Alvoroço
e desespero na reunião da noite. Já sabiam do estado de coma do cultivador.
Tudo se fazia emergente. A necessidade em fazer algo era tão importante naquele
momento que nem perceberam suas diferenças. Todos só tinham um único objetivo:
tentar trazer de volta o cultivador. Todos davam ideia, até as Cenorrabas
participavam. Ouviam-se, e o mais interessante, é que ao olharem-se não
percebiam suas diferenças, mas a sede de solução.
As
ideias foram várias, porém, a considerada mais votada foi a de conseguir
chegar, com a ajuda das asas de Pardal, até o cultivador e pedir-lhe para acordar.
Precisariam de um voluntário.
-
Eu vou – se ofereceu quase por impulso Cenotita - Quero ajudar nosso
cultivador a voltar para nosso convívio.
Uma
voz questionou:
-
E se você falhar?
-
Se ela falhar tentaremos outro plano. Será melhor do que saber que pode fazer
algo e nem sequer tentou. Não vamos exigir mais do que poderá dar – e
voltando-se para a voluntária completou Pinheiro-Silvestre: - Dê a sua vontade
e disposição e basta.
-
Eu posso ir junto? – questionou uma cenorraba também jovem.
Olharam-na
agora sem ódio, mas também sem saber direito o que pensar. Sempre-Viva expôs
sua opinião com muita sinceridade:
-
Sou a favor de que você vá. Como é seu nome, jovem?
-
Eu sou Cenorramaria.
-
E você consegue perceber a dimensão do problema que estamos tentando resolver?
-
Sim, senhora. E me desculpe pela ousadia, mas quero que vocês entendam que para
nós também não é fácil viver sem o cultivador, apesar de sermos diferentes,
apesar de não nos expressarmos da forma mais habitual das herbáceas. Também nos
perguntamos “quem somos”, “de onde viemos”, “para onde vamos”. Só agora depois
de três gerações é que temos um passado. Muitas de nós somos mais desenvolvidas
do que as primeiras, já estamos começando a nos conhecer. Por favor, me deixe
ir com Cenotita.
O brilho de Esperança estava
voltando. Aquele brilho que tanto fascinava. Urtiga apoiou a opinião de
Sempre-Viva:
- Por mim você pode ir Cenorramaria.
E me desculpe por meu jeito agressivo. Eu sou uma planta rude, grosseira. Só
que agora, vejo que todos têm seu valor, todos temos o direito à vida e ao
respeito, independente de qualquer coisa.
Planejaram a entrada no quarto. Tudo
era possibilidade. Certamente num quarto de UTI entrar duas plantinhas seria um
tanto difícil. Pensaram em entrar pela janela. Mas e se ela estivesse fechada?
Como transportar as plantas com terra? Isto só seria possível se fossem num
vazo, mas para irem num vaso alguém teria que transferi-las para o vaso, sendo
assim necessitavam de ajuda. Mas como?
Enquanto conversavam Lui passeava
pela horta, tristonho, com saudades do dono. De repente Pardal teve uma idéia:
- Penso que achei a solução: vamos
conversar com o Lui e convencê-lo a trazer as crianças para cá, aí nós
conversamos com elas para transferirem vocês pra um vaso e as levar pro
cultivador.
Aparentemente não fazia sentido aquela
ideia. Como conversar com o Lui? Como o Lui conversaria com as crianças? Como
as crianças entenderiam as plantas? “Ideia de jerico” alguém exclamou.
-
Vocês são mesmo muito incrédulos – exclamou Pardal – Será que ainda não
perceberam que todos nesta horta, todos nesta casa estão sofrendo pelo
cultivador? Todos estão mais sensíveis. Eu acredito que vai dar certo. Acredito
que o Lui vai entender, creio que as crianças serão tocadas no coração quando
nos ver e mesmo que não entendam nossa linguagem, elas saberão ler com os
sentidos do coração.
Pardal
transmitiu certeza e segurança a todos de forma que aceitaram. Pediram ao vento para remexê-los até que
conseguissem chamar a atenção de Lui. Deu certo. O cachorro veio, cheirou as
plantas vagarosamente, levantou a cabeça em direção da casa e latindo bem alto
saiu correndo casa dentro. Entrou e foi ao quarto das crianças. Latia sem
parar.
-
Para Lui! – repreendiam-no – O que você quer?
Lui
mordia e puxava suas calças, quase os arrastando.
-
O que foi? Que é isso Lui?
Lui
soltou a menina e olhando para a porta latia.
Compreendeu
que o cão lhes queria mostrar algo.
-
Ele está querendo nos mostrar alguma coisa. Vamos lá Lui.
Saíram
correndo. Lui na frente e as crianças atrás. Passaram pela sala tão rápido que
nem perceberam os pais no sofá ainda sob o choque da notícia do estado de coma
e foram direto para a horta. Lui parou de latir. As crianças ficaram surpresas
com Cenotita, fazia tempo que não viam uma cenoura. Agacharam e como se uma voz
misteriosa lhes falasse, contemplaram a cena, pareciam encantados por algum
feitiço.
-
Por que nós estamos aqui olhando para as plantas? Por que o Lui nos trouxe
aqui?
-
Vamos levar esta plantinha para o vovô? – alguém sugeriu.
- É isso! O Lui
sabe que o vovô gosta das verduras. O médico disse que o vovô não pode ficar
triste. Quem sabe se ele tiver uma plantinha perto dele se sentirá mais alegre?
-
Boa ideia! – Vamos colocá-la num vaso e levá-la na hora da visita. Vamos pegar
um vaso.
Foram
ao porão, pegaram um vaso e cuidadosamente transferiram Cenotita.
-
Vamos levar também aquela – apontando para Cenorramaria.
Todos
concordaram. As duas foram transferidas e carinhosamente levadas para a casa.
Toda Esperança suspirou de alegria. Como Pardal afirmara, existe uma linguagem
universal que une todos os seres e que se chama amor. Nenhum ser vivente
desconhece esta linguagem.
(Continua...)
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