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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

5. Finalmente férias

Tempo de férias. E finalmente alegria pela chegada dos netos, que logo surgiam como turbilhão. Vinham todos. Meninas e meninos entre oito e treze anos. Trazidos pelos pais, os quais, nada mais faziam que deixar instruções sobre como cuidar de seus herdeiros genéticos. A vida corrida da cidade grande não permitia que ficassem mais tempo com o pai e sogro, assim, nem sequer percebiam as alegrias e tristezas ocultas no velho coração de um amante da terra. Para ele era natural que estivesse envelhecido.

As férias de verão eram as melhores, por causa das inúmeras brincadeiras que poderiam fazer seus mimados netos e netas, como soltar pipa, andar de bicicleta, jogar bola, nadar na represa, andar sem calçado, sair a noite na rua para brincar de esconde-esconde, pega-pega, além das grandes emoções das disputas de bolinhas de gude e piões. Nada comparado à estagnação dos apartamentos, dos tormentos visuais dos vídeo-games e computadores, além da insaciável telinha horas e horas a fio. Realmente as férias de um mês eram curtas. Então a ordem era aproveitar! 

Tudo ficava mais alegre. Lui adorava as crianças. Desesperado balançava o rabo e pulava quase derrubando a todos. Os canarinhos cantavam belíssimas melodias de boas vindas. O famoso bolo de cenoura com cobertura de chocolate oferecia-se sobre a mesa até ser devorado pelas bocas vorazes acostumadas ao açúcar refinado. O leite puro borbulhava no caneco e o olor do café coado no pano inebriava as narinas urbanas. 

Sempre na primeira tarde ficavam horas à mesa conversando sobre a correria das provas finais e das festanças de final de ano. Riam todos como crianças, e às vezes era preciso organizar a conversa. Todos queriam falar ao mesmo tempo. Tudo como sempre fôra até a neta perceber que o bolo desta vez lhe era estranho ao paladar:

- Vovô, o bolo não está como das outras vezes. O senhor mudou a receita?

Um raio em forma de lembrança percorreu sua mente e o velho homem se deu conta de que as coisas não eram mais como antes. Tentou disfarçar a tristeza e respondeu:

- Ah!!! Vocês num sabe, mas tão comendo bolo de cenorraba.

O que levava um pedaço à boca, parou, observou o bolo e decepcionado protestou:
- Puxa vovô, até o senhor tá nessa onda? Estamos cansados de comer essas coisas modificadas.

Os olhos marejaram e mirando o quintal pela vidraça explicou:

- Me disculpe crianças. Eu tentei, mas num consegui. Faz uns dois meses que uma praga muito misteriosa acabó com a horta Esperança. Numa madrugada eu levantei e lá tava ela toda amarelada, murcha. Num sobrô nada, só o canteiro de cenorraba que eu tinha plantado pra teste num sofreu nada.

Recebendo o forte abraço, ouviu:

- Não fique assim vovô, nós não nos importamos com o que vamos comer. O que importa é estar aqui com você, e se divertir muito, né pessoal?

Todos confirmaram abraçando coletivamente o avô. E para mudar o assunto decidiram marcar uma pescaria para o dia seguinte logo cedo.

- Oba! Da hora! Muito dez! – gritaram todos, inclusive Lui que não sabia em quem pular primeiro.

Duas semanas ensolaradas se passaram. As crianças cinzas estavam agora avermelhadas pelo sol e pela terra. Com leves arranhões pelas pernas, algumas pipas para concertar, piões a mais na coleção e bicicletas imundas. Como se costuma dizer em cidades assim: estavam como crianças normais e saudáveis.

A neta primogênita sentia tal amor pelo avô que chegava a compreender seus suspiros. Cada detalhe, cada gesto do ancião era percebido por ela. Sentia-se feliz, mas a tristeza do avô a incomodava. Claro que ele fazia de tudo para esconder, mas quem olhasse dentro de seus olhos poderia perceber nitidamente uma angústia.

Numa noite, depois que o avô dormiu, acordou a prima e juntas foram ao quarto dos meninos. Fizeram malabarismos para não acordarem Lui e os meninos quase gritaram ao vê-las entrando no quarto com um lençol nas costas:

- O que vocês querem aqui suas malucas? – perguntaram.

- Precisamos conversar. É muito importante.

- Estou com medo – resmungou o mais novo.

- Não precisa ficar com medo seu tonto. Nós não somos fantasmas.

- Vocês não têm o que fazer? Meninas são todas iguais, cheias de fricotes. Anda, fala logo. Qual é o assunto?

Um sinal foi feito para que chegassem mais perto.

- É sobre o vovô. Tenho percebido que ele anda muito triste. Acho que ele está muito abatido e deprimido.

Num gesto de relaxamento retrucaram:

- Pô, caramba, pensei que fosse alguma coisa mais séria. Pensei que vocês tinham descoberto alguma gruta secreta pra gente se esconder. Ou uma cachoeira. Ou que homenzinhos verdes com bolinhas cor de rosa tavam atacando as cenorrabas do vovô pra usarem de combustível nuclear contra os humanos.

Enfurecidas levantaram da cama e antes de sair protestaram:

- Seus idiotas. Vocês são uns insensíveis. Só pensam em se divertir. Nem sequer conseguem perceber que o vovô fica horas e horas, depois que a gente vai dormir, sentado na cadeira lá fora olhando para o nada. Ele deve estar doente.

Cobrindo-se e fechando os olhos afirmaram:

- Vocês querem saber? Nosso avô deve estar apaixonado por alguma “mocinha” do Arco-Íris. Deixa o velho em paz.

Indignada saíram.

- Vamos dormir. Deixa esses babacas. Nós vamos descobrir o que está acontecendo com nosso avô.

- Cai fora logo, suas fantasmas falsificadas.

-        É isso aí, vão dormir assombração.

(Continua...)

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