O caminho estava em minha memória, a paisagem um pouco alterada pela nova população, o sol aquecia meu carro, meus batimentos cardíacos permaneciam tranquilos e minha mente quieta. Eu não era mais aquela jovenzinha de 17 anos buscando respostas sobre meu futuro, eu era uma mulher madura, buscando respostas sobre o meu passado.
Qual resposta faria sentido ao meu coração? Qual resposta resgataria 24 anos de história? O que ela dissesse me faria voltar no tempo? Me colocaria novamente naquele instante e me daria a oportunidade de fazer diferente? Eu havia feito esta pergunta centenas de vezes e nenhuma resposta que eu imaginava me parecia suficiente ou capaz de realizar tal feito.
Quando ela estivesse diante de mim, o que nos diríamos? O que eu lhe desejei dizer, em outros momentos, me libertaria? Me faria voltar no tempo e recomeçar? A resposta sempre era "não". Em sete anos de convivência nunca a vi pedir desculpas, ou chorar de fraqueza, ou aceitar uma correção, aliás, ninguém o fazia por absoluto pavor de sua força. Por que justo comigo ela faria diferente? Por que justo comigo ela reconheceria sua falta? Logo ela que vive sob a certeza de ser portadora de uma missão divina. Esperar por tal atitude seria demasiado.
Cheguei, sem saber, no momento em que a missa começava. A capela estava lotada e havia algumas cadeiras de plástico na calçada, me aproximei e sentei na última. Em poucos minutos fui reconhecida e me deram as boas vindas. O ritual transcorreu, aos poucos eu sentia uma profunda liberdade em não crer mais naquilo. Eu olhava as pessoas, observava seus comportamentos e me perguntava por que havia passado por aquele lugar tão vazio de sentido para mim. Somente o amor e a admiração por aquelas pessoas justificaria. Eu as admirava, me encantava com suas histórias de luta, com seus sacrifícios por uma causa, por um ideal. Eu queria aprender com elas a ser forte o bastante para enfrentar todos os tipos de problemas, a superar todos os obstáculos da vida para viver meus sonhos, mas no meio disso tudo havia uma doutrina e aos poucos as pessoas deixaram de me tratar bem, queriam que eu amasse mais uma estátua e um cofre com uma luz vermelha em cima. Eu não conseguia amar assim.
Todos os dias me obrigavam a comer "a carne" de alguém morto há muito tempo. Eu não queria comer a "carne" de ninguém , eu queria sentir o calor fraterno da carne das pessoas. Me ordenavam a passar horas olhando para um cofre de ouro, me dizendo para ter intimidade com aquela pessoa invisível. Eu queria intimidade com as pessoas de verdade, queria poder perguntar-lhes se elas também sentiam o medo e as dúvidas que eu sentia. Então, pouco a pouco, fui caindo no abismo profundo da falta de expressão de sentimentos. Até que me tornei desnecessária.
E quando ela me devolveu ao mundo "sem luz", meus sentimentos estavam todos enterrados, jaziam na escuridão, e eu não fui capaz de demonstrar à minha mãe o quando ela estava certa e lhe pedir desculpas, reconhecer que sentia falta de casa, mesmo com todos os problemas que tínhamos. Não fui capaz de pedir desculpas à minha irmã por tê-la abandonado sem ao menos lhe explicar porque eu partira. Me transformei no monstro que repudiava. E saí novamente, uma, duas, três vezes, sempre fugindo desse momento, sem saber que fugia.
Durante minha observação da missa de hoje, percebi que aquelas palavras não ecoavam mais, eu estava livre delas. Ajoelhei por educação, não queria chamar atenção, e meus joelhos doeram demais. Pensei em meu jardim, no quanto trabalho ajoelhada e nada me dói. Elevei meus pensamentos a Deus, e tão somente a Ele e me permiti não crer no que ouvia, em crer que tudo aquilo não passava de invenção humana, válida sim, mas não para mim.
Convidaram-me para entrar e eu aceitei, queria vê-la, mas ela não veio, eu sabia que não viria. Meu coração estava sereno pela primeira vez naquele lugar. Com as outras pessoas conversamos respeitosamente e eu fiquei orgulhosa de mim, da minha postura natural, do quanto me tornei alguém agradável de se ouvir, de conversar. Eu podia sentir sua presença na casa. "Ela passou mal a noite toda e hoje nem teve forças para se levantar" me disseram. "Ela disse que você volte outro dia, porque hoje você não merece vê-la assim". Sabia ela que eu iria? Acredito que sim, pessoas como ela não são pegas de surpresa. Mas a carta que eu levara já estava em suas mãos.
Passei pelos portões com a cabeça erguida, dirigindo meu próprio carro, rumo à minha casa, à minha vida, rumo às pessoas que desejavam me amar, mesmo com todas as nossas limitações, rumo às pessoas que amo e que magoei, para pedir-lhes perdão e reconquistar sua confiança. E o sentimento do nada voltou a tomar conta de mim.
Passei pelos portões com a cabeça erguida, dirigindo meu próprio carro, rumo à minha casa, à minha vida, rumo às pessoas que desejavam me amar, mesmo com todas as nossas limitações, rumo às pessoas que amo e que magoei, para pedir-lhes perdão e reconquistar sua confiança. E o sentimento do nada voltou a tomar conta de mim.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Quer compartilhar tua opinião?