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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

2. As estranhas sementes

        Este é um intervalo entre o primeiro e o segundo capítulo da história. Antes que eu o comece, como você já escolheu um bom lugar para continuar a ler a história, peço que você diga mentalmente ou em voz alta, como se estivesse diante do espelho, estas frases: Te perdoo, Sinto muito, Te amo, Sou grata(o). Estas palavras são mágicas e veem da cultura havaiana, procede do ritual Hooponopono, do alto perdão, estas frases eram ditas em voz alta por todos na comunidade e produzem o efeito necessário para a compreensão da história que segue.

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        Um agricultor e feirante, morador antigo da cidade, costumava montar na feira sua barraca de verduras e legumes, todas as terças, quintas e sextas-feiras. Era um homem muito engraçado que inventava refrões para cantar e atrair a atenção dos fregueses, contava piada e chamava as freguesas pelo nome, afinal de contas já fazia tanto tempo que era feirante que aprendera o nome da maioria de seus fregueses e freguesas, exceto daquela senhora meio gordinha que costumava ser anunciada por seu perfume. Como dizem seus netos, trabalhar na feira é como estar numa balada, muitas vozes, pessoas conversando, estabelecendo relações, tentando convencer mais do que o outro. 

        Sua barraca era uma das menores. Tudo o que vendia era cultivado por ele. Verduras e legumes da melhor qualidade, tudo fresquinho. Plantava, cultivava, colhia e vendia. A maioria dos fregueses sabia disso e por isso preferiam comprar dele.
 
        Sua rotina era cumprida com prazer. Levantava às 4h00 da madrugada, ia até a horta, colhia as verduras e os legumes, os lavava e os colocava em caixotes na caminhonete. Fazia tudo sozinho.
 
        Ficou viúvo ainda bem moço, sua esposa morreu no parto do terceiro filho. Sofrendo, pediu aos céus forças para cuidar das três crianças, e como agricultor e feirante, criou e educou seus filhos até cada um seguir sua vida. A primogênita formou-se veterinária e abriu uma clínica numa grande capital metropolitana. O primeiro homem tornou-se um advogado famoso e resolveu trabalhar no interior. O derradeiro e caçula decidiu ser músico e foi estudar num conservatório fora do país. 
 
        Não se casou novamente e mesmo após a partida do filho músico, preferiu continuar em sua casinha cultivando a horta e vendendo na feira. Não se sentia entediado ou solitário a maioria do tempo. Seu companheiro, o fiel vira-lata Lui, além de latir muito, o acompanhava a todos os lugares. Nos finais de tardes dos dias em que não estava na feira poderia ser encontrado jogando dominó com os amigos.

        Tudo transcorria como se bem queria, até que algo aconteceu e mudou para sempre a vida da horta Esperança. O agricultor acreditava que para cultivar uma horta era preciso dedicação e sensibilidade, e, que as verduras e legumes têm uma linguagem própria e se comunicam com aquele que as cultiva pelos olhos do coração do cultivador. Aquele que não sabe decifrar a sua linguagem não consegue cultivá-las.

        Tudo ia bem, tratava da terra com adubos naturais tirados da composteira. Composteira é um buraco de mais ou menos  um metro de diâmetro feito na terra onde se jogam restos de alimentos e tapa-se com terra. Os alimentos fermentam transformando-se em adubo natural. 

        Como eu estava contando, tudo ia bem. A horta era tratada com adubo natural.  O bom homem revirava bastante a terra e a molhava antes de plantar as mudinhas. Na verdade ele preparava uma cama bem macia para suas “queridinhas”. Era assim que costumava chamá-las. E parecia que também estavam satisfeitas com todos os cuidados que recebiam. Eram carinhosamente semeadas em sementeiras, às quais o cultivador denominava berços. Geralmente feitas em caixotes com terra da melhor qualidade, colocadas em lugares especiais com uma tela de proteção antipassarinhos e sem receber sol diretamente, nem chuva.
       
        Eram tão bem tratadas que se sentiam rainhas. Nasciam, cresciam e ficavam maravilhosas. Havia várias espécies: alface, couve, couve-flor, agrião, escarola, espinafre, chicória, além de batata, berinjela, rabanete, pimentão, nabo, tomate, cebola e muitas outras. Tudo seguia o percurso natural, até chegarem umas sementes especiais.


 - Bom dia! – cumprimentou o vizinho.

- Bom dia! – respondeu a agricultor.

- O senhor já conhece as novas sementes especiais?

- Não senhor. O que é que tem de especial nelas?

- Especial porque elas são perfeitas.

Nunca escutara algo sobre isso, para ele, qualquer semente era perfeita, tudo o que estava na natureza era perfeito. As sementes são tão pequeninas e mesmo assim escondem dentro de si tudo o que é preciso para manter a vida, por isso retrucou:

- Ora, ora, toda semente é perfeita.

            Mas o vizinho insistiu:

            - O senhor é um homem atrasado. Num sabe que agora os homens estudados, os cientistas é que fazem as melhores sementes? Lá no laboratório eles juntam uma daqui, misturam outra dali e aparece uma nova semente, diferente, mais forte, que dá fruto maior. 

        Escutava tudo muito desconfiado, com o cigarro de palha no canto da boca e chapéu na cabeça inclinado para o lado. Mirava o vizinho de cara redonda queimada do sol e não conseguia entender como isto seria possível. Para ele o que era da natureza ninguém tinha o direito de mudar. Estava tudo perfeito e aos homens cabia a responsabilidade de cuidar para que tudo servisse para bem comum, respeitando as leis da natureza que é perfeita. Indignado respondeu ao vizinho:

            - Eu não gosto dessas coisas modernas. Como é que um homem pode mudar aquilo que já tá pronto e tão direitinho? O homem tem é que cultivar a terra, semear as sementes que já tão aí prontinhas e colhê quando já tive na época. Plantá árvore nos lugares que eles arrancá pra num matá as florestas. É isso que tem que ser feito.

            - Deixa de ser atrasado homem. Vê só uma coisa: essas sementes aqui na minha mão são semente de nabo-flor, que é uma mistura de nabo com couve-flor; alfacerela, mistura de alface com berinjela; tem também cenorraba, cenoura com beterraba, e mais uma porção de coisas nova.  E ainda mais: já tão tudo vacinada contra as pragas. Cê nem vai mais gastar dinheiro com fumo para matá os pulgão.

            - Minha nossa, é o fim do mundo! Pra que que eu vo plantá cenorraba? Como pode ser essa coisa de vacina de semente? O mundo tá ficando doido.

            A insistência do vizinho e sua curiosidade fê-lo aceitar fazer uma experiência. Ficou apenas com as sementes de cenorraba. Muitas dúvidas surgiram, nem sequer sabia como cuidar das sementes. Será que elas gostavam de mais ou menos sol? E a quantidade de água? Será que por serem tão perfeitas, elas nem precisariam de cuidados? Enquanto balançava na rede olhando as estrelas pensava no que fazer.

(Continua...)


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