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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

4. O fracasso

        Pela primeira vez em tantos anos não havia nenhuma verdura, nenhum legume para vender na feira. O que fazer? Não ir à feira? Como poderia ser isso? Enquanto pensava no que fazer, percebeu um canteiro intacto, perfeito, o canteiro das cenorrabas. Como seria possível? Aproximou-se do canteiro e ficou admirado com o que via. As plantas estavam fortes, bonitas e viçosas. E neste mesmo instante vieram à sua mente as palavras do vizinho sobre as sementes perfeitas. Pensou que realmente elas seriam melhores, porque a praga misteriosa que atingira toda sua horta não conseguira fazer mal às cenorrabas. Decidiu colhê-las e levá-las à feira.

        Todos os fregueses e freguesas notaram a diferença na barraca Coração Verde, a começar pelo ar triste do dono.

       - Bom-dia! Aconteceu alguma desgraça para o senhor estar assim, todo jururu? – perguntou a velha freguesa estacionando o carrinho de feira para não atrapalhar o corre-corre entre as bancas.

         - Bom dia. Hoje eu tô injuriado por causa das minhas verdurinhas.

         - Mas o que foi que aconteceu? Onde estão minhas alfaces crespas? E os tomates?

        - O problema é justamente esse. Eles num tão. Da noite pro dia uma praga misteriosa acabó com toda a minha horta. Quando levantei, essa madrugada, pra colhê as queridinhas, foi um susto só, tavam tudo murcha.

        A freguesa fez cara de horror, acentuando ainda mais as rugas. Ajeitou novamente o carrinho e piedosamente tentou consolar o amigo feirante:

         - Que coisa mais triste. Nem deu geada essa noite e o eclipse já faz tanto tempo que aconteceu. Deve ser uma praga nova. Mas não fique assim não, nem tudo está perdido. E essas aqui?  - ao terminar de falar pegou uma cenorraba, que só a enxergou bem quando estava quase na ponta do nariz, levando um susto – Mas o que é isso?

        Desolado, sem levantar os olhos respondeu:
 
      - Ah, isso aí é cenorraba. Uma mistura de cenoura com beterraba que os tais de homens modernos inventaro. Foi o meu vizinho que me deu as semente. Eu nem quiria, mas acabei prantando e no final só elas num morrero. Pode levar pra senhora algumas de amostra, eu nem sei que gosto tem.

       A freguesa ficou profundamente comovida com o estado do feirante. Aceitou a oferta e prometeu divulgar a novidade. Incentivou-o a adubar melhor o terreno, talvez com fertilizantes químicos atualmente muito usados e, o convidou para jogar cartas na Casa Arco-Íris às 16h00. Confortado agradeceu, mas não prometeu ir, queria mesmo era pensar nos acontecimentos.

         As vendas não tinham sido nada boas, aliás, não vendera nada. Produto novo o melhor mesmo é dar de graça para fazer freguesia. Nem ele mesmo sabia se aquela coisa esquisita de cenorraba era boa para comer. Sentado em sua cadeira de balanço na varanda, olhava a derrocada total em que se encontrava Esperança. O que teria acontecido? Será que o solo estaria enfraquecido? Ele nem tinha outras plantas diferentes que pudessem tirar todos os nutrientes da terra; tinha um pinheirinho velho que todos os anos servia de árvore de Natal, mas nem que fosse um pinheiro gigante não faria tal estrago.

         Em sua cabeça de homem da terra não encontrou resposta, mas decidiu que o melhor a fazer era arrancar tudo, jogar na composteira, cuidar da terra e plantar tudo de novo. Foi o que fez nas semanas seguintes. Continuou indo à feira vender cenorrabas e arrancou todas as plantas mortas. Parecia mais um enterro. Aquela grande cova e a composteira engolindo tantos brotos que nem chegaram a florir. 

           A terra foi exaustivamente trabalhada para receber as novas sementes. Enquanto que o canteiro das cenorrabas, nenhum trabalho desprendia além de ser regado. O vizinho passava todas as tardes pela casa e ria de todo aquele trabalho:
           
           - Deixa de ser besta home, pranta logo outras sementes perfeita e pára com todo esse trabalho, ocê já tá véio pra isso.

        Nada respondia, a terra sempre fora sua vida. Dela tirou o sustento da família, além dos diplomas dos filhos. A terra era a diversão dos netos durante as férias. Como deixar de cultivá-la, de amá-la agora? Para ele, trabalhar a terra não era um sacrifício, era viver.

        Por outro lado, as sementes perfeitas tentavam-lhe as idéias. As pessoas acharam um pouco estranho no começo, mas acabaram acostumando com o sabor de “não sei o quê” como lhe diziam. Alguns tentavam comparar dizendo que se parecia com gosto disso, outros, daquilo. Como se faz quando o paladar entra em contato com um novo sabor. Até que este novo sabor se torne um novo parâmetro para outros novos sabores. Um ou outro mais acostumado ao sabor de antes costumava reclamar, mas como não tinha mais as verduras e legumes de antes, se conformavam em comer aquelas. 

           Ainda tentava plantar as verduras e legumes em seu estado original. Mas elas não vingavam. Para ele era como se uma maldição houvesse recaído sobre sua terra. Cada novo plantio uma decepção, cada decepção mais tristeza abatia sua feição. Passou a adoecer facilmente e bastava uma gripe para deixá-lo de cama.

      Da última vez em que plantou as sementes originais chegou a ficar acordado olhando os canteiros, queria entender. Desconfiou do vizinho, talvez durante a noite jogasse veneno nas mudinhas. Sentado na varanda com o Lui a seus pés, adormecia de cansaço e despertava com os pernilongos sugando-lhe o sangue.

          Não teve escolha, se quisesse pelo menos olhar para uma plantação teria que aderir totalmente às sementes perfeitas. Plantou nabo-flor, alfacerola, pepimate, espigrião e mais uma porção de espécies. Quanto mais nasciam as herbáceas mais a idade lhe pesava. Elas eram realmente grandes, de aparência, mas não faziam brilhar os olhos do veterano do solo. Não tinham sabor para seu paladar, nem cheiro definido para seu olfato. De repente seu pedacinho de chão parecia outro planeta. 

As únicas plantas de antes que restaram foi o velho pinheiro e a antiga roseira que cultivava desde o aniversário de quinze anos da filha, quando esta ganhou um lindo ramalhete de rosas. Das melhores fez mudas e cultivou. Se consolava conversando com o pinheirinho enquanto o podava para ficar em forma arredondada. Ao lado a roseira parecia uma dama, sempre majestosa e imponente. Nem aparentava tanta idade. 

E assim passaram-se os dias e os meses.

(Continua...)

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