- Mamãe, titio, olha só o
que nós vamos levar para o vovô – falavam empolgadas as crianças enquanto
carregavam o vaso.
Um
nó na garganta e o esforçou extremo para não chorar. Naquela situação um segundo
parecia a eternidade. Os cérebros processavam milhões de pensamentos ao mesmo
tempo: “Falar a verdade às crianças? Como? Nada contar? Deixá-las levar o vaso?
O que fazer? O que falar?” As palavras surgiam na mente como um flash.
-
O médico disse que pro vovô sarar ele tem que ficar alegre. O Lui levou a gente
lá na horta e mostrou essas plantinhas. Aí a gente pegou o vaso o colocou elas
dentro. Vamos levar no hospital pro vovô não sentir muitas saudades da horta.
Ele vai ficar alegre e voltar logo pra casa.
Olhares
se buscaram no anseio de resposta e encontraram o desconcerto.
-
O vovô vai ficar muito feliz. Mas, agora, vocês vão tomar banho e jantar.
Saíram
felizes discutindo sobre onde deixariam o vaso naquela noite.
A
campainha quebrou o silêncio do jantar. Era o irmão músico que mal os
cumprimentara e já perguntava pelo pai.
Foram
à cozinha e enquanto Elisabete preparava o jantar Pedro explicava ao irmão tudo
o que havia acontecido. Paulo Afonso sentia muito pelo pai, amava-o demais. Ao
mesmo tempo em que os irmãos falavam passavam por sua memória recordações das
novenas e terços que o pai costumava fazer ao longo do ano. Os meses de maiores
comemorações eram junho e dezembro. Junho com a festa junina, e longos terços a
Santo Antônio, São Pedro e São João, além da fogueira e dos forrós noite
adentro. Dezembro com a novena de Natal e a espera pelos presentes. Às vezes
uma camiseta, um sapato, mas o bom mesmo era quando o presente servia para
brincar: uma bola, um jogo. Este mesmo pai estava agora num quarto de hospital
sem nenhuma comunicação.
Muito
devoto de Nossa Senhora, Paulo Afonso entristecido tentou transmitir aos irmãos
palavras de conforto que serviam a si mesmo:
-
Vamos acreditar que tudo vai dar certo. Tenho muita fé em Nossa Senhora da
Esperança. Pela falta da mamãe eu me apeguei muito a Maria. Acredito que ela
intercede por nós junto a Deus. Ela vai pedir pelo papai. A medicina está bastante
avançada, o papai está em boas mãos. Nossa parte é acompanhá-lo, visitá-lo,
estar conversando com os médicos e rezar, rezar muito. Precisamos estar juntos
agora. Mas, e as crianças?
-
As crianças foram tomar banho. Elas pegaram uma muda de cenoura e outra de
cenorraba, colocaram num vaso e querem levar para o avô. É para o avô não ficar
com saudades da horta. Elas ainda não sabem do coma – explicou Pedro.
-
Estávamos pensando em contar agora no jantar. Na verdade não sabemos ainda como
dizer. Elas estão tão empolgadas com o vasinho que nem dá coragem de falar nada
– disse Elisabete.
-
Não falem – afirmou Paulo Afonso.
-
Mas se não falarmos hoje, amanhã saberão. Ninguém no hospital deixará que um
vaso com mudas de legumes entre na UTI – retrucou Pedro.
-
Esperem um pouco, se for o caso, amanhã tento conversar com elas. Vamos tentar
ter um jantar agradável.
Alguns
gritos de alegria contaram a conversa dos adultos:
-
Tio Afonso! Tio Afonso!
André
se jogou nos braços abertos de Paulo Afonso. Estava irradiante pela presença do
tio. Às vezes André costuma brincar de celebrar missa dizendo se tornar padre
quando crescer. Aprendeu com o tio músico, que tocava na igreja, a ser devoto
dos santos.
-
Oi, meninão! Que saudades o tio estava de você. Você cresceu, está fortão. Vai
ser padre mesmo?
Enquanto
falava, balançava o menino de um lado para o outro, apertando-lhe,
bagunçando-lhe os cabelos. André estava radiante. Os outros também chegaram e
fizeram festa com o tio disputando-lhe o colo e a atenção. Na medida do
possível fizeram do jantar uma festa. Claro que o vazio da presença de Antônio
era sentido por todos, mas inconscientemente sabiam que Antônio estava ali, em
cada coisa sua, nas lembranças, nos fatos recordados, na alma de cada um.
Após
o jantar, como de costume, Elisabete telefonou para Jorge, seu esposo,
dando-lhe notícias e matando as saudades. Pedro ligou para Letícia acalmando-a.
Ela queria vir, mas Pedro convenceu-a de que Elisabete estava cuidando bem das
crianças. Paulo Afonso também avisou sua namorada sobre a viagem bem sucedida,
e esta, prometeu rezar por todos, principalmente por Antônio.
(Continua...)
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