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quinta-feira, 29 de agosto de 2013

14. Chegou quem faltava


        - Mamãe, titio, olha só o que nós vamos levar para o vovô – falavam empolgadas as crianças enquanto carregavam o vaso.

Um nó na garganta e o esforçou extremo para não chorar. Naquela situação um segundo parecia a eternidade. Os cérebros processavam milhões de pensamentos ao mesmo tempo: “Falar a verdade às crianças? Como? Nada contar? Deixá-las levar o vaso? O que fazer? O que falar?” As palavras surgiam na mente como um flash.

- O médico disse que pro vovô sarar ele tem que ficar alegre. O Lui levou a gente lá na horta e mostrou essas plantinhas. Aí a gente pegou o vaso o colocou elas dentro. Vamos levar no hospital pro vovô não sentir muitas saudades da horta. Ele vai ficar alegre e voltar logo pra casa.

Olhares se buscaram no anseio de resposta e encontraram o desconcerto.

- O vovô vai ficar muito feliz. Mas, agora, vocês vão tomar banho e jantar.

Saíram felizes discutindo sobre onde deixariam o vaso naquela noite.

A campainha quebrou o silêncio do jantar. Era o irmão músico que mal os cumprimentara e já perguntava pelo pai.
Foram à cozinha e enquanto Elisabete preparava o jantar Pedro explicava ao irmão tudo o que havia acontecido. Paulo Afonso sentia muito pelo pai, amava-o demais. Ao mesmo tempo em que os irmãos falavam passavam por sua memória recordações das novenas e terços que o pai costumava fazer ao longo do ano. Os meses de maiores comemorações eram junho e dezembro. Junho com a festa junina, e longos terços a Santo Antônio, São Pedro e São João, além da fogueira e dos forrós noite adentro. Dezembro com a novena de Natal e a espera pelos presentes. Às vezes uma camiseta, um sapato, mas o bom mesmo era quando o presente servia para brincar: uma bola, um jogo. Este mesmo pai estava agora num quarto de hospital sem nenhuma comunicação.

Muito devoto de Nossa Senhora, Paulo Afonso entristecido tentou transmitir aos irmãos palavras de conforto que serviam a si mesmo:

- Vamos acreditar que tudo vai dar certo. Tenho muita fé em Nossa Senhora da Esperança. Pela falta da mamãe eu me apeguei muito a Maria. Acredito que ela intercede por nós junto a Deus. Ela vai pedir pelo papai. A medicina está bastante avançada, o papai está em boas mãos. Nossa parte é acompanhá-lo, visitá-lo, estar conversando com os médicos e rezar, rezar muito. Precisamos estar juntos agora. Mas, e as crianças?

- As crianças foram tomar banho. Elas pegaram uma muda de cenoura e outra de cenorraba, colocaram num vaso e querem levar para o avô. É para o avô não ficar com saudades da horta. Elas ainda não sabem do coma – explicou Pedro.
- Estávamos pensando em contar agora no jantar. Na verdade não sabemos ainda como dizer. Elas estão tão empolgadas com o vasinho que nem dá coragem de falar nada – disse Elisabete.

- Não falem – afirmou Paulo Afonso.

- Mas se não falarmos hoje, amanhã saberão. Ninguém no hospital deixará que um vaso com mudas de legumes entre na UTI – retrucou Pedro.

- Esperem um pouco, se for o caso, amanhã tento conversar com elas. Vamos tentar ter um jantar agradável.

Alguns gritos de alegria contaram a conversa dos adultos:

- Tio Afonso! Tio Afonso!

André se jogou nos braços abertos de Paulo Afonso. Estava irradiante pela presença do tio. Às vezes André costuma brincar de celebrar missa dizendo se tornar padre quando crescer. Aprendeu com o tio músico, que tocava na igreja, a ser devoto dos santos.

- Oi, meninão! Que saudades o tio estava de você. Você cresceu, está fortão. Vai ser padre mesmo?

Enquanto falava, balançava o menino de um lado para o outro, apertando-lhe, bagunçando-lhe os cabelos. André estava radiante. Os outros também chegaram e fizeram festa com o tio disputando-lhe o colo e a atenção. Na medida do possível fizeram do jantar uma festa. Claro que o vazio da presença de Antônio era sentido por todos, mas inconscientemente sabiam que Antônio estava ali, em cada coisa sua, nas lembranças, nos fatos recordados, na alma de cada um.

Após o jantar, como de costume, Elisabete telefonou para Jorge, seu esposo, dando-lhe notícias e matando as saudades. Pedro ligou para Letícia acalmando-a. Ela queria vir, mas Pedro convenceu-a de que Elisabete estava cuidando bem das crianças. Paulo Afonso também avisou sua namorada sobre a viagem bem sucedida, e esta, prometeu rezar por todos, principalmente por Antônio.

(Continua...)

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