Pela primeira
vez em tantos anos não havia nenhuma verdura, nenhum legume para vender na
feira. O que fazer? Não ir à feira? Como poderia ser isso? Enquanto pensava no
que fazer, percebeu um canteiro intacto, perfeito, o canteiro das cenorrabas. Como
seria possível? Aproximou-se do canteiro e ficou admirado com o que via. As plantas
estavam fortes, bonitas e viçosas. E neste mesmo instante vieram à sua mente as
palavras do vizinho sobre as sementes perfeitas. Pensou que realmente elas
seriam melhores, porque a praga misteriosa que atingira toda sua horta não
conseguira fazer mal às cenorrabas. Decidiu colhê-las e levá-las à feira.
Todos os fregueses e freguesas
notaram a diferença na barraca Coração Verde, a começar pelo ar triste do dono.
- Bom-dia! Aconteceu alguma desgraça
para o senhor estar assim, todo jururu? – perguntou a velha freguesa
estacionando o carrinho de feira para não atrapalhar o corre-corre entre as
bancas.
- Bom dia. Hoje eu tô injuriado por
causa das minhas verdurinhas.
- Mas o que foi que aconteceu? Onde
estão minhas alfaces crespas? E os tomates?
- O problema é justamente esse. Eles
num tão. Da noite pro dia uma praga misteriosa acabó com toda a minha horta.
Quando levantei, essa madrugada, pra colhê as queridinhas, foi um susto só,
tavam tudo murcha.
A freguesa fez cara de horror,
acentuando ainda mais as rugas. Ajeitou novamente o carrinho e piedosamente
tentou consolar o amigo feirante:
- Que coisa mais triste. Nem deu
geada essa noite e o eclipse já faz tanto tempo que aconteceu. Deve ser uma
praga nova. Mas não fique assim não, nem tudo está perdido. E essas aqui? - ao terminar de falar pegou uma cenorraba,
que só a enxergou bem quando estava quase na ponta do nariz, levando um susto –
Mas o que é isso?
- Ah, isso aí é cenorraba. Uma
mistura de cenoura com beterraba que os tais de homens modernos inventaro. Foi
o meu vizinho que me deu as semente. Eu nem quiria, mas acabei prantando e no
final só elas num morrero. Pode levar pra senhora algumas de amostra, eu nem
sei que gosto tem.
A freguesa ficou profundamente
comovida com o estado do feirante. Aceitou a oferta e prometeu divulgar a
novidade. Incentivou-o a adubar melhor o terreno, talvez com fertilizantes
químicos atualmente muito usados e, o convidou para jogar cartas na Casa
Arco-Íris às 16h00. Confortado agradeceu, mas não prometeu ir, queria mesmo era
pensar nos acontecimentos.
As vendas não tinham sido nada boas,
aliás, não vendera nada. Produto novo o melhor mesmo é dar de graça para fazer
freguesia. Nem ele mesmo sabia se aquela coisa esquisita de cenorraba era boa
para comer. Sentado em sua cadeira de balanço na varanda, olhava a derrocada
total em que se encontrava Esperança. O que teria acontecido? Será que o solo
estaria enfraquecido? Ele nem tinha outras plantas diferentes que pudessem
tirar todos os nutrientes da terra; tinha um pinheirinho velho que todos os
anos servia de árvore de Natal, mas nem que fosse um pinheiro gigante não faria
tal estrago.
Em sua cabeça de homem da terra não
encontrou resposta, mas decidiu que o melhor a fazer era arrancar tudo, jogar
na composteira, cuidar da terra e plantar tudo de novo. Foi o que fez nas
semanas seguintes. Continuou indo à feira vender cenorrabas e arrancou todas as
plantas mortas. Parecia mais um enterro. Aquela grande cova e a composteira
engolindo tantos brotos que nem chegaram a florir.
A terra foi exaustivamente
trabalhada para receber as novas sementes. Enquanto que o canteiro das
cenorrabas, nenhum trabalho desprendia além de ser regado. O vizinho passava
todas as tardes pela casa e ria de todo aquele trabalho:
- Deixa de ser besta home, pranta
logo outras sementes perfeita e pára com todo esse trabalho, ocê já tá véio pra
isso.
Nada respondia, a terra sempre fora
sua vida. Dela tirou o sustento da família, além dos diplomas dos filhos. A
terra era a diversão dos netos durante as férias. Como deixar de cultivá-la, de
amá-la agora? Para ele, trabalhar a terra não era um sacrifício, era viver.
Por outro lado, as sementes
perfeitas tentavam-lhe as idéias. As pessoas acharam um pouco estranho no
começo, mas acabaram acostumando com o sabor de “não sei o quê” como lhe
diziam. Alguns tentavam comparar dizendo que se parecia com gosto disso, outros,
daquilo. Como se faz quando o paladar entra em contato com um novo sabor. Até
que este novo sabor se torne um novo parâmetro para outros novos sabores. Um ou
outro mais acostumado ao sabor de antes costumava reclamar, mas como não tinha mais
as verduras e legumes de antes, se conformavam em comer aquelas.
Ainda tentava plantar as verduras e
legumes em seu estado original. Mas elas não vingavam. Para ele era como se uma
maldição houvesse recaído sobre sua terra. Cada novo plantio uma decepção, cada
decepção mais tristeza abatia sua feição. Passou a adoecer facilmente e bastava
uma gripe para deixá-lo de cama.
Da última vez em que plantou as
sementes originais chegou a ficar acordado olhando os canteiros, queria entender.
Desconfiou do vizinho, talvez durante a noite jogasse veneno nas mudinhas.
Sentado na varanda com o Lui a seus pés, adormecia de cansaço e despertava com
os pernilongos sugando-lhe o sangue.
Não teve escolha, se quisesse pelo
menos olhar para uma plantação teria que aderir totalmente às sementes
perfeitas. Plantou nabo-flor, alfacerola, pepimate, espigrião e mais uma porção
de espécies. Quanto mais nasciam as herbáceas mais a idade lhe pesava. Elas
eram realmente grandes, de aparência, mas não faziam brilhar os olhos do veterano
do solo. Não tinham sabor para seu paladar, nem cheiro definido para seu olfato.
De repente seu pedacinho de chão parecia outro planeta.
As
únicas plantas de antes que restaram foi o velho pinheiro e a antiga roseira
que cultivava desde o aniversário de quinze anos da filha, quando esta ganhou
um lindo ramalhete de rosas. Das melhores fez mudas e cultivou. Se consolava
conversando com o pinheirinho enquanto o podava para ficar em forma
arredondada. Ao lado a roseira parecia uma dama, sempre majestosa e imponente.
Nem aparentava tanta idade.
E
assim passaram-se os dias e os meses.
(Continua...)
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