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terça-feira, 13 de agosto de 2013

3. Só um experiência

        Resolveu então preparar uma sementeira especial. Partiu do princípio de que as trataria da mesma maneira que das outras, só que em separado para observar as diferenças. Fez a sementeira, preparou a terra e carinhosamente lançou as sementes. O que ele não percebeu é que algumas sementes caíram na sementeira comum de cenouras.

        Os dias se passaram. As sementes germinaram e aos poucos rompiam a terra, sensíveis e frágeis, mas vitoriosas.  Todos os dias as visitava e as mantinha sempre  cobertas por terra, as saciava com água pura do poço e as cobria para os pássaros não as molestarem. Aparentemente, até então, nenhuma diferença era notada no canteiro das cenorrabas. Estavam crescendo.

    Quando finalmente atingiram a altura ideal foram transplantadas para canteiros maiores e totalmente abertos. Era o momento de abandonar o berço para tornarem-se adultas até atingirem a maturidade, serem colhidas e vendidas na feira.
 
        Tanto as cenouras como as beterrabas são raízes. Elas se desenvolvem embaixo da terra, apenas suas folhas são vistas. O cultivador vem e as arranca da terra. É fascinante para os sentidos. Ao saírem da terra elas exalam um aroma inebriante, um cheiro doce. Se fosse possível colocar num frasco certamente viraria perfume, e dos caros. Ela sabe que é chegada à maturidade e nem fica triste porque está sendo colhida. Sabe que sofrerá uma transformação porque quando alguém a consome ela se transforma em sangue, em vida.

     As semanas se passavam normalmente nos canteiros. As cenorrabas cresciam. Eram bastante diferentes. As cenouras são finas, compridas e alaranjadas, as beterrabas são redondas, grossas e vermelhas. As cenorrabas nasciam desbotadas, nem alaranjadas nem avermelhadas, nem finas nem grossas, nem redondas nem compridas. No canteiro não havia nenhum problema, todas eram iguais e não se estranhavam, mas em compensação, no canteiro de cenouras, aquelas que caíram por acaso, também cresceram e causaram uma confusão danada.
             
        Uma das cenouras começou a comentar com a vizinha:

        - Cenourita, você não acha que aquela cenoura da esquina direita é um tanto diferente?

        - Eu acho, ela nem se parece conosco. Veja só a cor dela. E a forma é estranha.
       
         - Ela também não é de conversar muito.

         - Tem panca de metida – falou outra cenoura, dona Cenourola.

        - Por que ao invés de ficarem fofocando vocês não tentam fazer amizade com ela? – perguntou Cenourão.

         - Não é fofoca, são apenas comentários – se defendeu Cenourita – mas se este é o problema eu vou tentar.

        Cenourita na verdade não gostava muito daquela cenoura estranha. Mas não custava nada tentar se aproximar. Foi chegando perto e educadamente falou:

          - Oi? Eu sou Cenourita. E você?

        De repente ouviram o que parecia um trovão:

        - Ooooooiiiiiiiiiii. Eu sou Cenorrabatildeeeeeeee.

      Cenourita ficou arrepiada. Aquela cenoura, aquela coisa estranha tinha uma voz horrível. E aquele nome? Era uma mistura de cenoura, com beterraba, com nome, muito estranha. O medo tomou conta de Cenourita, mas a curiosidade era maior. Então tremendo continuou o diálogo:

         - Muito prazer Cenorrabatilde. O dia está ensolarado hoje, né? Olha como estou suada – o suor de Cenourita era de pavor.

          - O que é muito prazer? – falou Cenorrabatilde com sua voz horripilante.

        As outras cenouras acompanhavam atentamente o diálogo. Estavam pasmadas com o que viam e ouviam. Que cenoura estranha. Ela seria realmente uma cenoura? Cochichavam continuamente. Ela nem sabia o que é muito prazer. Será que não falava a nossa língua? Enquanto isso, Cenourita tentava levar adiante a conversa:
       - Bom, muito prazer quer dizer que eu... eu, estou feliz,..., é.....contente e alegre, por te conhecer. Deu pra entender?

        - O que é conteeeente? Aleeeeegre? Feliiiiiz?

       - Caramba!!! – exclamou Cenourão – Esta cenoura é a encarnação da burrice. Ela nem sabe o que é contente, alegre e feliz? Será que ela não tem sentimentos?

        Ninguém acreditava no que acabavam de ouvir. Cenourita ficou tão atrapalhada que se despediu e saiu de perto. Logo o canteiro todo só comentava um assunto: a cenoura esquisita. Parecia não haver explicação para tal fato. Alguns defendiam que na verdade ela nem seria uma cenoura e resolveram realizar uma assembléia para discutir a questão. Também decidiram fazer uma visita aos outros canteiros para ver se aquela cenoura estranha era na realidade outro tipo de legume que por acaso caíra ali.

