Tempo
de férias. E finalmente alegria pela chegada dos netos, que logo surgiam como
turbilhão. Vinham todos. Meninas e meninos entre oito e treze anos. Trazidos
pelos pais, os quais, nada mais faziam que deixar instruções sobre como cuidar de
seus herdeiros genéticos. A vida corrida da cidade grande não permitia que ficassem
mais tempo com o pai e sogro, assim, nem sequer percebiam as alegrias e
tristezas ocultas no velho coração de um amante da terra. Para ele era natural que
estivesse envelhecido.
As
férias de verão eram as melhores, por causa das inúmeras brincadeiras que poderiam
fazer seus mimados netos e netas, como soltar pipa, andar de bicicleta, jogar
bola, nadar na represa, andar sem calçado, sair a noite na rua para brincar de
esconde-esconde, pega-pega, além das grandes emoções das disputas de bolinhas
de gude e piões. Nada comparado à estagnação dos apartamentos, dos tormentos
visuais dos vídeo-games e computadores, além da insaciável telinha horas e
horas a fio. Realmente as férias de um mês eram curtas. Então a ordem era
aproveitar!
Tudo
ficava mais alegre. Lui adorava as crianças. Desesperado balançava o rabo e
pulava quase derrubando a todos. Os canarinhos cantavam belíssimas melodias de
boas vindas. O famoso bolo de cenoura com cobertura de chocolate oferecia-se
sobre a mesa até ser devorado pelas bocas vorazes acostumadas ao açúcar
refinado. O leite puro borbulhava no caneco e o olor do café coado no pano
inebriava as narinas urbanas.
Sempre
na primeira tarde ficavam horas à mesa conversando sobre a correria das provas
finais e das festanças de final de ano. Riam todos como crianças, e às vezes era
preciso organizar a conversa. Todos queriam falar ao mesmo tempo. Tudo como sempre
fôra até a neta perceber que o bolo desta vez lhe era estranho ao paladar:
-
Vovô, o bolo não está como das outras vezes. O senhor mudou a receita?
Um
raio em forma de lembrança percorreu sua mente e o velho homem se deu conta de
que as coisas não eram mais como antes. Tentou disfarçar a tristeza e respondeu:
-
Ah!!! Vocês num sabe, mas tão comendo bolo de cenorraba.
O
que levava um pedaço à boca, parou, observou o bolo e decepcionado protestou:
-
Puxa vovô, até o senhor tá nessa onda? Estamos cansados de comer essas coisas
modificadas.
Os
olhos marejaram e mirando o quintal pela vidraça explicou:
-
Me disculpe crianças. Eu tentei, mas num consegui. Faz uns dois meses que uma
praga muito misteriosa acabó com a horta Esperança. Numa madrugada eu levantei
e lá tava ela toda amarelada, murcha. Num sobrô nada, só o canteiro de
cenorraba que eu tinha plantado pra teste num sofreu nada.
Recebendo
o forte abraço, ouviu:
-
Não fique assim vovô, nós não nos importamos com o que vamos comer. O que
importa é estar aqui com você, e se divertir muito, né pessoal?
Todos
confirmaram abraçando coletivamente o avô. E para mudar o assunto decidiram
marcar uma pescaria para o dia seguinte logo cedo.
-
Oba! Da hora! Muito dez! – gritaram todos, inclusive Lui que não sabia em quem
pular primeiro.
Duas
semanas ensolaradas se passaram. As crianças cinzas estavam agora avermelhadas pelo
sol e pela terra. Com leves arranhões pelas pernas, algumas pipas para concertar,
piões a mais na coleção e bicicletas imundas. Como se costuma dizer em cidades
assim: estavam como crianças normais e saudáveis.
A
neta primogênita sentia tal amor pelo avô que chegava a compreender seus
suspiros. Cada detalhe, cada gesto do ancião era percebido por ela. Sentia-se
feliz, mas a tristeza do avô a incomodava. Claro que ele fazia de tudo para
esconder, mas quem olhasse dentro de seus olhos poderia perceber nitidamente
uma angústia.
Numa
noite, depois que o avô dormiu, acordou a prima e juntas foram ao quarto dos
meninos. Fizeram malabarismos para não acordarem Lui e os meninos quase
gritaram ao vê-las entrando no quarto com um lençol nas costas:
-
O que vocês querem aqui suas malucas? – perguntaram.
-
Precisamos conversar. É muito importante.
-
Estou com medo – resmungou o mais novo.
-
Não precisa ficar com medo seu tonto. Nós não somos fantasmas.
-
Vocês não têm o que fazer? Meninas são todas iguais, cheias de fricotes. Anda,
fala logo. Qual é o assunto?
Um
sinal foi feito para que chegassem mais perto.
-
É sobre o vovô. Tenho percebido que ele anda muito triste. Acho que ele está
muito abatido e deprimido.
Num
gesto de relaxamento retrucaram:
-
Pô, caramba, pensei que fosse alguma coisa mais séria. Pensei que vocês tinham
descoberto alguma gruta secreta pra gente se esconder. Ou uma cachoeira. Ou que
homenzinhos verdes com bolinhas cor de rosa tavam atacando as cenorrabas do
vovô pra usarem de combustível nuclear contra os humanos.
Enfurecidas
levantaram da cama e antes de sair protestaram:
-
Seus idiotas. Vocês são uns insensíveis. Só pensam em se divertir. Nem sequer
conseguem perceber que o vovô fica horas e horas, depois que a gente vai
dormir, sentado na cadeira lá fora olhando para o nada. Ele deve estar doente.
Cobrindo-se
e fechando os olhos afirmaram:
-
Vocês querem saber? Nosso avô deve estar apaixonado por alguma “mocinha” do
Arco-Íris. Deixa o velho em paz.
Indignada
saíram.
-
Vamos dormir. Deixa esses babacas. Nós vamos descobrir o que está acontecendo
com nosso avô.
-
Cai fora logo, suas fantasmas falsificadas.
-
É isso aí, vão dormir assombração.
(Continua...)
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