Dentre
todas as noites do tempo em que Antônio estava no hospital, a que antecedeu a
ida de Cenotita e Cenorramaria foi a
mais interessante. Uma chuva fina caia sobre os telhados de Céu Azul. Na casa
de Antônio todos se deitaram, mas nem todos conseguiram dormir, principalmente
os adultos. Paulo Afonso fazia suas orações e ajoelhado aos pés da imagem de
Nossa Senhora da Esperança pedia pela recuperação do pai, intercalando orações
de conformidade com orações de desespero. A janela estava aberta e a luz da lua
iluminava Rosa-Flor e Pinheiro-Silvestre. Num momento de profundo diálogo com
os céus, palavras em forma de oração e poesia começaram a sair dos lábios
angustiados do amigo de Deus:
“Deus,
olhando entre as pobres grades de
uma janela da vida,
assim
como se olha por uma alma empobrecida,
vejo a chuva que cai com tal
leveza,
quanto
a mão de uma mãe que acalenta o filho pródigo.
Ah,
pobre de mim,
contemplando
de longe as maravilhas
vindas
de mãos tão divinas...
escute-me
Deus.
Aquela
Rosa...alí.
Tão sozinha em sua plenitude, tão
acalentada pelos que a cercam.
De longe a admiram. Rosa tão
perfeita, tão frágil, mas tão amada e admirada.
Todos
a invejam, principalmente eu.
Ela, a mais bela de todas: A Rosa.
Que
do lado de fora das grades contempla a chuva.
És,
meu Deus, este forte Pinheiro
Cujo
raio de sol o faz feliz.
Refletindo o rosto meigo, daquele
que ama sem saber se é amado.
Daquele
que se doa sem sentir o afago da doação.
Meiga
Rosa,
Ao
lado do bravo e amigo Pinheiro,
cuja alma é abrigo às criaturas
abençoadas e bem vindas.
Pobre
de mim.
Observo
de longe, com olhos que não enxergam.
Ao longe, mesmo de longe te sinto
no mais profundo esconderijo,
de um
coração que não merece, Rosa, ser percebido.
Minha
mão não te alcança.
Teus espinhos repletos de essência
do amor e da compaixão podem me ferir.
Vida
não conquistada, não vivida.
Condeno-me
a vida e me deixo levar
pela
visão mais bela que já tive.”
Elisabete
e Pedro, cada um em seu leito, vivia sua angústia pessoal.
Muito mais tensas estavam Cenotita e
Cenorramaria. De forma alguma conseguiram adormecer. Não sabiam nem sequer o
que conversar, as horas pareciam uma eternidade. De repente, Cenorramaria
voltou-se para Cenotita e disse:
- Cenotita, o que você costuma fazer
quando está nervosa?
- Bom, depende da situação. Às vezes
eu canto, às vezes fico me balançando de um lado para o outro, às vezes fico
recitando poesias, sei lá. Por quê?
- Por nada não. É que eu estou muito
angustiada.
- Eu também. O que você acha de
conversarmos com o Grande Artista do Universo? Ele pode nos acalmar.
- Mas onde está ele? Eu não o
vejo – perguntou Cenorramaria um tanto confusa.
- Você não precisa vê-lo, basta
acreditar que Ele está aqui. Ele realmente está. Ele está em tudo aquilo que
criou.
- Ele me criou?
Cenotita ficou um pouco confusa.
Como dizer que Cenorramaria não fora criada pelo Grande Artista do Universo? A
vida a Ele pertence. Se não foi Ele quem a criou, pelo menos foi Ele quem lhe
deu o sopro de vida.
- Sim. Foi o Grande Artista do
Universo quem te deu vida.
- E como se conversa com Ele?
- Como se conversa com o melhor
amigo. – respondeu Cenotita. – Nós podemos tentar. Eu começo a falar e você
também. Vamos recitar uma poesia ao nosso Criador.
- Está bem – aceitou Cenorramaria.
Cenotita: “ Criador Nosso, que mora no céu
Cenorramaria: O teu nome é tão belo e grandioso
Cenotita: Mande a nós a tua paz, o teu carinho
Cenorramaria: Para que nós façamos aquilo que você quer
Cenotita: Hoje, amanhã e sempre
Cenorramaria: Dá-nos sempre a terra mãe
Cenotita: Não leve em conta nossos erros
Cenorramaria: Nos ensina a não levarmos em conta os erros dos outros
Cenotita: Por favor, não nos deixe enfraquecer
Cenorramaria: Liberta-nos do medo
Juntas: Assim seja!”
Com
a alma mais tranquila cada uma adormeceu, atraindo para aquela casa a paz e a esperança.
(Continua...)
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