         Foi organizada uma comissão de cenouras espiãs que sairiam à noite para não serem percebidas pelo cultivador. Deveriam voltar antes das 3h00 da madrugada. Então, à meia-noite pularam para o canteiro vizinho, um canteiro de berinjelas. Assustadas as berinjelas quiseram logo saber o motivo daquela espionagem e ficaram abismadas e não sabiam o que dizer a respeito, mas sugeriram às cenouras que fossem ao canteiro das beterrabas também, talvez soubessem de algo. Sem perder tempo as cenouras-espiãs saltaram para os canteiros

        Foi um reboliço. As cenouras falavam rápido, as beterrabas não entendiam direito. Foi preciso estabelecer um líder, o Beterrelsom, para organizar a conversa. Cenourita, a chefe das espiãs, contou tudo desde o começo. As beterrabas já suspeitavam de alguma coisa:
 
       - Temos percebido certa mudança no comportamento de nosso cultivador, ele parece apreensivo desde que plantou sementes perfeitas naquele canteiro afastado. Fica mais tempo debruçado sobre as tais cenorrabas – explicou Beterrelsom.

          - Cenorrabas?! – exclamaram as espiãs.

        - Cenorrabas é uma mistura de cenoura com beterraba. Fiquei sabendo disso porque numa dessas noites sai para dar uma voltinha e li a placa de identificação do canteiro: “Cenorrabas”. Não cheguei a vê-las, não dava tempo, tinha que voltar antes das 3h00.

           - Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? – questionou Cenourita.

            - Pode ser que a tal da cenoura estranha na verdade seja uma cenorraba.

            De repente virou um cochicho geral:

            - Que horror!

            - Mas como será isso?

            - Então elas devem ser monstros...

            - Silêncio! Silêncio! – pedia Beterrelsom. – Acalmem-se. Não temos tempo para comentários. Precisamos pensar melhor, obter mais informações e descobrir quem realmente são essas novas plantas entre nós. Talvez seja outra espécie.
           
            Novo burburinho:

            - Seriam alienígenas que querem dominar os canteiros?

            - Nossa! Então é o fim!!!

            - Vão nos liquidar com armas bacteriológicas...

            Tantas eram as suposições que o líder precisou intervir novamente e agora com mais rigor:
           
       - Calados, todos calados!!! Deixem de asneiras. Não sabemos exatamente o que está acontecendo, antes de sairmos por aí falando qualquer coisa, precisamos pesquisar, ter certeza.

            Foi então que uma das beterrabas sugeriu:

- E se algumas de nós nos juntássemos às cenouras espiãs, roubássemos a placa de identificação das cenorrabas para saber mais?

        Todas concordaram com a idéia, mas naquela noite seria impossível porque já eram 2h45, logo o cultivador estaria acordado para fazer a colheita. Voltariam para o canteiro e esperariam a noite seguinte. 
            
       Naquela madrugada a terra revirada despertou a atenção do agricultor:

    - Será que o Lui passou por cima do canteiro? – falou consigo mesmo, depois o arrumou amorosamente, desejou um bom-dia a todas e saiu para mais um dia de festa, quer dizer, de feira.
            
      Finalmente a noite chegara. As espiãs se prepararam e se certificaram de que todas as luzes da casa estavam apagadas. Na pontinha dos pés pularam dos canteiros, roubaram a placa de identificação das cenorrabas e no canteiro das beterrabas fizeram uma leitura em voz alta. A placa dizia:

            Nome: Cenorrabas Species
            Família: produzida
            Época de plantio: o ano todo
            Terreno: fértil ou arenoso
            Qualidade: excelente
            Observação: Estas sementes foram fabricadas nos Laboratórios Semente-Fértil do Brasil S.A. Ingredientes: sementes de cenouras e sementes de beterrabas pasteurizadas. Inventor: Dr. J.F. Todos os direitos estão reservados a este laboratório.

        Ao término da leitura, tanto as beterrabas quanto as cenouras não sabiam o que pensar. Algumas ficaram tão assustadas que começaram a passar mal. Suas folhas murcharam. Deixaram de exalar o aroma próprio. Uma confusão total. Ninguém sabia o que fazer.

       - Estamos perdidos, é o nosso fim. Seremos trocadas por esses monstruosos frutos. – diziam uns.

        -  Ninguém mais vai querer saber de se alimentar de nós – diziam outros.

         - Vamos morrer sem nos transformarmos em alimento – pensavam alguns.

      Logo a notícia se espalhou por toda horta. Os boatos de novas invenções de sementes aumentaram ainda mais a tristeza.

Para surpresa e desespero do agricultor ao ver pela manhã sua horta, a mesma encontrava-se toda murcha, sem vida. Nem era tempo de geada ou chuva forte, ninguém havia entrado no terreno à noite. O que estaria acontecendo? Ele amava tanto cada plantinha que se sentou no chão e começou a chorar. Passava a mão ora pelas folhas murchas ora em seus cabelos brancos. Conversava com as alfaces amareladas, as berinjelas caídas. Que desolação em sua horta. Mas, por quê?

(Continua...)

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