Três dias
se passaram desde o infarto. Recuperava-se pelos remédios, descanso e carinho
das visitas, mas lhe faltava alegria. Passou a ficar carrancudo e deixou de rir
das falações e graças dos netos.
Ao mesmo tempo, Esperança encontrava-se
em clima de revolução. Desejavam notícias do cultivador. Pardal geralmente
ficava pela varanda ouvindo as conversas, voltava correndo e contava tudo para
Rosa-Flor, Pinheiro-Silvestre, Sempre-Viva, Terra, Cenotita, e todos da horta.
As Cenorrabas se esforçavam por entender o que acontecia, e assim, aos poucos, apreendiam
os sentimentos tão naturais aos outros. Eram um pouco atrapalhadas. Riam quando
era hora de chorar e choravam quando era hora de rir.
- Precisamos fazer alguma coisa por
nosso cultivador! – exclamou Rosa-Flor.
-
Mas o que podemos fazer? Os médicos já estão fazendo o melhor por ele. Quem
somos nós para ajudá-los? – afirmou Pardal.
-
Discordo de você Pardal. Não sei exatamente o quê, mas também acho que devemos
fazer algo. – disse Pinheiro-Silvestre com ar reflexivo.
Os
outros os olhavam com olhos sedentos, como se perguntassem: “O quê? O quê
fazer?”.
Rosa-Flor
mexendo suas pétalas e aguçando os espinhos, como costuma fazer quando está
tentando resolver uma grave situação respondeu:
-
Primeiro precisamos entender porque nosso cultivador ficou doente.
Enquanto
falava, todos a observavam atentamente com os corações esperançosos por uma
grande idéia:
-
Nosso cultivador sempre nos amou muito.
Rosa-Flor falava e todos concordavam
com a cabeça e um sussurrado hã, hã.
-
Ele sempre nos foi muito bom, nos regava todas as manhãs, nos podava, nos
adubava, enfim, sempre fez tudo por nós. Até que, aquele vizinho intrometido
apareceu com as tais sementes perfeitas que em pouquíssimo tempo modificou toda
Esperança. Nós que antes éramos uma família, agora somos estranhos uns aos
outros, e o pior, estranhos a nós mesmos.
Pinheiro-Silvestre acompanhando o
pensamento de Rosa-Flor continuou:
-
E foi justamente aí que tudo começou. Nosso cultivador passou a olhar para
Esperança sem vê-la, sem reconhecê-la; àquela a quem tanta atenção dedicou. Aos
poucos foi se sentindo estranho em sua própria casa. As coisas deixaram de
fazer sentido e com isso a tristeza foi chegando, chegando, e o coração
sofrendo, sofrendo, até que...
-
infarto! – concluiu Pardal.
Todos entenderam e queriam comentar
ao mesmo tempo. Folhas de Urtiga revoltadas começaram a gritar:
- Morte das Cenorrabas!!! Vamos
acabar com elas!!!
O que era silêncio transformou-se em
gritaria. Uns queriam agredir as Cenourrabas, outros choravam,
Pinheiro-Silvestre tentava acalmá-los, Rosa-Flor pedia silêncio, ordem, assim
não seria possível continuar a conversa. Pardal levou um tapa de uma folha de
Urtiga, ficou cheio de coceiras, revidou bicando uma folha e nervoso começou a
gritar:
-
Parem!!!!!!
Silêncio geral, susto, indignação,
perplexidade. Todos se voltaram para o lugar de onde vinha aquele inesperado
berro e viram Cenotita vermelha de emoção. Engolindo em seco sua raiva perante
aquela situação, respirou fundo e em tom mais brando, porém firme, explicou:
- Assim vocês não conseguirão nada,
nada, nada. Está tudo errado. Agora não é o momento para vinganças e sim para nos unirmos.
Vozes ecoaram:
- Seria isto possível? Como? Loucura! Você é
jovem demais e não sabe do que está falando! Cala a boca. Fica quieta sua
fedelha... Você mal saiu
da Terra e vem se meter em assuntos desse porte?
Vozes bradavam:
- Nós temos é que resolver
esta situação e deve ser agora! Já faz tempo que estamos esperando para nos
livrarmos destas intrusas esquisitas, as Cenorrabas.
Alguns
empolgados gritaram apoiando o discurso inflamado. Contra a jovem só lhe
restava o orgulho e a força da idade.
-
Eu sei que ainda sou muito jovem e quase nada sei sobre a vida. Mas o que sei e
acredito é que as maiores revoluções acontecem dentro dos corações. Não com a
força da ventania que nos obriga a encolher, mas com o acarinhar do sol. As
Cenorrabas não têm culpa alguma sobre sua própria existência, mas já que
existem devem ser respeitadas e amadas. Porque a vida deve ser respeitada acima
de tudo. É isto o que sei e acredito.
-
Você tem razão Cenotita – afirmou Rosa-Flor, assumindo a articulação da
discussão. – Já que temos esta consciência, vamos nos preocupar em fazermos
algo por nosso cultivador. Ao invés de nos dividirmos, vamos juntar nossas
forças. Um mensageiro irá até o canteiro das Cenorrabas para convidá-las pra
uma reunião ainda esta noite. Gostaria que Amor-Perfeito fizesse isso. Converse
com elas, faça-se entender nem que seja por gestos e traga-as para a reunião.
Todos
voltaram aos seus canteiros, comentando quase em sussurro o que tinha
acontecido.
(Continua...)
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