível

            Última semana de férias. Desesperados por aproveitar cada minuto restante decidiram voltar ao rio e fazer a última pescaria, não que fossem exímios pescadores, mas porque adoravam o passeio de barco e o piquenique. 

         Arrumaram tudo com bastante alegria. Cada um com sua própria vara. As meninas não gostavam de pegar as minhocas então pescavam com milho-verde ou miolo de pão, já os meninos exibindo-se as pegavam e ameaçavam jogá-las nas meninas, que apavoradas e repugnadas gritavam assustando os peixes. Ao avô só lhe restava rir e novamente explicar que o ato de pescar exige silêncio, explicação que de nada valia, porque ele mesmo aproveitava cada diálogo, cada gesto infantil ou inconsequente para preencher a memória e durante o ano ter com o que alimentar o coração. 

            Só que desta vez a pesca fora diferente. Seu coração resolvera se manifestar antes da partida. Sentado num banquinho e com os pés na água, sentiu uma forte tontura e as vistas escureceram.

- Vovô?! Vovô?! O senhor está bem?

 Um teto branco a sua frente forçou-o a inclinar a cabeça para o lado em busca de alguém. Seus olhos encontraram os da neta à cabeceira, e, aos pés da cama, os outros, arregalados como jabuticabas. Tentou falar, mas a voz saiu rouca e baixa.

- Onde estou?

- O senhor está no hospital, na Santa Casa, vovô – lhe explicaram.

            - Quê aconteceu?

            - O senhor passou mal lá no rio e desmaiou.

- Pronto, crianças, a mamãe chegou.

- Mamãe! Titia! – exclamaram.
- Vão pra fora. Fiquem lá com o titio que eu quero conversar com o vovô.

Ficaram contentes ao ouvirem o nome do pai e saíram todos do quarto deixando a filha sozinha com o doente.

- Papai, o senhor está bem? – perguntou enquanto segurava sua mão.

            A mão calejada quis levar a outra ao rosto; o soro impediu. Então os olhos marejados se entenderam.

- Não precisa se esforçar papai, os médicos disseram que o senhor teve um infarto.

Silêncio.

- As crianças pediram socorro a tempo e o senhor foi atendido logo. Foram muito corajosos. Depois o hospital me ligou logo em seguida e avisei os meninos, que já tão vindo pra cá.

 Enfraquecido, e ainda sob o efeito da medicação, sorriu para a filha que ali ficou silenciosamente por alguns minutos, enquanto lá fora os mini-heróis relatavam aos pais e tios o socorro do avô desmaiado.

Contaram que a menor chorava desesperadamente enquanto a outra segurava a cabeça do avô e gritava para que os meninos pedissem socorro. O menor, aterrorizado com a cena do avô caído ao chão, não conseguiu segurar-se e se molhou. O maior correu e pediu ajuda a uns homens num bar próximo. A ambulância foi chamada e em pouco tempo chegou.    
                                        
Narravam, ainda sob o efeito do choque, quando o doutor se aproximou.

- Doutor, por favor, como é o estado do meu pai? É grave? Ele vai sair daqui logo?

            As crianças também perguntavam todas ao mesmo tempo.

            - O vovô vai morrer? Ele está muito doente?

- Calma. Acalmem-se, por favor – pediu docilmente – Você é o filho dele, não é?

- Sim, sou o mais velho.

- E vocês devem ser os netos maravilhosos e heróis do vovô, certo?

- É, somos.

- Já que vocês são heróis não vou esconder nada. O avô de vocês teve um infarto. Vocês sabem o que é um infarto? – perguntou tentando ser simpático.

O que se adiantou respondeu.

- A professora ensinou que o coração fica cansado, nervoso e aí ele desregula, aí ele não dá conta de filtrar direito o sangue. É como uma máquina, fica muito cansado e dá um pire-paque.         

- Muito bem garoto. Então vocês todos entenderam que o coração do vovô está muito doente. Ele precisa de bastante repouso, de remédios e acima de tudo, precisa de muito carinho e atenção. Ele não pode ficar triste, senão o coração dele não terá forças para sarar, para ficar bom novamente. Vocês entenderam?

Todos confirmaram com a cabeça, apesar de sentirem dentro de seus saudáveis corações uma mistura de alegria e medo. Depois foram levadas para a casa do avô que agora não era tão alegre. A pintura revelava falhas antes não vistas, os quadros dos avôs e pais quando criança de repente amarelou, os móveis passaram a ranger e o chão gemia a cada passo. 

Na primeira noite sem o agricultor nem todos conseguirem dormir. As crianças aos poucos adormeceram e os filhos sentaram na varanda a olhar o pobre Lui andando e choramingando a ausência. Era como se todo aquele lugar tivesse perdido o colorido de uma hora para outra. Até as estrelas resolveram brilhar menos e os planetas se distanciaram ainda mais.

- Estou preocupada com o papai.

- Eu também.

- Tô com pena das crianças, elas nunca passaram por esta dor.

- E eu tô sentindo aquela coisa ruim que senti quando a mamãe morreu. Eu era tão pequeno, as pessoas tentavam me agradar, me davam doces, brinquedos, e eu queria a mamãe. Hoje no hospital fiquei sem saber como lidar com eles. Tive a tentação de achar que enganá-los seria a melhor forma. Fiquei com muito medo de perder o papai.

A cabeça de um revelou precisar do ombro do outro. E, às lágrimas lhes foram permitidas fluir mansamente.

(Continua...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Quer compartilhar tua opinião?